Com a pandemia de Covid-19, 34% dos fumantes aumentaram o número de cigarros consumidos por dia e 17,6% das pessoas aumentaram o consumo de álcool. Ao mesmo tempo, o percentual dos que realizavam atividades físicas semanais caiu de 30,4% para 12,6%. Houve também um aumento médio diário de 1 hora e 45 minutos de consumo de TV e 1 hora e 30 minutos de consumo de computador e tablet.

 

Este quadro foi descrito por Marilisa Barros, professora titular de Epidemiologia da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (FCM-Unicamp), no evento “Depressão, saúde mental e pandemia”, do Ciclo ILP-Fapesp de Ciência e Inovação. Promovido pelo Instituto do Legislativo Paulista da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (ILP-Alesp) e pela Fapesp, o evento foi realizado virtualmente no dia 26 de outubro.

 

E quais os impactos de mais cigarro e bebida alcoólica, mais comida ultraprocessada, mais tempo de televisão e de internet, menos exercício físico, menos horas de sono, menos alimentação saudável? Como esse comportamento, resultado da pandemia para um número significativo de pessoas, pode prejudicar, na prática, a qualidade de vida das pessoas?

 

Para Marilisa, antes de tudo, os indicadores se correlacionam com sentimentos associados ao quadro depressivo. “Das pessoas entrevistadas, 40,4% disseram ter sentimentos de tristeza ou depressão, e 52,6% afirmaram experimentar sentimentos de nervosismo ou ansiedade, muitas vezes ou sempre. O maior impacto na saúde mental ocorreu nos adultos jovens, nas mulheres e nas pessoas com antecedente de depressão”, diz ela.

 

Os dados apresentados foram extraídos da pesquisa “ConVid Comportamentos”, realizada em parceria pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), e coordenada por Marilisa na Unicamp. A pesquisa foi realizada via web, entre 24 de abril e 24 de maio deste ano, com 45.161 brasileiros, de todas as unidades da Federação, sendo 11.863 deles do estado de São Paulo. “Verificamos que 62,1% das pessoas tiveram sua renda diminuída ou ficaram sem renda”, diz a pesquisadora.

 

Também no evento do Ciclo ILP-FAPESP, Laura Helena Guerra de Andrade, coordenadora do Núcleo de Epidemiologia Psiquiátrica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP), enfocou o tema da depressão e saúde mental nos centros urbanos. “Atualmente, 80% dos brasileiros vivem em centros urbanos, e 10% na Região Metropolitana de São Paulo (RMSP)”, diz.

 

Laura Helena foi coordenadora do projeto temático “São Paulo Megacity  – Estudo epidemiológico dos transtornos psiquiátricos na Região Metropolitana de São Paulo (RMSP): prevalências, fatores de risco e sobrecarga social e econômica”, estudo epidemiológico brasileiro, integrante do “Consortium World Mental Health Initiative”, da Organização Mundial da Saúde. Segundo ela, houve uma expansão explosiva da mancha urbana da RMSP nos últimos 30 anos. E as evidências mostram que viver na grande cidade está provocando alterações cerebrais nos moradores.

 

“Colhemos informações de 5.037 residentes de diferentes áreas da RMSP, e verificamos que 30% deles apresentaram algum tipo de transtorno no ano anterior à entrevista: 20% com sintomas de ansiedade (ansiedade generalizada, fobias etc.), 11% com distúrbios de humor (depressão maior, distimia, bipolaridade) e 3,6% por consumo de álcool e outras drogas. Aproximadamente 30% dos casos de transtorno eram graves”, afirma.

 

Segundo o estudo, 54,6% das pessoas da amostra vivenciaram, como vítimas ou testemunhas, ao menos um evento traumático relacionado a crimes. Esse percentual é maior do que o registrado no Líbano, país que passou por uma devastadora guerra civil. “Em relação especificamente à depressão, o estudo mostrou que a mulher tem duas vezes mais chances de apresentar o transtorno do que o homem; que, em 50% dos casos, o primeiro episódio de depressão ocorre antes dos 24 anos; e que mais da metade das pessoas afetadas apresenta comorbidades, principalmente ansiedade e dor crônica”, relata.

 

Entre as muitas informações providas pelo estudo, uma, especialmente relevante para a definição de políticas públicas, foi que menos de 40% das pessoas com depressão receberam tratamento no ano anterior. E somente 15,4% receberam o tratamento adequado. A renda é o único fator determinante para o acesso ao tratamento: quanto maior a renda, maior o acesso.

 

O terceiro participante do evento, Guilherme Polanczyk, professor de Psiquiatria da Infância e Adolescência da FM-USP, desenvolveu o tema da saúde mental de crianças e adolescentes na pandemia de Covid-19. “A pobreza é o fator de risco mais consistente para transtornos mentais. E o Brasil tem 20 milhões de crianças até 14 anos, vivendo na pobreza”, revela o pesquisador.

 

Em um contexto global no qual a depressão constitui um dos principais fatores de incapacidade entre adolescentes, e que o suicídio é a terceira causa de morte na faixa etária dos 15 aos 19 anos, o Brasil apresenta um número estimado de 10,3 milhões de pessoas com depressão menores de 19 anos. Polanczyk é o coordenador da plataforma “Jovens na Pandemia”, um survey nacional on-line que já levantou dados de 6.535 crianças e adolescentes, com média etária de 10,7 anos, de todas as regiões do país. Na amostra, 18,3% apresentaram uma condição de doença crônica e 12,8% de transtorno mental.

 

Entre os fatores decorrentes da pandemia e predisponentes à depressão e outros transtornos mentais, Polanczyk destaca: confinamento; exposição ao estresse vivido pelos pais; conflitos familiares e violência; insegurança alimentar e em relação à moradia; medo da infecção e preocupação com familiares; afastamento da rede de amigos e apoio social; sentimento de solidão, incerteza e insegurança; afastamento da escola e interrupção do aprendizado; falta de acesso a serviços de saúde e sociais; inatividade física; alterações de hábito de sono e alimentação; exposição sem monitoramento à internet; escassez de atividades de lazer.

 

Com informações da Agência Fapesp