Caso Assange: “Julgamento é ataque à liberdade de imprensa”
A escritora Alice Walker (conhecida pelo romance A Cor Púrpura) e o linguista Noam Chomsky classificaram como “o mais perigoso ataque à liberdade de imprensa em pelo menos uma geração” o pedido de Trump para a extradição de Julian Assange.
“Destacamos o fato de que todos os denunciantes e o próprio jornalismo, não apenas Assange, estão sendo julgados aqui”, afirmaram as duas personalidades, em artigo de opinião no jornal inglês The Independent.
O julgamento começou na semana passada em um tribunal de Londres, e deverá durar de três a quatro semanas. Um tribunal secreto norte-americano quer condenar o fundador do WikiLeaks a 175 anos de cadeia por “espionagem e conspiração” – se depois não acrescentarem acusações piores.
“Se Assange for extraditado” – advertiram -, “as consequências para a liberdade de imprensa e o direito do público de saber serão catastróficas”.
“Assange não está sendo julgado por andar de skate na embaixada do Equador, por tweetar, por chamar Hillary Clinton de falcão de guerra ou por ter uma barba desgrenhada quando foi preso pela polícia britânica. Assange enfrenta extradição para os Estados Unidos porque publicou evidências incontestáveis de crimes de guerra e abusos no Iraque e no Afeganistão, envergonhando governos da nação mais poderosa da Terra”.
O mais conhecido intelectual progressista norte-americano e a escritora relembraram que os “posts de Assange em 2010 expuseram 15.000 vítimas civis anteriormente não contabilizadas no Iraque, vítimas que o Exército dos EUA teria enterrado”.
Eles também enfatizaram que os Estados Unidos estão “tentando realizar o que os regimes repressivos só podem sonhar: decidir o que os jornalistas de todo o mundo podem e não podem escrever”.
PERSEGUIÇÃO
Em 2010, a publicação pelo WikiLeaks, juntamente com alguns dos principais jornais do mundo, dos arquivos de guerra do Pentágono no Iraque e no Afeganistão – incluídos os crimes de guerra -, dos cabogramas das conspirações e negociatas do Departamento de Estado e dos manuais de tortura de Guantánamo, foram saudadas no mundo inteiro, e Assange inclusive recebeu diversos prêmios jornalísticos por expor o que o império tentava varrer para debaixo do tapete.
Na impossibilidade de executar extrajudicialmente Assange, a opção do Estado Profundo foi de cometer um assassinato de reputação, com a farsa da acusação, inexistente, de estupro, só retirada vários anos depois, conforme investigou e comprovou o Relator da ONU para a Tortura, Niels Melzer.
A operação contou com a colaboração dos governos sueco e britânico e, para não ser extraditado para a Suécia, e dali, para Washington, Assange se exilou na embaixada do Equador em Londres, entre 2012 e 2019.
Após o novo presidente equatoriano virar a casaca e se tornar um títere dos EUA, a cidadania equatoriana concedida a Assange foi ilegalmente cassada e depois Lenin Moreno autorizou a entrada da polícia inglesa para arrancar de lá Assange.
Assim, no mesmo dia Assange foi levado a um tribunal supostamente por violar uma fiança – na verdade, para exercer seu legítimo direito de asilo, reconhecido internacionalmente-, onde já o aguardava o pedido do regime Trump de extradição, com vistas a tornar a punição de Assange um trunfo na campanha pela reeleição.
No caso Assange, a “justiça” inglesa voltou àquele padrão que os irlandeses presos aleatoriamente como bodes expiatórios nos anos dos “Distúrbios” e a família do brasileiro Jean Charles conhecem bem.
Assange foi condenado por violação de fiança, o não comparecimento a uma audiência, não com multa, como é a norma, mas com quase um ano de prisão, no presídio de segurança máxima conhecido como a Guantánamo britânica.
Foi mantido em solitária por 23 horas por dia e os advogados e amigos temeram por sua vida. Em maio, ao visitá-lo em Belsmarsh, ao lado de um médico especializado nos Protocolos de Tortura de Istambul, Melzer constatou que Assange manifestava todos os sintomas de vítima de tortura.
Das mais diversas formas, seu direito a preparar a defesa foi obstaculizado, a ponto de ficar seis meses sem contato com os advogados sob pretexto da pandemia e, ainda, da família.
SEM ADIAMENTO
No início do julgamento do pedido de extradição, a juíza Vanessa Baraitser se recusou a adiar a audiência para o próximo ano, em decorrência de Assange não ter podido participar da preparação de sua defesa nesses últimos seis meses e pelo fato de que os EUA entram com uma segunda acusação substituta, fora de prazo, e depois que a defesa já entregara sua argumentação inicial.
A manobra foi feita para alegar que a extradição não seria por perseguição política – pelas denúncias de crimes de guerra e outros malfeitos imperiais -, mas por conspirar para roubar segredos dos EUA e hackear.
Para o editor-chefe do WikiLeaks, Kristinn Hrafnsson, a decisão de Baraitser foi “violação grosseira dos direitos de Assange”, já que “os americanos tiveram dez anos para preparar este caso. Os advogados de Julian estão trabalhando há um ano sob a [primeira] acusação. Lançar esta [segunda acusação substituta] no último minuto é um insulto absoluto aos tribunais do Reino Unido e a Julian e à justiça”.
Também se manifestou o ex-analista do NSA, Edward Snowden, que denunciou que os EUA grampeavam o mundo inteiro, e só escapou das garras da CIA graças ao apoio do WikiLeaks e de Assange. Ele chamou o caso de um “julgamento-espetáculo kafkiano”, acrescentando que “o juiz permite que as acusações sejam alteradas com tanta freqüência que a defesa nem sabe quais são, as demandas mais básicas são negadas, ninguém pode ouvir o que o réu diz – uma farsa”.
JORNALISTAS BRASILEIROS APOIAM
A Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), publicou uma nota de apoio à Assange, afirmando que “o Wikileaks colaborou com dezenas de jornalistas e veículos de imprensa, o que resultou em milhares de reportagens de interesse público universal”. A entidade anunciou que está se unindo a outras instituições de defesa dos direitos humanos e da liberdade de expressão ao redor do mundo “no clamor para que a Justiça do Reino Unido recuse o pedido de extradição de Julian Assange para os Estados Unidos”.
A Abraji denunciou, ainda, que a eventual extradição de Assange iria “gerar o efeito secundário de intimidar denunciantes de quaisquer países que tiverem acesso a informações sigilosas dos EUA, prejudicando a exposição de violações aos direitos humanos e crimes de guerra”.
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