Da esquerda para a direita, deputados Alexandre Padilha, Marcelo Ramos e Orlando Silva (PCdoB), que presidiu a sessão que votou o texto

A Câmara dos Deputados aprovou na tarde desta quarta-feira (9), em segundo turno o texto da Convenção Interamericana contra o Racismo, a Discriminação Racial e Formas Correlatas de Intolerância. Foram 417 votos a favor e 42 contrários. A proposta segue agora para o Senado.

Na orientação dos partidos, apenas o Novo foi contrário. Já o PSL, Republicanos, PSC e governo liberaram suas bancadas.

A convenção determina que os países que ratificarem o acordo devem se comprometer a prevenir, proibir e punir todos os atos e manifestações de racismo, de discriminação e de intolerância. A convenção resultou de negociações iniciadas em 2005 pela Organização dos Estados Americanos (OEA).

A proposta constava de projeto de decreto legislativo 861/2017 e foi aprovada pelas comissões da Câmara em 2018. A votação foi sugerida pelo deputado Orlando Silva (PCdoB-SP) que presidiu a sessão nesta tarde.

“Foi um pedido feito pela comissão externa, constituída para acompanhar o caso João Alberto. Mas essa é uma matéria que tramita no Brasil já há algum tempo. Este documento foi elaborado em 2013, em uma convenção internacional realizada na Guatemala, o decreto legislativo tramita desde 2017 e eu considero que é muito simbólico que a Câmara dos Deputados aprove essa Convenção Interamericana contra o racismo, a discriminação racial e formas correlatas de intolerância. Mais importante ainda, porque o Brasil crescentemente ganha consciência quanto à necessidade de enfrentar e romper o racismo estrutural do nosso país”, disse Orlando.

O deputado destacou que a discussão sobre o combate ao racismo “também é um tema mundial”. Ele citou a paralisação de um jogo da Liga dos Campeões da Europa, um dos principais campeonatos do mundo.

“Nós ainda nos refazemos da tragédia vivida de João Alberto e essa votação na tarde de hoje é também uma resposta do parlamento brasileiro quanto à necessidade de produzir e promover a igualdade racial. Quero cumprimentar cada deputado e cada deputada que ajudou a construir essa tarde histórica”, ressaltou Orlando em seu discurso na mesa do plenário.

Para o deputado Damião Feliciano (PDT-PB), que coordena a comissão, a legislação atual deve diminuir o racismo institucional e estrutural. “Queremos harmonização racial sem ódio, sem revanchismo, sem violência. O Brasil é o país com maior desigualdade humana e social em quase todo o mundo”, apontou.

DESAVENÇAS

A votação da convenção causou controvérsia e afirmações infundadas entre alguns parlamentares. Para o deputado Marcel Van Hatten (Novo-RS), a proposta deveria ser aprimorada pelo parlamento. “Até o momento, apenas cinco países ratificaram. Canadá e Estados Unidos não assinaram. No momento da assinatura, os Estados Unidos eram presididos por Barack Obama”, argumentou.

No entanto, o jurista e professor universitário Dr. Thiago Amparo contestou os dados do Partido Novo, em afirmações no Twitter.

Para o professor, a afirmação de que só cinco países terem ratificado mostra a fraqueza legal da Convenção não é válida. “O Artigo 20 da Convenção diz que basta 2 ratificações para entrar em vigor. E ter poucas ratificações de um tratado recente não é um argumento para não ratificar”, disse.

Para tentar desqualificar a votação, a deputada Bia Kicis (PSL-DF) afirmou que “não existe racismo estrutural no Brasil” e que a convenção abre a possibilidade de censura pela obrigação de proibir atos de discriminação e intolerância em meios de comunicação.

“O que seria esse discurso de ódio e intolerância? Há discricionariedade na definição pelo politicamente correto do que é este conceito. Não existe racismo institucional no Brasil. Estamos importando problemas e soluções que não nos pertencem”, disse.

O TEXTO

Pelo texto da proposta, a discriminação racial pode basear-se em raça, cor, ascendência ou origem nacional ou étnica e é definida como “qualquer distinção, exclusão, restrição ou preferência, em qualquer área da vida pública ou privada, com o propósito ou efeito de anular ou restringir o reconhecimento, gozo ou exercício, em condições de igualdade, de um ou mais direitos humanos e liberdades fundamentais consagrados nos instrumentos internacionais aplicáveis aos Estados partes”.

Os países também se comprometem a implementar políticas para promover igualdade de tratamento e de oportunidades para todas as pessoas por meio de atos de caráter educacional, medidas trabalhistas ou sociais.

Entre outros pontos, a convenção determina que os países se comprometam a garantir que a adoção de medidas de qualquer natureza, inclusive aquelas em matéria de segurança, não discrimine direta ou indiretamente pessoas ou grupos; Garantir que seus sistemas políticos e jurídicos reflitam adequadamente a diversidade de suas sociedades, a fim de atender às necessidades legítimas de todos os setores da população; Garantir às vítimas do racismo, discriminação racial e formas correlatas de intolerância um tratamento equitativo e não discriminatório, acesso igualitário ao sistema de justiça, processos ágeis e eficazes e reparação justa nos âmbitos civil e criminal; Realizar pesquisas sobre a natureza, as causas e as manifestações do racismo, da discriminação racial e formas correlatas de intolerância em seus respectivos países.