Caso Navalny: Moscou cobra fatos de Berlim em vez alegações sem prova
“Onde estão os fatos, onde estão as fórmulas, ou pelo menos algum tipo de informação?”, questionou a porta-voz da chancelaria russa, Maria Zakharova, diante do anúncio, por porta-voz alemão, de que o russo Alexey Navalny, em tratamento em Berlim, teria sido ‘envenenado na Rússia com o agente químico neurotóxico novichok’, “sem sombra de dúvida”, segundo um laboratório militar alemão.
“Em vez de uma investigação aprofundada e um trabalho conjunto escrupuloso com o objetivo de obter resultados autênticos, nossos parceiros preferem fazer declarações públicas sem apresentar fatos. Tudo isso é mais uma campanha de informação”, reiterou Zakharova.
“O que é mais importante e triste ao mesmo tempo é que nossos parceiros negligenciam abertamente – hoje isso foi demonstrado muito claramente – os mecanismos de interação jurídica disponíveis para a obtenção de resultados genuínos”, destacou a porta-voz russa.
Ela lembrou que em 27 de agosto o Gabinete do Procurador-Geral da Rússia despachou um pedido oficial de assistência jurídica com base nas conclusões dos investigadores do Ministério do Interior russo, mas não recebeu qualquer resposta.
“O governo alemão ligou o microfone e disse o que disse. Pelo que entendemos, o público-alvo das declarações de hoje foram a União Europeia e a Otan. A Organização para a Proibição de Armas Químicas foi mencionada por algum motivo também. Tudo isso foi feito em vez do que deveria ter sido feito primeiro – uma resposta à pergunta do Gabinete do Procurador-Geral da Rússia”, disse Zakharova.
O porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, depois de dizer que a Rússia está “pronta para uma cooperação integral e troca de dados” com a Alemanha sobre a questão Navalny, apontou que nada fora ainda fornecido pelo lado alemão.
Ele lembrou que, antes do paciente ser transportado para Berlim, vários testes foram realizados na Rússia e “nenhuma toxina foi encontrada”. “Os nossos médicos propuseram aos seus colegas alemães, através dos canais oficiais, o intercâmbio dos nossos dados, mas infelizmente ainda não obtiveram resposta”, acrescentou.
Apenas na parte da tarde, o embaixador russo na Alemanha foi convocado em Berlim para ser informado do que já se tornara público pela mídia. Na semana passada, o ministro das Relações Exteriores russo, Sergey Lavrov, havia repudiado as acusações injuriosas. Também a equipe médica do hospital de Osmk lançou uma carta aberta ressaltando que havia salvo a vida de Navalny.
Navalny, que a mídia ocidental vive tratando como ‘líder da oposição’ por ser neoliberal e posar de blogueiro caçador de corruptos, havia passado mal durante um voo de Tomsk, na Sibéria, a Moscou, com o avião fazendo pouso de emergência em Omsk, tendo chegado inconsciente ao hospital, que o tratou e salvou sua vida.
A transferência para o hospital em Berlim se deu por insistência da mulher e do irmão. Os médicos russos forneceram aos médicos alemães todos os exames realizados.
Conforme o porta-voz alemão Steffen Seibert, por “iniciativa” do hospital Charithé o laboratório especial do exército alemão realizou “análise toxicológica das amostras dos testes de Alexey Navalny”, que proveu “prova indisputável da presença de um agente de nervos da classe novichok”.
“O governo alemão condena este ataque da forma mais resoluta”, acrescentou. Ele também revelou que a Alemanha iria entrar em contato com os parceiros da União Europeia, a Otan e a OPAQ sobre o suposto envenenamento.
Inicialmente, a alegação do Hospital Charité era de que encontrara sinais de intoxicação com “substâncias do grupo de inibidores da colinesterase”, com a equipe médica alemã considerando não haver ameaça à vida dele, embora com possibilidade de efeitos de longo-termo sobre seu sistema nervoso. Inibidores de colinesterase vão desde fertilizantes a remédios contra Alzheimer.
A alegação de “envenenamento por novichok” de parte de Berlim traz à voga a saga do ex-espião russo e sua filha, os Skripal, na Grã Bretanha, em 2018, em que a única parte que se tem certeza é que o governo britânico deu sumiço nos dois até hoje.
Em entrevista à RT, o integrante do Comitê de Assuntos Internacionais da Duma, Anton Morozov, considerou a alegação “provocativa”, e disse que a própria palavra “Novichok” foi inventada no Ocidente para “assustar cidadãos respeitáveis com a Rússia agressiva”.
Ao mesmo tempo – acrescentou -, não estamos absolutamente interessados em intimidar alguém. Estamos comprometidos com a cooperação construtiva e nosso processo político é aberto”.
Morozov disse que a Rússia não tinha nada a ganhar caso oposicionistas “sofressem algum tipo de ataque”, especialmente com o uso de “agentes de guerra química”. “Não há evidências, apenas acusações. Expressamos nossa insatisfação com tais ataques de informação descarados contra a Rússia”, concluiu o parlamentar.
GEORGE GALLOWAY
O ex-deputado inglês, George Galloway, que acompanhou de perto o rock doido Novichok & Os Skripals sob o governo de Theresa May/Boris Johnson, detonou a questão: “Se o Estado russo tivesse tentado assassinar Navalny, eles nunca teriam permitido que seu corpo em coma, em primeiro lugar, fosse levado para fora do país, para a Alemanha. Ele teria morrido na mesa de operação na Rússia, onde ninguém poderia “detectar vestígios de Novichok” em uma capital da Otan”.
O ex-deputado inglês ainda fez outra afirmação de difícil contestação, tendo em vista o caso Skripal: “Se o Estado russo fosse o responsável por tentar matar Navalny, certamente a ÚLTIMA arma em todo o mundo que ele teria escolhido seria Novichok”.
O blogueiro MoonOfAlabama comentou a acusação: “Skripalizaram o Navalny!” E ironizou: “Engraçado como Novichok, de ‘grau militar’, o veneno ‘mais mortal’, nunca mata ninguém”.
Quando do debate sobre os Skripals no Conselho de Segurança da ONU em 2018, o embaixador russo Vasili Nebentzia demoliu a encenação britânica. Nebentzia lembrou que o ‘novichok’ não é de patente russa, “apesar do nome obviamente russo”.
“Foi um nome inventado no Ocidente para uma linha de substâncias tóxicas, o que não é novidade para especialistas e cientistas. Eles foram desenvolvidos em muitos países, inclusive nos EUA e na Grã-Bretanha”, enfatizou. (Aliás, o nome ‘novichok’ foi popularizado por uma série de tevê inglesa).
Nesse debate, Nebentzia também se referiu à história sem pé nem cabeça, como a inusitada sobrevivência a um ‘ataque químico de grau militar’ para o qual ‘não há antídoto’, ‘sem mortos em massa nas imediações e na equipe de atendimento’, o que se esperaria numa situação assim.
Ou os dias que levaram para tirar da praça o banco contaminado em que os Skripals foram encontrados. O embaixador russo acrescentou “nem saber como comentar isso, é uma espécie de teatro do absurdo”. Agora, no lugar do banco da praça, é a xícara de chá preto…
O especialista russo Leonid Rink, que esteve ligado diretamente na época ao desenvolvimento da classe de agentes de nervos agora apelidados de Novichok, afirmou que se houvesse sido usado o Novichok, os sintomas seriam completamente diferentes, com convulsões e assim por diante. E ele não estaria em coma: estaria morto.
Ele classificou a tentativa de ligar o suposto ‘envenenamento’ de Navalny como uso do agente de nervos Novichok, um disparate absoluto, uma manobra política. Rink acrescentou que há os exames feitos nos laboratórios locais de Omsk, mas também em Moscou.
O ex-deputado Galloway disse que, como em qualquer mistério policial, tem que se perguntar “quem se beneficia?” (“Qui Bono”, em juridiquês). “Que ganho concebível o Kremlin teria ao matar Alexey Navalny por Novichok?”, questionou.
Ele também assinalou a contradição de o Ocidente querer que acreditemos que Vladimir Putin é ao mesmo tempo um Mefistófeles deslumbrante capaz de interferir em eleições na América e na Grã-Bretanha, ajeitar o Brexit e fomentar o separatismo da Escócia à Espanha, e um idiota tagarela, o policial que não consegue atirar direito. Que fracassou não só em uma, mas duas tentativas de se livrar de críticos marginais totalmente inofensivos – que, no caso de Alexey Navalny, seriam incapazes de ganhar um único assento em uma autoridade local provincial”.
Galloway também desmascarou a fábula de que Navalny é o “líder da oposição”. Como apontou, essa liderança é dos comunistas. Navalny mal tem 2%.
Outra questão é a do ‘timing”. A coincidência do “ataque a Navalny” com a revolução colorida intentada na Bielorrússia e a reta final da conclusão do gasoduto russo-alemão Nord Stream 2.
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