Caso da compra da mansão de Flávio Bolsonaro fica nebuloso a cada dia
Como em todas as transações imobiliárias de Flávio Bolsonaro há, segundo o Ministério Público do Rio, movimentações financeiras suspeitas, e a nova compra da mansão de luxo em Brasília, não poderia fugir à regra.
O senador mentiu na escritura do imóvel. Tanto ele quanto o antigo proprietário da mansão, o empresário Juscelino Sarkis, declararam que o preço de R$ 6 milhões fora todo pago e garantiram que o negócio estava quitado.
Logo na primeira cláusula da escritura está registrado que “O(s) vendedor(es) declara(m) já haver recebido do(s) comprador(es) o valor relativo à parcela dos recursos próprios indicada em Recursos Próprios do item Preço da Compra e Venda/Forma de Pagamento”.
Ou seja, Flávio e Fernanda, sua mulher, teriam pago, segundo o documento, R$ 2,87 milhões com “recursos próprios” e o restante (R$ 3,1 milhões) por meio de um financiamento no Banco de Brasília (BRB), com uma taxa de juros reduzida, de 3,71% ao ano.
Mas uma nota assinada na quarta-feira (3) pelos advogados do empresário revela que Flávio Bolsonaro ainda deve R$ 1,78 milhão. Segundo os advogados, ele pagou R$ 3,1 milhões que vieram do financiamento do BRB e mais R$ 1,09 milhão em três transferências bancárias em novembro e dezembro. Como em outras transações suspeitas de Flávio, tudo indica que também nesta está havendo recursos de origem desconhecida.
No entanto, para o Ministério Público do Rio, a origem não é desconhecida. O dinheiro foi roubado dos cofres da Assembleia Legislativa do Rio. De lá foram saqueados pela dupla Flávio/Queiroz, segundo o MP-RJ, um total de R$ 6,1 milhões.
Flávio Bolsonaro citou suas atividades empresariais como fonte de seu patrimônio. Ele disse que vendeu um imóvel na Barra da Tijuca e sua participação na franquia da loja de chocolate da Kopenhagen. Até a agora não há comprovação da alegada transação com o imóvel da barra.
Advogados especialistas em transações imobiliárias dizem que a escritura é um documento de fé pública, que serve como prova, e que a situação pode ser entendida como falsidade ideológica.
O artigo 299 do Código Penal diz que é falsidade ideológica “omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita”. Como dissemos antes, todas as transações de imóveis de Flávio são suspeitas. A compra da mansão não fugiu à regra.
Em novembro de 2012, por exemplo, Flávio adquiriu dois imóveis em Copacabana, na Zona Sul do Rio de Janeiro. Pagou um total de R$ 310 mil pelos dois imóveis e os revendeu, um ano e três meses depois, por mais que o triplo do preço, segundo reportagem da época do jornal Folha de S. Paulo. Os dois imóveis haviam sido adquiridos em 2011 pelos proprietários anteriores por um total de R$ 440 mil. Em pleno boom imobiliário na cidade, eles tiveram um prejuízo de 30% ao revendê-los ao senador, segundo dados do 5º RGI (Registro Geral de Imóveis) da capital do Estado.
A informação sobre os imóveis consta do pedido de busca e apreensão de 111 páginas feito pelo MP-RJ à Justiça fluminense. A suspeita dos promotores decorria do fato de Glenn Dillard, responsável por vender os imóveis a Flávio e Fernanda, ter depositado ao mesmo tempo em sua conta os cheques entregues pelo casal e a quantia em dinheiro vivo. A escritura aponta o valor da operação como sendo de R$ 310 mil.
O pagamento foi feito em duas etapas. Um sinal de R$ 100 mil pagos em cheques no dia 6 de novembro e dois cheques (que somam R$ 210 mil) foram entregues na data da assinatura da escritura. O MP-RJ afirma que, no mesmo dia da concretização do negócio, Dillard esteve no banco HSBC, onde tinha conta, para depositar os valores. A agência usada fica a 450 metros do cartório onde foi assinada a escritura, que, por sua vez, fica a 50 metros da Assembleia Legislativa do Rio.
O norte-americano, segundo a investigação, depositou ao mesmo tempo os cheques e R$ 638.400 em dinheiro vivo. A Promotoria afirma que Dillard não realizou outra transação imobiliária no segundo semestre de 2012, que poderia ser uma origem para o depósito diverso do dinheiro da transação do senador. Ao mesmo tempo, os promotores escreveram na petição que Flávio e Fernanda também não haviam vendido nenhum imóvel naquele ano e não tinham disponibilidade financeira para a operação. Isso indica, para os investigadores, que a única origem possível para os recursos em espécie é o recolhimento de dinheiro feito junto a funcionários fantasmas.
Na mesma época em que era deputado, uma quantia não explicada entrou na conta de Flávio. Ele explicou que era empresário e que a origem eram os negócios. “Eu movimento no ano, recebo no ano, do lucro desta minha empresa, muito mais do que eu recebo como deputado. No comércio, você pega dinheiro”, afirmou, em referência a movimentações com valores em espécie. “A origem é a minha empresa e o imóvel que eu vendi, no valor de R$ 2,4 milhões. Você acha que, se fosse um dinheiro ilícito eu ia depositar na minha conta?”, questionou.
Porém, relatório do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) contradisse a versão do senador para explicar seus ganhos financeiros. O documento apontou movimentação atípica de Flávio Bolsonaro de R$ 632 mil entre agosto de 2017 e janeiro de 2018.
Segundo o RIF (Relatório de Inteligência Financeira), Flávio recebeu no período R$ 120 mil como lucro da loja. O valor é menor do que sua remuneração à época como deputado estadual, que somou R$ 131 mil no mesmo período. O órgão não conseguiu identificar a origem dos outros R$ 90 mil recebidos por ele.
LUCROS
O uso de imóveis para lavagem de dinheiro consiste no subfaturamento da compra para que, numa futura venda lucrativa, o patrimônio final esteja justificado pela transação imobiliária. Flávio Bolsonaro vendeu os imóveis pouco mais de um ano depois, tendo declarado um lucro de R$ 813 mil. Pelas contas do Ministério Público, o rendimento real foi de R$ 176,6 mil. Para o MP-RJ, os R$ 638,4 mil passaram a ter aparência legal após a revenda feita por Flávio ser declarada à Receita Federal.
O senador é investigado no esquema das chamadas “rachadinhas” quando ainda era deputado estadual no Rio. Ele e seu braço direito Fabrício Queiroz, atualmente em prisão domiciliar, contratavam funcionários fantasmas que recebiam o salário e devolviam boa parte dele para o bolso do deputado.
O MP-RJ calcula que os dois desviaram R$ 6,1 milhões dos cofres públicos durante o mandato de Flávio. Entre os fantasmas do gabinete estavam pessoas ligadas às milícias. Faziam parte do esquema a mãe e a mulher do miliciano Adriano da Nóbrega, pistoleiro e assassino profissional que chefiava a milícia de Rio das Pedras, na Zona Oeste do Rio.