Em meio à acalorada e barulhenta guerra do impeachment, democratas e republicanos não tiveram dificuldade para votarem juntos e aprovarem por larga margem, 377 a 48, o orçamento recorde de US$ 738 bilhões para o Pentágono e a máquina de guerra dos EUA.

O presidente do Comitê de Serviços Armados, o democrata Adam Smith, disse que houve de “90 a 95% de concordância” com os republicanos quanto a regar abundantemente, quase afogar de dinheiro, o complexo industrial-militar e o intervencionismo.

O líder da maioria na Câmara, Steny Hoyer, saudou o projeto como um “compromisso”, dizendo que este não deve ser considerado um termo pejorativo, porque “é isso que fazemos aqui”.

Apenas 41 deputados democratas e seis republicanos se opuseram ao maná que não cessar de jorrar, aos bilhões, quando se trata de invasões, bombardeios e aquisição de novos meios de destruição em massa.

Uma coalizão de 31 organizações democráticas e antiguerra emitiu um comunicado na terça-feira chamando a lei de orçamento militar aprovada de “capitulação quase completa” ao Pentágono e ao governo.

“É um cheque em branco para guerras sem fim, combustível para a militarização da política externa dos EUA e um presente para Donald Trump”, reiteraram as entidades.

Em uma declaração conjunta, o senador Bernie Sanders e o deputado Ro Khanna classificaram o acerto para o Pentágono como uma “lei de surpreendente covardia moral”.

O comentário dos dois parlamentares se explica pela retirada de todas as disposições da versão original da Câmara que estabeleciam algum limite às operações militares no exterior pelo governo Trump.

Na fase de ajuste entre os projetos da Câmara e do Senado, sumiram a proibição de apoio bélico dos EUA à guerra saudita contra o Iêmen e a exigência de que Trump tenha de obter aprovação do Congresso antes de começar qualquer operação militar contra o Irã.

Também foi removida a medida que revogaria a Autorização de Uso da Força Militar (AUMF) do Congresso de 2002, que deu aprovação antecipadamente à invasão do Iraque pelo governo Bush, arrancada como se sabe, sob a mentira das “armas de destruição em massa de Saddam”.

E que, desde então, funciona como folha de parreira para todas as violações da jurisprudência de Nuremberg cometidas nas demais operações militares dos EUA no Oriente Médio e em outros cantos do mundo ao longo desses 18 anos.

E que poderá ser usada, de novo e de novo, no caso de uma guerra de Trump contra o Irã, país contra o qual rasgou acordo multilateral que vinha sendo cumprido e sobre o qual lançou as mais brutais sanções de que se tem notícia para estrangular o país e matar de fome seu povo.

Outra restrição aprovada pela Câmara que foi removida no comitê conjunto com o Senado foi a que barrava a implantação de uma ogiva nuclear de ‘baixo rendimento’ [algo como um-terço da potência da bomba que destruiu Hiroxima], ‘lançada por submarino, que marcaria um grande passo para armas nucleares mais “utilizáveis” em uma guerra com a Rússia ou a China.

Uma insanidade segundo até mesmo ex-secretários do Pentágono, por banalizar o uso de armas nucleares e o revide nuclear, o que é feito ao mesmo tempo em que o que existia de arquitetura internacional de contenção da guerra nuclear é sistematicamente desmantelada desde Washington.

Em suma, a lei fornece as bases financeiras para a execução da estratégia enunciada pelo Pentágono em janeiro de 2018, que engavetou a “guerra ao terror” e colocou no centro do planejamento militar dos EUA a guerra com outras grandes potências, notadamente a Rússia e a China.

As únicas “restrições” às ações militares de Trump mantidas foram para “impedir que ele retire os EUA da Otan” e para “proibir a redução das tropas” de ocupação no sul da Coreia abaixo de 28.500 – atual nível – a menos que o Pentágono certifique ser do “interesse nacional”. Ou seja, restrições, só se a favor do belicismo e da confrontação militar.

A legislação também destina mais US$ 300 milhões em “ajuda militar” ao governo satélite no poder na Ucrânia depois do golpe nazis-CIA de 2014. Além dos mais de US$ 5 bilhões já gastos para transformar o país em uma base de operações contra a Rússia.

Também caiu uma disposição que proibiria Trump de transferir dinheiro do orçamento militar para financiar a construção do muro xenófobo na fronteira com o México. México e que supostamente seria uma questão de honra para os democratas.

A lei de orçamento do Pentágono também acedeu à proposta de Trump de criar um sexto ramo das forças armadas dos EUA, uma Força Espacial dentro da Força Aérea, semelhante à posição do Corpo de Fuzileiros Navais dentro da Marinha.

Um passo para rasgar o Tratado da década de 1960 que impede a militarização do espaço, e um passo crucial para a conversão do espaço em um campo de batalha entre as potências.

A lei mantém o veto ao fechamento do campo de concentração dos EUA na Baía de Guantánamo, Cuba. Inclui, ainda, sanções relacionadas aos gasodutos NordStream 2 e TurkStream; a proibição do reconhecimento pelo governo dos EUA da reunificação da Crimeia com a Federação Russa; a ingerência em Hong Kong e Taiwan, o reforço da Iniciativa Indo-Pacífico [cerco à China], e até mesmo proibição da compra de vagões e ônibus produzidos na China para sistemas de transporte coletivo financiados pelo governo federal (para evitar ‘espionagem’).