Centrais e Lula levam reforma trabalhista ao centro da pauta eleitoral
No dia 4 de janeiro, a pouco menos de nove meses das eleições presidenciais de 2022, um tuíte do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) reabriu os debates sobre a legislação do trabalho no Brasil. Embora já planejasse reatar pontes com o empresariado, Lula sinalizou, pela primeira vez, que a reforma trabalhista de 2017 será revista caso ele seja eleito e volte à Presidência da República.
“É importante que os brasileiros acompanhem de perto o que está acontecendo na Reforma Trabalhista da Espanha, onde o presidente Pedro Sanchez está trabalhando para recuperar direitos dos trabalhadores”, registrou Lula.
Sob a liderança do PSOE (Partido Socialista Operário Espanhol), o país europeu chegara a um acordo entre governo, empresários e trabalhadores para suprimir retrocessos da reforma trabalhista de 2012. Era consenso que as medidas de viés liberal adotadas há dez anos, como a legalização das contratações temporárias, precarizaram as condições de trabalho e não geraram empregos.
De acordo com a OIT (Organização Internacional do Trabalho), 110 países fizeram reformas trabalhistas entre 2008 a 2014, no rastro da grande crise capitalista de 2007-2008. Invariavelmente, o pretexto para “flexibilizar” a legislação era estimular a criação de postos de trabalho. Diversos estudos confirmam, porém, que não houve incremento substancial de empregos em nenhuma dessas 110 nações.
“Verdadeiro ataque”
No Brasil, ao promover, com a Lei 13.467/2017, o maior ataque às leis trabalhistas na história do País, a gestão Michel Temer (MDB) também embalou a reforma como a panaceia para enfrentar o desemprego. Se o governo estabelecia novas – e precárias – modalidades de contratação, como as jornadas parcial, intermitente e por produtividade, seria em nome da geração de vagas. Segundo o ministro do Trabalho, Ronaldo Nogueira, haveria 2 milhões de novos empregos formais em até dois anos. Para o titular da Fazenda, Henrique Meirelles, era possível gerar até 6 milhões de postos.
Ainda que a reforma no País tenha ocorrido após o período radiografado pela OIT, o cenário não foi diferente do restante do mundo. “Ao todo, foram alterados 117 artigos e outros 200 dispositivos da Consolidação das Leis do Trabalho, movimento que operou um verdadeiro ataque aos direitos laborais e sindicais dos trabalhadores”, diz o sociólogo Clemente Ganz Lúcio, ex-diretor técnico do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos). O desemprego, no entanto, permaneceu na casa dos dois dígitos de 2015 a 2022.
“O governo Bolsonaro vem atuando para ampliar e completar essa guinada neoliberal. A pandemia travou parte dessas iniciativas”, agrega Clemente. É o caso do nefasto relatório do Gaet (Grupo de Altos Estudos do Trabalho) apresentado a Bolsonaro em novembro. De acordo com a CUT (Central Única dos Trabalhadores), o texto propõe “pelo menos 330 alterações em dispositivos legais, a inclusão de 110 regras, alteração de 180 e revogação 40”.
“São 262 páginas de relatório que eu posso resumir assim: retira direitos da classe trabalhadora, flexibiliza contratações, precariza o trabalho, cria insegurança jurídica, exclui e reduz o papel do sindicato”, afirma Sérgio Nobre, presidente da CUT. “Em diferentes instâncias da Justiça do Trabalho, muitas negociações coletivas, ações do Ministério Público do Trabalho e de vários órgãos da sociedade questionaram aspectos da reforma de 2017. Agora, o governo quer fechar as portas que o Judiciário e o MPT tentaram abrir questionando aquela reforma.”
Proteger a todos
Por isso, há uma premissa comum para as centrais sindicais e para Lula: é preciso não apenas barrar novos retrocessos – mas também demolir a reforma trabalhista. O tuíte de Lula foi o ponto de partida para que partidos progressistas e movimento sindical fixassem a legislação trabalhista no centro da pauta eleitoral.
Esse ponto está presente tanto nas “Diretrizes para o Programa de Reconstrução e Transformação do Brasil” (a plataforma da pré-campanha de Lula) quanto na “Pauta da Classe Trabalhadora” (aprovada pelas centrais em abril, na 3ª Conferência Nacional da Classe Trabalhadora – Conclat 2022). Duas propostas sobressaem nos documentos: abolir as maldades da reforma de Temer e incorporar na legislação os trabalhadores sem carteira assinada, como os “uberizados”.
As centrais falam em “revisar os marcos regressivos da legislação trabalhista e previdenciária no setor público e no setor privado”. Com isso, o movimento sindical espera promover “regras protetivas universais para assegurar os direitos aos trabalhadores e trabalhadoras em todas as formas de ocupação”. O governo Dilma Rousseff, por exemplo, assegurou direitos previstos na Constituição para as trabalhadoras domésticas.
Já o programa de Lula também se propõe a revogar “os marcos regressivos da atual legislação trabalhista”. O documento enfatiza que uma nova lei deve garantir “extensa proteção social a todas as formas de ocupação, de emprego e de relação de trabalho”. Além dos trabalhadores formais, é preciso dar “especial atenção aos autônomos, aos que trabalham por conta própria, trabalhadores e trabalhadoras domésticas, teletrabalho e trabalhadores em home office, mediados por aplicativos e plataformas”.
No Brasil, uma nova legislação do trabalho é prioridade do sindicalismo. “A reforma trouxe modalidades que degradam o ambiente de trabalho, como o trabalho intermitente”, diz Adilson Araújo, presidente da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB). “Não podemos tolerar contratos que permitam que um trabalhador receba menos do que um salário mínimo. Isso é inconstitucional.”
Ainda em 2017, a CTB, em parceria com a Editora Anita Garibaldi, publicou o livro O Golpe do Capital contra o Trabalho, do jornalista Umberto Martins, assessor da presidência da CTB. O livro mostra que a reforma trabalhista é um desdobramento natural do golpe de 2016 contra a presidenta Dilma Rousseff (PT).
“Os trabalhadores não são golpeados apenas pelas reformas na legislação social, mas por um conjunto bem maior de iniciativas governamentais, inclusive aquelas que ofendem interesses nacionais mais amplos”, aponta o livro. “É o caso da alteração nas regras do pré-sal, do enfraquecimento da Petrobras e das empreiteiras e da deplorável mudança da política externa.”
Daí a centralidade da luta contra a reforma trabalhista. Abolir seus retrocessos é fundamental para garantir que o Brasil possa voltar a ter anos de uma política de desenvolvimento com geração de empregos e valorização do trabalho.