Foto: Rebeca Belchior
PRONUNCIAMENTO DA PRESIDENTA DO PCdoB LUCIANA SANTOS NA REUNIÃO DO COMITÊ CENTRAL CELEBRATIVA DO CENTENÁRIO

Há exatos cem anos, aqui onde estamos começou a nossa jornada. Nesta bela cidade de Niterói, a ousadia da classe operária fundou o Partido Comunista do Brasil.

Agradecemos, imensamente, ao povo niteroiense e ao prefeito Axel Grael que estão a acolher o Festival Vermelho, ponto alto da celebração de nosso centenário. Há um ditado espanhol que diz “Mi casa es su casa” e um verso que proclama: “Quem abre as portas da casa, abre as portas do coração”. Assim, nós nos sentimos envoltos em tão generosa hospitalidade. Gratidão!

Camaradas,

Sei que é tão grande a emoção que não cabe dentro de nós. Este júbilo intenso vem do fato de que, neste momento, minha voz é nossa voz, que ecoa um século de lutas. Minha voz são muitas vozes, que reverberam o brado das várias gerações de revolucionários/as que edificaram o PCdoB num percurso secular.

Rendemos nossa homenagem às gerações de bravos e bravas que trouxeram o Partido Comunista do Brasil ao seu centenário. Eles e elas continuam vivos no coração das novas gerações. São, para o nosso povo, motivo de imenso orgulho e inspiram os/as comunistas e lutadores/as progressistas contemporâneos.

Celebramos, neste 25 de março, uma rica história, permeada por heroísmo e dedicação às causas do povo e à luta por uma nação soberana, democrática e socialista. Nessa trajetória, atuamos de forma decisiva para o desenvolvimento soberano do país, para a democracia e o progresso social. Não é pouca coisa! Em todos os ciclos autoritários, os/as comunistas se apresentaram ao combate para dar consecução ao seu ideal. E emergiram como força política ponderável nos ciclos democráticos; por isso mesmo, vítimas principais de perseguições.

Na República Velha, em meses não-contínuos, teve apenas sete meses e 12 dias de atuação tolerada. E, de 1930 a 1985, apenas um ano, seis meses e dez dias de legalidade. Legalizado em 1985, agora, em 2022, completa 37 anos de atuação livre. Em mais da metade de nossa trajetória, portanto, tivemos de atuar nos subterrâneos da liberdade, como disse o notável romancista Jorge Amado, nosso camarada. Mas, mesmo com essa adversidade, a resultante de nossa trajetória é realizadora; por isso nossa história é arrebatadora.

O Centenário de nossa legenda acontece no mesmo ano do Bicentenário da Independência. Com justificado orgulho, com base em fatos históricos, podemos afirmar que, em cem anos de batalhas, sempre atuando em unidade com outras forças políticas democráticas, ajudamos a construir o Brasil. Muito da democracia, de nossa soberania, da base material do país, como é o caso da criação da Petrobras, e muito dos direitos do povo, muito do nível de consciência, unidade e organização da classe trabalhadora têm o aporte e a contribuição dos comunistas.

As celebrações dos cem anos do PCdoB, também, coincidem com o Centenário da Semana de Arte Moderna. E igualmente relevante é o legado do Partido e de grandes expoentes das artes, bem como das ciências, e de membros de nossa legenda, à produção cultural e intelectual avançada e progressista.

Surgimos, em 25 de março de 1922, num momento em que o país estava na fase decisiva do amadurecimento de mais um salto civilizatório, como expressão consequente do processo que superou, pela força do povo, o escravismo e suas estruturas arcaicas. A luta pela Independência, a Abolição e a República correspondem a um longo tempo e legaram ao país condições objetivas para ingressar numa fase nova. Nascemos como parte da torrente que emergiu para romper as amarras que teimavam em prender o Brasil ao século XIX. Nascemos do chão da luta de classes, do aprendizado político do nascente e combativo proletariado brasileiro.

A elevação da consciência de classe levou à formação dessa organização revolucionária. Os pioneiros dessa epopeia, influenciados pelo exemplo da Revolução Russa de 1917, lançaram-se ao trabalho de estudar a realidade brasileira, à luz do marxismo-leninismo, dando ao Partido Comunista do Brasil consistência ideológica e política. Inseridos no leito da rebeldia contra o regime oligárquico da chamada República Velha, e em favor das aspirações por um país democrático, como os levantes tenentistas e a Semana de Arte Moderna, a irrupção pela conquista do voto às mulheres, os comunistas assumiram a condução das lutas populares, indicando o horizonte socialista contra o regime oligárquico da chamada República Velha, das aspirações por um país democrático.

O resultado do esforço para dar ao Partido fisionomia de classe e estrutura teórica mostrava a força das ideias transformadoras em um mundo conflagrado por contradições do capitalismo. Astrojildo Pereira e Octávio Brandão produziram obras que dão bem a dimensão daquele esforço. Foram perspicazes e abnegados, contribuindo para fazer do Partido uma força política respeitada. Em suas fileiras, ingressaram homens e mulheres de luta com a consciência forjada nos embates de classes.

A atuação política, um salto da compreensão do pensamento transformador, mostrava resultados também no espaço parlamentar, com a eleição dos representantes comunistas Minervino de Oliveira e Octávio Brandão como intendentes (vereadores) do Conselho Municipal do Rio de Janeiro, em 1928, sob a legenda Bloco Operário e Camponês (o BOC).

Embora tenha se ausentado do curso da vida do país no processo da Revolução de 1930, mostraria sintonia com a evolução dos acontecimentos logo em seguida, ao fazer uma avaliação correta do que representava o avanço do nazifascismo, no Brasil, bem visível pela existência da Ação Integralista Brasileira. Ao impulsionar a criação da Aliança Nacional Libertadora (ANL), deu um passo adiante na formação de um movimento político amplo. O voluntarismo e as precipitações do Levante de 1935 não tiram do Partido os méritos de enfrentar aquela conjuntura com bravura e compromisso democrático.

Nas duras condições impostas pelo Estado Novo, os comunistas mantiveram acesa a chama revolucionária e um mínimo de organização, sobretudo pela heroica tarefa de manter o jornal A Classe Operária em circulação, o elo que possibilitou a retomada do Partido no começo da década de 1940. Em plena guerra ao nazifascismo, os comunistas ressurgiram com a força de suas ideias, ocupando espaços na cena política, participando de organizações estudantis, intelectuais e de trabalhadores. Com a bandeira da democracia e a política de amplitude, lideraram um movimento popular de grande envergadura para redemocratizar o país.

Nessa fase, agigantou-se a segunda geração de dirigentes, tendo à frente nomes como João Amazonas, Maurício Grabois, Pedro Pomar, Carlos Marighella e Diógenes Arruda Câmara, liderados por Luiz Carlos Prestes. São as lideranças da Comissão Nacional de Organização Provisória e da Conferência da Mantiqueira de 1943.

Além de reconstruir o Partido, lançaram-se na tarefa de criar e fortalecer entidades populares, como a União Nacional dos Estudantes, a Associação Brasileira de Escritores, os Comitês Populares, o Movimento Unificador dos Trabalhadores e a reivindicação de formação da Força Expedicionária Brasileira para combater o nazifascismo na Europa.

Internamente, os comunistas travaram uma dura batalha com as forças do Estado Novo e ampliaram sua atuação num movimento pela reconquista da democracia, promovendo uma campanha popular pela anistia, conquistada em abril de 1945, ponto de partida para o avanço do processo democrático. Com Prestes fora dos cárceres, em torno de seu nome o Partido organizou manifestações que mobilizaram centenas de milhares de pessoas, principalmente no Rio de Janeiro, em São Paulo e Recife.

A meta era a convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte, bandeira que aproximava os comunistas do presidente Getúlio Vargas. Segundo o documento Cinquenta Anos de luta, escrito por João Amazonas e Maurício Grabois em 1972, com essa orientação o Partido, de certa forma, apoiou o governo de Vargas, que tomava medidas de sentido democrático. Gigantescos comícios se espalharam pelo país, um acontecimento descrito por Grabois como o maior movimento popular da história brasileira, superior ao da luta pela Abolição e ao da campanha republicana.

A eleição da bancada de 14 de deputados e do senador Luiz Carlos Prestes, e os 9,7% votos do candidato presidencial dos comunistas, Yedo Fiúza, numa campanha de apenas quinze dias, mostraram a força do Partido. A bandeira da democracia estava associada aos comunistas, identificados como consequentes lutadores contra o nazifascismo, num ambiente em que a União Soviética era vista como artífice da derrota do regime de Adolf Hitler.

Na Constituinte, a bancada comunista travou um duro combate para impedir retrocessos e avançar em questões essenciais. Apresentou cento e oitenta emendas ao Projeto de Constituição, abrangendo temas como amplo direito de voto; ampla liberdade religiosa; amplo direito de greve; distribuição de terras aos camponeses; liberdade sindical; e combate aos trustes e monopólios.

A ascensão do Partido despertou a sanha do reacionário governo de Eurico Gaspar Dutra. Uma onda autoritária voltou a se levantar, o que exigiu dos comunistas grandes esforços para preservar a democracia, duramente golpeada com a cassação do registro do Partido e de seus mandatos em 1947 e 1948. O Brasil estava sendo arrastado para uma nova atmosfera de guerra como peça no xadrez da Guerra Fria.

Foi nessa conjuntura que mais uma vez os comunistas foram ao combate em defesa do país e do povo, assumindo a linha de frente da campanha pelo petróleo, da luta pela paz, dos protestos pela desocupação das bases militares e áreas instaladas no país durante a Segunda Guerra Mundial, indevidamente mantidas sob controle dos Estados Unidos. Mesmo na ilegalidade e com desvios esquerdistas, sua força apareceu também à frente das lutas dos trabalhadores, na onda de greves e manifestações iniciadas em 1948, que atingiu o auge em 1953.

Mas o Partido ausentou-se do curso real dos acontecimentos – como na defesa do voto em branco nas eleições presidenciais de 1950 que reconduziram Getúlio Vargas à Presidência. O suicídio do presidente mostrou que havia uma luta política no país mais abrangente. Com essa nova visão, o Partido estabeleceu conversações com o candidato Juscelino Kubitscheck sobre as eleições de 1955, contribuindo para a sua vitória.

O Partido iniciou, nesse período, a evolução programática, sistematizando suas ideias e experiências, no Programa do 4º Congresso, em 1954; um processo de amplo debate iniciado em 1951 e transcorrido em meio à turbulência que levou ao suicídio de Getúlio Vargas.

Enfrentou, logo em seguida, a crise de 1956 a 1962, quando houve a sua reorganização. Nesse período de grandes embates teóricos, políticos e ideológicos, o Partido revigorou suas convicções revolucionárias e seguiu adiante, ainda tateando as conjunturas nacional e internacional, munido de um novo Programa, elaborado no calor da reorganização. Como assinala o documento Um século de lutas, o 18 de fevereiro de 1962 é uma data que dialoga em grandeza com o próprio 25 de março de 1922, posto que, como a história demonstrou, garantiu a continuidade revolucionária do Partido.

Em condições difíceis, o Partido, escolado pelo aprendizado histórico e teórico, lutou para não se isolar. João Amazonas, Maurício Grabois e Pedro Pomar, dentre outros, visitaram países socialistas para manter elos internacionalistas e buscar ensinamentos para os enfrentamentos que se pronunciavam como desafios inéditos, com novos campos que se formavam no cenário internacional.

Essa experiência aportou ao Partido referências revolucionárias, o que revigorou sua capacidade de interação com a realidade do país. Sobretudo após o golpe militar de 1964, numa sucessão rápida de acontecimentos que exigiu dos comunistas profunda reflexão e resultou na tática certeira da VI Conferência, de 1966: união de amplas forças para enfrentar e pôr abaixo a ditatura. A combinação de combates, nas cidades e no campo, evoluiu para a concentração de forças na Guerrilha do Araguaia, bem definida pelo Partido como uma epopeia pela liberdade.

Os heróis e heroínas da Guerrilha do Araguaia devem ser lembrados e reverenciados por sua bravura e fidelidade à missão histórica de transformar o Brasil. Seu legado soma-se ao de outros tantos que combateram outros períodos de autoritarismo. O Partido pagou um elevado tributo em vidas e sacrifícios, sobretudo no enfrentamento à ditadura militar. Mas nunca, nunca abaixou a bandeira da democracia!

A emergência da luta democrática renovada na segunda metade da década de 1970 deveu-se muito a essa e a outras ações de resistência. Em janeiro de 1975, o PCdoB propôs, como bandeiras para unificar amplos setores da sociedade, a luta por anistia; a abolição de todos os atos e leis de exceção; e a convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte. E defendeu uma frente de oposição como caminho para derrotar a ditadura.

Os comunistas lutavam contra a carestia e se inseriam no curso das reivindicações dos trabalhadores, apontando a via política para a superação daquela fase sinistra. Por essa via, o PCdoB retornou ao parlamento com o camarada Aurélio Peres, em 1978, eleito deputado federal pelo MDB.

O povo mobilizado e em luta impôs a anistia de 1979, marco inaugural de uma nova fase para as forças democráticas. A volta dos exilados, entre eles João Amazonas e Renato Rabelo, deu impulso ao combate à ditadura. A retomada das greves como uma avalanche de indignação e protestos também sinalizava o fim daquele regime que tanto infelicitava o povo e o país.

Surgiu, no curso da reorganização do Partido e do enfretamento à ditadura, a terceira geração de dirigentes, alterada pelos desfalques decorrentes do assassinato de vários de seus integrantes. João Amazonas assumiu a liderança dessa geração, reconstituída pelo reforço que o PCdoB obteve com a incorporação da ampla maioria dos integrantes da Ação Popular Marxista-Leninista e, também, de outros quadros de suas fileiras originais. Coube a essa geração manter no alto a bandeira do Partido quando o povo novamente entrou em cena para redemocratizar o país.

Nas eleições estaduais de 1982, a presença comunista na Câmara dos Deputados ganhou um reforço considerável e o Partido apareceu em campanhas de governadores como força política relevante. Nessa nova ascensão, suas bandeiras tremularam em campanhas de grande impacto no país, como as Diretas já!  e o movimento pró-Tancredo Neves candidato a presidente da República. A iniciativa de João Amazonas de procurar o então governador oposicionista de Minas Gerais para reforçar a importância da sua candidatura dá a ideia da dimensão política alcançada pelo Partido.

A eleição de Tancredo Neves decretou o fim da ditadura militar e o início de uma nova fase histórica do país, carregada de desafios para as forças democráticas e progressistas. A militância do Partido crescia rapidamente e, consequentemente, seu espaço político. Com a legalidade, a influência dos comunistas foi alçada a um novo patamar. O PCdoB ampliou sua presença nas organizações da juventude, dos estudantes, das mulheres, dos negros, dos trabalhadores do campo e da cidade, e dos movimentos sociais.

O Partido constituiu formalmente sua bancada e conquistou o posto de líder na Câmara dos Deputados, assumido por Haroldo Lima, que fez o célebre discurso lembrando o pronunciamento de despedida de Maurício Grabois em 7 de janeiro de 1948, quando a bancada comunista foi cassada.

João Amazonas, em audiência com o presidente José Sarney, comentou a urgência de uma Assembleia Nacional Constituinte para remover o entulho autoritário da ditadura. A Constituinte foi convocada, com a participação de cinco deputados comunistas. E a bancada apresentou 1.003 emendas, das quais 204 foram aprovadas. No quinteto que constituía nossa bancada, ressalta-se a presença elevada de Aldo Arantes, Edmilson Valentim, Lídice da Mata e Eduardo Bonfim, além do já citado líder, nosso camarada Haroldo Lima.

Em 1989, o Brasil teria pela frente mais um grande desafio: depois de 29 anos, o povo brasileiro elegeria o presidente do país. O confronto era entre as forças de direita, representadas pela candidatura de Fernando Collor de Mello, e as correntes populares, representadas pela candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva, lançada pela Frente Brasil Popular, composta pelo PT, o PCdoB e o PSB.

João Amazonas foi um ardoroso defensor da unidade das forças progressistas e um dos artífices da Frente Brasil Popular. O Partido deu àquela aliança um sentido estratégico. Ao fazê-lo, porém, não se prendeu à coligação partidária ali representada, mas fundamentalmente ao conteúdo e ao sentido daquela união: a base social e de massas que lhe dava sustentação. O jogo pesado da direita levou Collor a ser eleito.

Logo o Partido enfrentaria outro grande desafio: a débâcle do campo socialista liderado pela União Soviética. Os novos problemas de indiscutível importância política e ideológica que convulsionavam o cenário mundial repercutiram fortemente no país e atingiram o PCdoB. A sólida estruturação do Partido cumpriu papel importante naquele momento decisivo.

No 8º Congresso, em 1992, o PCdoB fez um amplo balanço das conquistas da Revolução Russa de 1917 e indicou ter demonstrado inequívoca superioridade no equacionamento e na solução dos problemas angustiantes com que se defronta a humanidade, embora o novo sistema não tivesse ainda alcançado o nível de desenvolvimento econômico dos grandes países capitalistas. A União Soviética havia avançado séculos na luta por um mundo melhor. Mas o Partido sistematizou as circunstâncias e os erros e equívocos que levaram à derrocada dessa primeira grande experiência socialista. Enquanto muitos partidos, outrora comunistas, mudaram de cor e nome, o PCdoB reafirmou sua identidade comunista e o socialismo em bases novas.

O Partido também avançou na formulação programática, na 8ª Conferência em 1995, dando os primeiros passos para mais um salto na sua compreensão teórica, superando o relativo mecanicismo do seu pensamento sobre o caminho para o socialismo. Ao mesmo tempo, chegou à conclusão de que o Brasil sentia os efeitos da crise econômica mundial e vivia o começo da aplicação do neoliberalismo, iniciada pelo governo Collor.

Defendeu a palavra de ordem Fora, Collor!, que empolgou a juventude brasileira e levou ao impeachment do presidente da República. Mas a derrota do governo Collor não representou a superação do neoliberalismo. Com a vitória de Fernando Henrique Cardoso, o projeto da direita recobrou fôlego. O Partido defendeu então a formação de uma ampla frente oposicionista, que tivesse como núcleo as forças de esquerda.

No apogeu da globalização neoliberal, em 1997, o PCdoB realizou o seu 9º Congresso, iniciando a definição do tipo de partido revolucionário de princípios e de feição moderna. E o 9º Congresso aprovou a consigna cuidar mais e melhor do Partido.

Era preciso ampliar ainda mais para derrotar o neoliberalismo. O PCdoB chegou ao seu 10º Congresso, em 2001, com esse propósito bem delineado. E, nesse Congresso, um fato marcante foi a transição da presidência do Partido. João Amazonas, sabiamente e de forma experimentada, vinha pavimentando a mudança, e assumiu a presidência Renato Rabelo, como líder da quarta geração de dirigentes, com grande respaldo da militância e do coletivo dirigente.

Renato apontou a forte possibilidade da vitória das forças progressistas em 2002. Porém, com a ressalva de que somente uma ampla frente, apoiada por extenso movimento social, seria capaz de vencer e governar. A chapa Lula-José Alencar materializava essa diretriz e se sagrou vitoriosa. O PCdoB, ao apoiar Lula em todas as suas campanhas, e, ao oferecer ideias programáticas e táticas que se revelaram indispensáveis, deu contribuições relevantes à histórica vitória de 2002.

Para o PCdoB, a eleição de Lula iniciou um novo ciclo histórico e político no Brasil. Chegaram ao governo da República correntes políticas democráticas, patrióticas, revolucionárias e representantes de organizações sociais populares que nunca tinham alcançado tal intento.

No 12º Congresso, em 2009, tem-se um salto na elaboração programática do Partido. O Programa Socialista para o Brasil é o resultado de um grande esforço do PCdoB para responder à questão central imposta pelo entroncamento histórico da atualidade: a alternativa a ser seguida, a nova luta pelo socialismo, na dinâmica da história do Brasil, no curso concreto da luta de classes, e no contexto contemporâneo da realidade mundial.

Com a reeleição de Lula em 2006, a eleição e reeleição da presidenta Dilma Rousseff, em 2010 e 2014, foram 14 anos de duras lutas políticas, que resultaram em conquistas para o povo e para o país. Um ciclo interrompido com o impeachment golpista que, em 2016, depôs a presidente Dilma Rousseff. O Partido lutou tenazmente contra o golpe.

Nesse período, o PCdoB enfrentou e venceu novos desafios teóricos e políticos, participando de ministérios e agências, de cujo desempenho deixou um rico legado. Ao mesmo tempo, ampliou sua inserção nas lutas populares, reforçando sua atuação no sindicalismo e demais movimentos sociais.

Em maio de 2015, o Partido realizou sua 10ª Conferência e aprovou a sucessão na presidência do PCdoB. Renato Rabelo, treze anos depois daquele histórico dezembro de 2001 – quando recebeu das mãos de João Amazonas a tarefa de sucedê-lo –, despediu-se do posto de presidente. Depois de criteriosa ausculta, Renato Rabelo fez a proposta do meu nome para assumir a presidência do Partido, aprovada em clima de unidade.

Conforme descrito em Um Século de Lutas, meu nome surgiu como condutor da quinta geração de dirigentes, constituída por expoentes da geração anterior, à qual se somam novas lideranças do PCdoB e experimentados dirigentes, da elevada estirpe de Sérgio Rubens Torres, egressos do Partido Pátria Livre, o PPL, originário do Movimento Revolucionário Oito de Outubro, o MR8.

Depois do exitoso processo de integração da Ação Popular Marxista-Leninista, no período crítico da ditatura militar, está em andamento de modo vitorioso, desde 2019, a integração dos quadros oriundos do PPL ao Partido.

Na atualidade, a nossa presidência, apoiada pelo coletivo de quadros e militantes, batalha para conduzir o PCdoB – nas duras circunstâncias do país sob domínio de uma força de extrema-direita, de cunho fascista – a um ciclo de revitalização e de crescente protagonismo político.

Nesse percurso, o PCdoB enfrentou com bravura o governo ilegítimo de Michel Temer, que pavimentou o caminho à vitória da extrema-direita nas eleições presidenciais de 2018, resultando no nefasto governo de cunho neofascista de Jair Bolsonaro, enfrentado pela chapa encabeçada por Fernando Haddad, do PT, e Manuela d’Ávila, do PCdoB. Instaurou-se, assim, um período instável e perigoso. E a democracia, já mutilada, corre risco permanente. O negacionismo do governo agravou os efeitos da pandemia, durante a qual perderam a vida mais de 650 mil pessoas.

Diante do revés de 2018, o Partido desencadeou um movimento para sua revitalização, que está em curso sobretudo na renovação da linha de massas, no fortalecimento de sua comunicação e da construção de sua estrutura orgânica. Esta revitalização demanda também renovar e abrasileirar crescentemente sua imagem e fortalecer sua identidade, ao mesmo tempo em que aperfeiçoa seu sistema de direção. Neste sentido, recentemente, elegemos um quarteto de vice-presidentes: Walter Sorrentino, Jandira Feghali, Carlos Lopes e Manuela d’Ávila.

Todo esse rico histórico de presença no poder legislativo brasileiro desagua e se espelha em nossa atual bancada federal, e também no elenco de parlamentares das Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais.

Nossa bancada é pequena, porém é produtiva, criativa e muito influente. É capaz de unir, estabelecer diálogo respeitoso mesmo com os adversários, e agregar forças. Por isso é respeitada pelas bancadas das demais legendas democráticas e querida pelo nosso povo. Seu trabalho, neste quadriênio que se encerra, é grandioso: múltiplas iniciativas em defesa da vida e da democracia, do patrimônio nacional, do desenvolvimento e do emprego, do auxílio emergencial para os mais pobres e a batalha em defesa do SUS e da vacina para todos.

No atual ambiente autoritário, e com as decorrentes restrições às liberdades democráticas, o PCdoB fez grande esforço para a aprovação da Lei das Federações Partidárias. Nossa bancada, em aliança com parlamentares de outras legendas, ergueu a bandeira da Federação, e a ideia ganhou força, rompeu obstáculos e se concretizou como uma inovação democrática que aperfeiçoa e enriquece o sistema político e partidário do país. É mais um importante legado dos comunistas à democracia brasileira.

Homenageamos nossa bancada, oito que valem oitenta! Renildo Calheiros, nosso líder, Alice Portugal, Jandira Feghali, Professora Marcivânia, Perpétua Almeida, Orlando Silva, Daniel Almeida e Márcio Jerry.

Como diz o documento sobre os cem anos do Partido, esta celebração do nosso centenário tem um relevante significado também para forças progressistas do Brasil. Reforça o legado da legenda à construção do país, sublinha sua atuação marcante no presente e aponta a perspectiva de futuro: fortalecer a nação e lutar pelo socialismo.

A essência dessa perspectiva consta das sínteses orientadoras da atuação e construção do Partido, alinhadas no documento Um século de lutas, abarcando questões como a construção de um forte partido; a dimensão estratégica da federação partidária; a unidade de ação; a crescente capacitação marxista; os quadros partidários como fator decisivo para tornar realidade a política e os projetos partidários; a formação política e ideológica das bases militantes; a elevação da presença comunista na frente parlamentar-institucional; a revitalização do Partido em suas múltiplas dimensões, sobretudo nos vínculos com os movimentos e a luta do povo, na comunicação digital e na sua estruturação orgânica; a renovação e o abrasileiramento de sua imagem e o reforço de sua identidade que deriva do Programa e de seu caráter de classe; e a relação dialética entre construção orgânica e formação das direções.

Ainda citando o documento Um séculos de lutas…, o Partido Comunista do Brasil é imprescindível para o novo tempo e a nova luta pelo socialismo. Munido de pensamento estratégico e revolucionário, e com tática combativa, ampla e flexível, ousa sistematizar a partir da própria experiência os desafios da revolução brasileira.

Vive-se hoje um novo período histórico, que impõe novos desafios e requer respostas e alternativas contemporâneas. Torna-se imperativo ao PCdoB reforçar convicções para reavivar os princípios fundamentais do socialismo, reafirmando a causa e a identidade comunistas. E, ao mesmo tempo, realizar grande esforço criativo para renovação da linha básica do Partido, resultante do acúmulo teórico e prático alcançado. Esse empreendimento não pode estancar-se, precisa continuar e ser desenvolvido.

O desenho que se apresenta é de grandes lutas, que passam por um novo projeto nacional de desenvolvimento, autônomo – na periferia e semiperiferia do capitalismo –, em consonância com a transição no sistema de poder, com tendência à multipolaridade. Um combate político e ideológico ao neoliberalismo, mostrando suas contradições, inclusive nos países capitalistas centrais, sobretudo os europeus, que enfrentam jornadas de lutas contra o desmantelamento do Estado de bem-estar social. São contradições no coração do capitalismo, que o desestabilizam e o abalam. No seu conjunto, abrem caminho para a luta pelo socialismo.

Camaradas,

O Partido está empenhado, com os movimentos de frente ampla, na tarefa de libertar o país do governo Bolsonaro, de restaurar a democracia e promover uma reconstrução nacional que abra perspectiva a um novo ciclo de prosperidade, desenvolvimento soberano em harmonia com a proteção do meio ambiente e de progresso social.

O Brasil, sob um novo governo de amplas forças democráticas, compromissado com uma plataforma emergencial de reconstrução nacional, poderá encaminhar-se para um ciclo de prosperidade. Para liderar este projeto, o PCdoB decidirá, nesta reunião do Comitê Central, nosso apoio à construção da candidatura presidencial do ex-presidente Lula, credenciada, pelo respaldo de uma frente ampla, para conquistar a maioria dos brasileiros e brasileiras e, assim, disputar, vencer e governar.

Para nuclear esse grande feito político, estamos concretizando uma Federação Partidária, formada pelo PT, o PCdoB, o PV, pela qual mantemos o empenho para que dela participem também o PSB e outras legendas progressistas.

Camaradas,

Concluo parafraseando e homenageando o grande poeta Thiago de Mello, amigo de nosso Partido, que nos deixou recentemente. O que são cem anos para quem pretende edificar um milênio?

O que é século, para quem tem como essência conquistar e construir o futuro radioso e socialista que virá?

Nós nos orgulhamos de nossa saga heroica e realizadora, de lutas, agruras e colheitas; em cem anos, adquirimos a têmpera de aço de que falava nosso grande camarada Haroldo Lima, e nos qualificamos para travar as lutas duras, mas promissoras, do presente. Nossos olhos miram o futuro e refletem o brilho e a esperança da aurora.

Niterói, 25 de março de 2022

Luciana Santos

Presidenta do Partido Comunista do Brasil (PCdoB)