Manifestante protesta diante da embaixada canadense nas Filipinas por causa do caso dos contêineres de lixo exportados — Foto: AP/Aaron Favila

Após o governo filipino chegar a retirar seu embaixador do Canadá no dia 16 de maio e ameaçar contratar um navio para levar de volta dezenas de contêineres repletos de lixo podre de procedência canadense para despejar nas águas territoriais canadenses, o governo de Ottawa finalmente resolveu ceder na chamada “guerra do lixo”, após desconsiderar os apelos do governo filipino durante seis anos.

Na sexta-feira (31), deixou o porto de Manila o navio Bavária, contratado para esse fim por Ottawa, com 69 contêineres de lixo, que o Canadá introduziu ilegalmente nas Filipinas. A partida ocorreu algumas horas antes do vencimento do prazo estabelecido pelas Filipinas para remoção do lixo.

Até então, o governo canadense dizia que não podia forçar uma empresa privada a retirar os contêineres cheios de lixo.

“É melhor resolver essas coisas ou vou velejar para o Canadá, vou jogar seu lixo lá”, avisou o polêmico presidente Rodrigo Duterte. Ele chegou a ameaçar também de jogar lixo na porta da embaixada canadense em Manila, se não houvesse uma resposta.

O confronto é mais um episódio do tráfico de lixo dos países centrais para os países mais pobres, com documentação falsa de “material reciclável”, questão que acaba de ser adicionada à Convenção de Basiléia sobre Resíduos Perigosos e proibida. 187 países concordaram, mas o regime Trump se recusou a assinar.

No total, entre 2013 e 2014, 103 contêineres com lixo foram levados “por engano” para as Filipinas, com os documentos asseverando conterem “plástico reciclável”. A alfândega filipina descobriu que o que havia nos contêineres era lixo doméstico, garrafas, embalagens, papel usado e até mesmo fraldas para adultos usadas. Foi possível reciclar o conteúdo de 34 desses recipientes, mas 69 contêineres com lixo permaneciam até agora numa zona de quarentena no porto de Manila e na Baía de Súbic.

“Obviamente, o Canadá não está levando este problema, ou nosso país, seriamente. Nós, filipinos, estamos gravemente insultados pelo fato de o Canadá tratar este país como um lixão”, precisou dizer o porta-voz do presidente filipino, Salvador Panelo.

Conforme anúncio feito depois pela Ministra do Meio Ambiente do Canadá, Catherine McKenna, finalmente foi contratada uma empresa de navegação para retirar o lixo canadense das Filipinas, o que custará a Ottawa, entre preparação da carga, transporte e reciclagem, US$ 850.000.

Anteriormente, o rechaço tinha partido do governo da Malásia, que está devolvendo lixo travestido de ‘material reciclável’ para 14 países. “Estamos pedindo aos países desenvolvidos que revejam a sua gestão de resíduos plásticos e parem de enviar lixo para países em desenvolvimento”, afirmou a ministra do Ambiente da Malásia, Yeo Bee Yin.

“Foram trazidos ilegalmente para a Malásia sob falsa declaração, e outros delitos, que claramente violam a nossa lei ambiental”, assinalou a ministra, acrescentando que 60 contêineres vão ser devolvidos para os países de origem, entre eles EUA, França, Japão, Canadá, Grã Bretanha, Espanha e Austrália. Yeo adiantou à agência de notícias “Reuters” que vai entrar em contato com os respectivos governos por via diplomática, solicitando que as empresas que estão fazendo isso sejam investigadas.

CONVENÇÃO PROÍBE TRÁFICO DE LIXO PLÁSTICO

A proposta aprovada por 187 países, por iniciativa da ONU, acrescenta o chamado ‘plástico misto’ à Convenção de Basileia sobre o Controle de Movimentação Transfronteiras de Resíduos Perigosos e seu Depósito, em vigor desde 1989, e que obriga ao consentimento do governo receptor.

60% do plástico produzido no mundo acaba no meio ambiente ou em aterros. Segundo a ONU, pelo menos 8 milhões de toneladas de plástico são despejadas nos oceanos todos os anos. Desde 2017 a China se recusa a importar plástico usado e, de acordo com um estudo publicado em 2018 na revista Science Advances, “estima-se que 111 milhões de toneladas de resíduos plásticos serão deslocados com a nova política chinesa até 2030”.

Mesmo sem assinar, os EUA serão afetados pela proibição de traficar lixo plástico. “[O acordo] só permitiria que os EUA exportassem resíduos de plástico que já estão separados, limpos e prontos para reciclagem”, disse à Reuters David Azoulay, do Centro para o Direito Ambiental Internacional (CIEL). “Que é exatamente o tipo de lixo que eles enviam por não ter valor”.