Câmara vai criar comissão para investigar ataque ao Capitólio
A presidente da Câmara de deputados dos EUA, a democrata Nancy Pelosi, anunciou a constituição de uma comissão de investigação externa independente para apurar os acontecimentos do 6 de janeiro – o assalto ao Congresso dos EUA por uma turba incitada pelo então presidente Trump -, assim como todas as ações que levaram a isso.
“Nosso próximo passo será estabelecer uma Comissão externa independente do tipo 11 de setembro para investigar e relatar os fatos e as causas relacionadas ao ataque terrorista doméstico de 6 de janeiro de 2021 ao Capitólio dos Estados Unidos e relacionadas à interferência com a transferência pacífica de poder, incluindo fatos e causas relacionadas à preparação e resposta da Polícia do Capitólio dos Estados Unidos e outras autoridades federais, estaduais e locais de aplicação da lei na Região do Capitólio Nacional”, afirmou Pelosi em carta aos deputados.
Em paralelo, cresce o clamor para levar Trump às barras dos tribunais por convocar a Washington uma turba usando mentiras e insuflá-la a impedir a transição pacífica do poder para o eleito Joe Biden.
Apesar de terem ficado faltando dez senadores republicanos “com coluna vertebral” que carimbassem o impeachment de Trump, até mesmo o líder da minoria, Mitch McConnell, acabou por depois discursar responsabilizando diretamente Trump pelo assalto ao Capitólio e às instituições democráticas do país.
“Trump não escapou de nada ainda”, acrescentou McConnell, após afirmar que “outras vias judiciais” permanecem abertas.
A mídia norte-americana registrou que Trump estaria “preocupado” com o risco de ser levado à justiça, depois que perdeu os privilégios de presidente, e Rudy Giuliani não mais o representa legalmente.
Como enfatizou Pelosi, “Está claro que devemos descobrir a verdade de como isso aconteceu”, se referindo ao relatório inicial de um general da reserva sobre as falhas na segurança do Capitólio e à acusação apresentada no julgamento no Senado.
O principal gerente de impeachment da Câmara, o deputado Jamie Raskin, chamou o julgamento de um “sucesso dramático em termos históricos” ao ganhar apoio sem precedentes dos senadores republicanos. “Nós processamos Trump com sucesso e o condenamos no tribunal da opinião pública e no tribunal da história”, sublinhou.
Outra promotora indicada pela Câmara, Stacey Plaskett, assinalou a importância do registro oficial nos autos do depoimento da deputada republicana Herrera Beutler, que testemunhou o inusitado diálogo por telefone de Trump com o líder da minoria na Câmara, Kevin McCarthy, em que este pedia em desespero a Trump que parasse com a invasão.
A urgência em fazer Trump pagar pelos seus crimes foi realçada por Noah Bookbinder, presidente da ong Cidadãos Pela Responsabilização e Ética em Washington, que denunciou que o bilionário “incitou uma insurreição para derrubar o governo eleito dos Estados Unidos”. “Ele pode ter evitado uma forma de indiciamento, mas não evitou todas”.
Promotores da Geórgia, de Nova York e de Washington estão estudando como processar Trump. Os primeiros, pela pressão de Trump para que o Secretário de Estado da Geórgia fraudasse a eleição a favor dele, tirando da cartola “11.870 votos”. Os demais, pelo ataque ao Capitólio em si.
Um deputado democrata do Mississipi, Bennie Thompson, ingressou com uma ação em caráter particular contra Trump, seu advogado Rudy Giuliani e capos dos Proud Boys e dos Oath Keepers, pelo ataque ao Capitólio.
O processo, que apela para uma lei pós-Guerra Civil criada para conter a violência da Ku Klux Klan, recebeu o apoio da principal entidade anti-racismo dos EUA, a NAACP.
“Deve haver uma investigação completa sobre o que aconteceu”, disse por sua vez o senador da Louisiana Bill Cassidy, um dos sete republicanos que votou para condenar Trump. “O que era conhecido, quem sabia e quando soube, porque isso constrói a base para que nunca aconteça novamente.”
O senador democrata Chris Coons apoiou a proposta de uma comissão externa independente, como forma de assegurar que o Capitólio “esteja garantido no futuro”. E que mostre “quão abjetamente violador de seu juramento constitucional o presidente Trump realmente foi”.
A deputada democrata Madeleine Dean disse que a ação de McConnell passará para a história por “falar pelos dois cantos da boca”. Ao que parece, não foi assim que Trump entendeu. Na terça-feira, emitiu uma declaração furibunda pedindo a cabeça de seu ex-líder do Senado e chamando os Maga-boys a esmagarem qualquer dissidência no Partido Republicano.
Voto à parte, dificilmente uma condenação de Trump nos tribunais não terá contado com o impacto das declarações de McConnell no julgamento no Senado: “Eles usaram o terrorismo para tentar impedir a transição democrática de poder de que não gostavam. Espancaram e ensanguentaram nossa própria polícia. Invadiram o plenário do Senado. Tentaram caçar a presidente da Câmara. Construíram uma forca e gritaram sobre o assassinato do vice-presidente”.
“Foi também toda a atmosfera fabricada de catástrofe iminente; os mitos cada vez mais selvagens sobre uma eleição avassaladora que estava sendo roubada em algum golpe secreto de nosso agora presidente”, apontou McConnell, acrescentando que “o sistema jurídico falou. O Colégio Eleitoral falou. Quando me levantei e disse claramente na ocasião, a eleição estava resolvida”.
A reação à realidade de Trump “foi num crescendo cada vez maior de teorias da conspiração, orquestrado por um presidente cessante que parecia determinado a derrubar a decisão dos eleitores ou incendiar nossas instituições na saída”.
“O líder do mundo livre não pode passar semanas trovejando que forças sombrias estão roubando nosso país e depois fingir surpresa quando as pessoas acreditam nele e fazem coisas imprudentes”, apontou o veterano senador republicano.
“Uma turba estava atacando o Capitólio em seu nome. Esses criminosos carregavam seus estandartes, penduravam suas bandeiras e gritavam sua lealdade a ele. Era óbvio que apenas o presidente Trump poderia acabar com isso. Mas o presidente não fez seu trabalho. Não tomou medidas para que a lei federal pudesse ser fielmente executada e a ordem restaurada”.
Para completar, McConnell ressaltou a caçada ao vice-presidente: “mesmo depois de ficar claro para qualquer observador razoável que Pence estava em perigo … o presidente postou um novo tweet atacando seu vice-presidente. Repetiu mentiras eleitorais e elogiou os criminosos”.
“74 milhões de americanos não invadiram o Capitólio. Várias centenas de manifestantes o fizeram. E 74 milhões de americanos não arquitetaram a campanha de desinformação e ódio que a provocou. Uma pessoa fez isso”.