Anatoliy Kalinichenko, vice-diretor do hospital de Omsk, fala sobre o quadro clínico de Navalny | Foto: Kira Yarmysh (AP)

O Ministério das Relações Exteriores da Rússia classificou de “profundamente ofensivas” as acusações contra os médicos de Omsk sobre as supostas tentativas de “esconder a verdade” sobre o estado do blogueiro Alexei Navalny, que passou mal durante um voo no dia 20 e foi levado após uma aterrissagem de emergência para o hospital local, que salvou sua vida.

Ligado aos círculos neoliberais e pró-ocidentais, e posando de ‘caçador de corruptos’, Navalny se tornou o queridinho da mídia imperial, em que é costumeiramente apresentado como o ‘líder da oposição russa’, e que imediatamente passou a reverberar que se tratava de “envenenamento”, acusação prontamente endossada por Washington e Bruxelas antes de qualquer investigação a respeito.

A diplomacia russa chamou a atenção para “a pressa suspeita com que a versão do envenenamento deliberado de Navalny foi acolhida em Washington e Bruxelas”. E apontou a questão “que surge inevitavelmente: quem se beneficia com isso? A liderança russa claramente não é”.

Diante de arrogante ameaça de um vice-secretário de Estado em visita a Moscou sobre o caso, a diplomacia russa o alertou para a “inadmissibilidade de acusações infundadas” e que qualquer investigação, caso isso se demonstre necessário, será feita pela Rússia da forma “mais completa e objetiva”.

Na segunda-feira (24), a clínica alemã para onde tinha sido transferido, após o hospital de Omsk considerar seu quadro clínico como estável, emitiu um comunicado anunciando que Navalny estava numa unidade de terapia intensiva sob coma induzido, e disse que exames que realizou deram indícios de uma substância “não definida” do grupo dos inibidores da colinerase e aventou “envenenamento”.

Acrescentava, ainda, que o resultado da doença permanece “incerto” e as consequências de longo prazo, especialmente afetando o sistema nervoso, “não estão descartadas”.

Porta-voz da diplomacia russa cobrou dos médicos alemães “uma abordagem profissional” e solicitou que não permitam que os resultados de seus estudos laboratoriais sejam “usados para fins politizados”.

Como enfatizou o comunicado russo, foi a assistência altamente qualificada da equipe do hospital de emergência 1 de Omsk (BSMP-1) que salvou a vida de Navalny, e o histórico médico completo dele foi transferido para a equipe de médicos alemães que foi a Omsk para levar o paciente para Berlim.

Navalny chegara ao hospital inconsciente após o pouso de emergência e os médicos russos avaliaram sua condição como grave. De acordo com o médico-chefe do hospital, Alexander Murakhovsky, todos os testes realizados no laboratório químico-toxicológico apresentaram resultados negativos para o espectro de substâncias testado.

Em entrevista coletiva na segunda-feira, Murakhovsky e seu vice Anatoly Kalinichenko reiteraram ainda que os laboratórios de Tomsk e Moscou não detectaram substâncias químicas e toxicológicas no corpo de Navalny que pudessem ser consideradas venenos ou produtos da ação de venenos.

“Alexey Anatolyevich Navalny foi internado em coma, e os médicos do BSMP-1 salvaram sua vida com grande esforço e trabalho. Este fato não pode ser contestado, é indiscutível. Em segundo lugar, foi prestada assistência aos parentes de Navalny, em particular à sua esposa e irmão … Terceiro, fizemos todos os esforços para estabilizar a sua condição, porque havia um pedido de transferência para a clínica escolhida por eles”, disse Murakhovsky.

Por sua vez, o Ministério da Saúde da região de Omsk reagiu à afirmação da clínica alemã, afirmando que os estudos realizados quando o paciente foi admitido, sobre uma ampla gama de entorpecentes, substâncias sintéticas, psicodislépticos e medicamentos, incluindo inibidores da colinesterase, apresentaram resultado negativo.

 O Ministério das Relações Exteriores da Rússia chamou a atenção para “a pressa suspeita com que a versão do envenenamento deliberado de Navalny foi acolhida em Washington e Bruxelas”.

“A questão surge inevitavelmente: quem se beneficia com isso? A liderança russa claramente não”, acrescentou, se referindo a episódios anteriores, aliás, lembrados pela mídia ocidental, “sobre acusações jamais provadas, nos casos Litvinenko e Skripal”, ressaltou a chancelaria russa.

O porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, que classificou de “ruído vazio” o alarido na mídia ocidental sobre a “tentativa de envenenamento”, analisou a questão apresentada pela clínica de Berlim.

Como ele salientou, os médicos russos cogitaram da hipótese de envenenamento, mas nenhuma substância tóxica foi encontrada, ao mesmo tempo em que o fato da baixa colinesterase foi estabelecido desde as primeiras horas no hospital de Omsk, sendo combatida com atropina.

Peskov observou que as análises médicas dos médicos alemães coincidem com as de seus colegas da Federação Russa, mas “as conclusões são diferentes”.

“Não entendemos por que nossos colegas alemães estão com tanta pressa, usando a palavra ‘envenenamento’ … Claro, nossos próprios médicos estão prontos para fornecer amostras das primeiras análises e esperam convidar colegas alemães para trocar informações e vários materiais biológicos”, destacou.

Peskov também rechaçou a ingerência de governos estrangeiros na questão, assinalando que só será o caso de uma “investigação” se, primeiro, for identificada a existência de alguma substância, e em segundo, de que se tratou de envenenamento. “Se isso acontecer, é claro, será motivo para investigação”, ressaltou.

O presidente do parlamento russo, Vyacheslav Volodin, comentando as declarações de políticos ocidentais, observou que elas podem indicar uma possível provocação destinada a fornecer pretextos para acusações contra a Rússia. Ele disse que o Comitê de Segurança e Anticorrupção da Duma analisará o incidente com Navalny.

“O Comitê será instruído a analisar o que aconteceu para entender se foi uma tentativa por parte de países estrangeiros de prejudicar a saúde de um cidadão russo a fim de criar tensão dentro da Rússia, bem como formular novas acusações contra nosso país”, disse Volodin.

A União Europeia se juntou ao coro, com o Alto Representante da UE para as Relações Exteriores e a Política de Segurança, o espanhol Josep Borrell, condenando “o provável atentado” contra a vida de Alexei Navalny. A primeira-ministra alemã, Ângela Merkel, fez um apelo por “uma investigação completa do incidente” e que “os autores sejam identificados e levados à justiça”.

Segundo Vladimir Shapovalov, vice-diretor do Instituto de História e Política da Universidade Estadual Pedagógica de Moscou, tal declaração do chefe da diplomacia europeia soa como uma interferência da União Europeia nos assuntos internos da Rússia.

“Deve-se ter em mente que mesmo que seja estabelecido um diagnóstico de ‘envenenamento’ (e ainda há grandes dúvidas de que possa ser considerado envenenamento), há uma grande distância do envenenamento à tentativa … Um envenenamento pode ocorrer de diferentes maneiras, incluindo medicamentos, inclusive acidental, e assim por diante”.

“Portanto, o fato de a União Europeia permitir esse tipo de expressão neste comunicado é uma violação grosseira de todas as normas diplomáticas, normas do direito internacional”, afirmou o acadêmico à RT.

À agência de notícias russa TASS, o chefe do Bureau de Exames Médicos Forenses do Departamento de Saúde de Moscou, Sergei Shigeyev, chamou de “precipitadas” as alegações de que Navalny foi envenenado.

 “Essa conclusão é precipitada, pois não está comprovada: o nível de diminuição da atividade da colinesterase é desconhecido, a substância específica ou seus metabólitos que causaram a diminuição da atividade da colinesterase não foram estabelecidos. Além disso, o quadro clínico do aparecimento e desenvolvimento da doença em condições e circunstâncias específicas não corresponde ao quadro típico para esse tipo de intoxicação”, destacou.

Ele também observou que os inibidores da colinesterase não são apenas substâncias tóxicas, mas também drogas comuns (acridinas, piperidinas e carbamatos) que são amplamente utilizadas em neurologia e psiquiatria.

Alexander Myasnikov, apresentador de TV e médico-chefe do Hospital No. 71 de Moscou, assinalou que os inibidores da colinesterase são usados para tratar a doença de Alzheimer, bem como para melhorar a memória e estimular a atividade cerebral.

“Por exemplo, um jovem político queria melhorar sua capacidade de trabalho e memória, tomou uma dose inicial de comprimidos, depois não comeu, bebeu demais – e uma overdose! Pode ser isso? Bem, é mais provável do que fertilizantes ou um envenenamento para eliminação! Qual é a minha conclusão? Não se apresse em tirar conclusões … Precisamos esperar para ver aonde tudo isso vai dar, nada está claro ainda”, enfatizou.

“Um milhão de vezes aconteceu que as coisas óbvias acabaram sendo zero – e vice-versa, acredite em mim. Receio apenas que o gatilho já tenha sido apertado e que graves batalhas políticas nos aguardem. Desejo boa saúde a Alexei Navalny”, escreveu Myasnikov em seu canal no Telegram.

Em julho, Navalny havia anunciado a liquidação da ONG que levou à notoriedade, a FBK, na sigla em russo (Fundação Anticorrupção). O que, segundo a RT, se deveria às dívidas, escândalos e defecções, com a marca tendo se tornado tóxica desde que foi considerada pela justiça como ‘agente estrangeiro’, por receber verbas de governos estrangeiros. O que não teria deixado outra opção a ele, segundo especialistas, senão se livrar do “ativo problemático”. No lugar, ele vinha montando uma nova fachada, com outros laranjas.