Celso de Mello

O ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Celso de Mello, avaliou que o indulto concedido por Jair Bolsonaro para o criminoso Daniel Silveira, que defendeu o fechamento da Corte, é “claro desvio de finalidade” e “juridicamente imprestável”.

Jair Bolsonaro editou um decreto salvando Daniel Silveira da prisão na condenação de 8 anos e 9 meses determinada pelo STF, em votação que terminou em 10 a 1.

Até o ministro André Mendonça, indicado por Bolsonaro votou pela condenação.

Silveira tinha ameaçado os ministros da Corte e defendido um golpe contra ela.

O ministro aposentado Celso de Mello afirmou que o perdão concedido por Jair Bolsonaro está “completamente desvinculado do interesse público” e não cumpre o princípio da impessoalidade, isto é, que Bolsonaro perdoou Daniel Silveira porque é seu aliado.

O ex-decano apontou “múltiplos vícios de inconstitucionalidade, como ofensas patentes aos princípios da impessoalidade, da separação de poderes, da moralidade”, do decreto de Jair Bolsonaro.

Tudo a pôr em evidência o claro (e censurável) desvio de finalidade que contamina e transgride o coeficiente de validade desse decreto juridicamente imprestável”, continuou.

Não se pode desconhecer que o desvio de finalidade qualifica-se como vício gravíssimo apto a contaminar a validade jurídica do ato estatal, mesmo quando fundado no poder discricionário do agente público”, comentou.

A prática desviante de conduta ilegítima, como essa em que Bolsonaro incidiu, revela-se, no caso desse inconstitucional decreto presidencial, pela prova inequívoca de que o chefe de Estado, não obstante editando ato revestido de aparente legalidade, valeu-se desse comportamento político-administrativo para perseguir e realizar fins completamente desvinculados do interesse público”, pontuou.

O ex-ministro disse que concorda com a discussão que tem sido feita no meio jurídico de que o perdão concedido por Bolsonaro é inconstitucional.

Celso de Mello disse ainda que decretos presidenciais, ainda que discricionários, podem ter sua constitucionalidade questionada e avaliada pelo STF.

O contrário, quando o presidente tem poderes absolutos e inquestionáveis, seria “típica característica de regimes autocráticos, que temem o controle de seu comportamento por juízes e tribunais independentes”.

Essa avaliação já é “consagrada pela jurisprudência do STF”. O ex-decano citou e comentou uma decisão do STF de 1914, no governo de Hermes da Fonseca, que diz que “‘desde que uma questão [de governo ou de natureza política — observação minha] está subordinada a textos expressos na Constituição, deixa de ser questão exclusivamente política’ e, em consequência, expõe-se ao controle do Poder Judiciário!”.

Mesmo atos de perfil discricionário estão sujeitos ao controle jurisdicional quanto à sua legitimidade constitucional”, confirmou.

Em um documento enviado para o STF no domingo (1), a defesa de Daniel Silveira provocou o ministro Alexandre de Moraes e falou que o decreto não pode ser revisto pela Corte porque era um “perdão absoluto”.