Centenas de pessoas acorreram, em pleno sábado à noite, à Assembleia Nacional, para repudiar o anúncio de parte do primeiro-ministro Edouard Philippe, de que o governo Macron ia impor a reforma da previdência através de decreto draconiano – o chamado artigo 49.3 da constituição francesa.

“Diante do 49.3, não vamos parar de lutar”, bradou a multidão. O secretário-geral da CGT, Philippe Martinez, denunciou a “atitude profundamente escandalosa” e anunciou que as centrais sindicais e as entidades estudantis vão voltar às ruas contra o esbulho.

Esse artigo permite declarar aprovado um projeto de lei, depois de autorizado pelo conselho de ministros, sem votação no parlamento, desde que não seja barrado por uma moção de censura. Ou seja, sem qualquer discussão, e sem considerar as emendas apresentadas pela oposição.

O conselho extraordinário de ministros havia sido convocado no sábado para discutir a crise do coronavírus, que se agravou na França nos últimos dias; a Assembleia Nacional estava esvaziada.

Uma coisa dessas não é admissível, “não às 17 horas de sábado e no final de uma sessão dedicada ao coronavírus!”, disse à Sputnik França outro dirigente da CGT, Benjamin Amar.

Também o deputado da França Insubmissa, François Ruffin, denunciou a “covardia” do governo Macron. “Eles estão sozinhos. Sozinhos contra o Conselho de Estado, sozinhos contra os sindicatos, sozinhos contra dois terços dos franceses que rejeitam essa reforma”. “Vir a usar o 49.3 em uma tarde de sábado, no meio de uma crise de coronavírus, esperando que passe silenciosamente. Eles acrescentaram ao seu isolamento na França a covardia”, ele disse à CNews.

É a “negação da democracia”, afirmaram manifestantes, apontando que o macronismo tem maioria na Assembleia. Nem discutir eles admitem. Duas moções de censura foram apresentadas após o anúncio do primeiro-ministro, uma de parte dos republicanos, e outra dos partidos de esquerda, PS, PCF e FI.

Poucas horas antes do anúncio do uso do 49.3, a Ópera de Paris já havia anunciado a retomada da greve e o cancelamento das apresentações na noite de sábado na Ópera Garnier e na Ópera Bastille. “As pessoas estão indignadas”, disse Anne Goulier, secretária da CSE da Ópera de Paris. Um novo protesto da Ópera e da Comédia Francesa foi anunciado no domingo, às 17h30, em frente ao teatro Colette em Paris.

Para a deputada da França Insubmissa, Clémentine Autain, é “o neoliberalismo e o autoritarismo de mãos dadas”.

O líder dos republicanos, Damien Abad, considerou a medida “uma negação sem precedentes da democracia na reforma da previdência”.

A França está convulsionada há dois meses e meio pela reforma da previdência pró-bancos de Macron, com as centrais e entidades advertindo que não desistirão até que o governo retire seu malsinado projeto, que tenta impor pensões mais baixas e aumentar a idade de aposentadoria para 65 anos ou mais.  72% da população é contra, de acordo com a pesquisa de opinião BVA, de 21 de fevereiro, que repete o resultado de muitas outras. Nesse contexto, e com as eleições municipais se aproximando, a chantagem do uso do 49.3 é outro sinal do desprezo do governo Macron pelo debate democrático.

Como reiterou Martinez, brandir essa espada de Dâmocles é “uma admissão de fracasso”. “Essa 49.3 é a maneira de continuar afrontando a maioria dos franceses que há meses e meses estão nas ruas contra essa reforma”.