Manifestação a favor do impeachment de Trump em Washington no dia da votação na Câmara. (José Luis Magana/AP)

A Câmara dos Deputados dos EUA aprovou o impeachment do presidente Donald Trump na quarta-feira (18) à noite, cabendo agora ao Senado a decisão final. Diferentemente do impeachment no Brasil, no procedimento nos EUA Trump segue na Presidência, com a decisão correspondendo a um indiciamento pela Câmara, e a expectativa é que a deliberação ocorra em janeiro.

As duas acusações – “abuso de poder” e “obstrução do Congresso” – foram aprovadas por respectivamente 230 a 197 e 229 a 198, basicamente pelas linhas partidárias. Os democratas controlam a Câmara, enquanto o Senado é dominado pelos republicanos.

A votação foi precedida por um debate que durou mais de dez horas, com os deputados se manifestando a favor ou contra o afastamento do presidente. Houve quem comparasse o julgamento de Trump com o de Cristo (!), antes da crucificação. “Pôncio Pilatos concedeu mais direitos a Jesus do que os democratas concederam a este presidente neste processo”, se esmerou um republicano da Geórgia.

O processo de impeachment foi oficializado em setembro pela presidente da Câmara, Nancy Pelosi, após um agente da CIA anônimo vir a público dizer que ouvira de outro agente que escutara Trump pressionando durante um telefonema o recém-eleito presidente ucraniano Volodymyr Zelensky, para que fizesse “o favor” de investigar uma alegada conexão do antigo governo ucraniano com o Diretório Nacional Democrata na eleição de 2016 e a corrupção de Joe Biden no país (que no governo Obama era o principal operativo da Casa Branca ali). Em troca, haveria liberação de quase US$ 400 milhões de ajuda militar e sinal verde para visita à Casa Branca.

As investigações que se seguiram mostraram o advogado pessoal de Trump, Rudy Giuliani, diretamente envolvido e funcionando como um ‘braço paralelo’ da Casa Branca. Começaram os questionamentos de que o telefonema punha em risco a “segurança nacional”, a “democracia” e a “Constituição”. Também se tornou público que o agente da CIA pedira auxílio ao pessoal do gabinete do presidente da Comissão de Inteligência da Câmara, Adam Schiff, para redigir a denúncia, o que mostrou que o caso tinha muitos fios desencapados.

A Câmara considerou “abuso de poder” Trump ter pressionado Zelensky para supostamente ter vantagem pessoal nas eleições de 2020, já que Biden era o melhor situado pré-candidato democrata a presidente. A questão inicialmente chegou a ser apresentada sob o enfoque de “pedir ajuda a uma potência estrangeira” em benefício próprio e em risco da “segurança nacional”. O que foi depois retocado, já que estava difícil emplacar esse ‘rabo abanando o cachorro’.

O indiciamento por obstrução deveu-se à decisão de Trump de não fornecer qualquer documento da Casa Branca às comissões da Câmara que faziam a investigação e de proibir auxiliares de depor na Câmara.

Enquanto seu impeachment era aprovado, Trump participava de um comício em Battle Creek, Michigan. “O país está indo melhor do que nunca. Temos um tremendo apoio no Partido Republicano como nunca tivemos antes”, disse Trump à multidão. “Nem parece que estamos sofrendo impeachment”, acrescentou.

Trump tem chamado a investigação da Câmara de “caça às bruxas” e “farsa”, linha de argumentação que radicalizou, na carta enviada a Pelosi na véspera da votação do impeachment, em que a acusa de “tentativa de golpe” e de tentar ignorar o voto dos norte-americanos em 2016. Também assevera que o processo é completamente tendencioso contra ele.

Ele também se gaba de que seu governo é o melhor da história, que a economia está um espetáculo, que o seu belo muro vai encantar e é só por pura modéstia que não diz que rasga acordos como ninguém.

De acordo com as pesquisas, o processo de impeachment agravou a polarização na sociedade norte-americana, com os republicanos em peso contra o impeachment, os democratas em peso a favor, e os independentes divididos meio a meio. No cômputo geral, o sentimento pró-impeachment ganha por pequena margem do anti-impeachment.

Na véspera da votação, manifestações em mais de 600 cidades dos EUA apoiaram o afastamento de Trump, com faixas como “Remova”, “Dump Trump [jogue Trump fora] e “Impeachment”. O presidente bilionário foi para um “comício de Natal” em Michigan, enquanto a votação corria. Ele é o terceiro presidente norte-americano a sofrer impeachment na história, mas até hoje ninguém teve o afastamento confirmado no Senado. Nixou renunciou antes.

Assim como o resultado na Câmara era esperado, a menos que a oposição arrume, não uma ‘arma fumegante’, como se costuma dizer no jargão jurídico, mas um verdadeiro ‘canhão fumegante’ na mão de Trump, em ano eleitoral é quase impossível que a maioria de senadores republicanos arrisque a sorte do partido, ou o mandato de cada um, defenestrando Trump.

Para que Trump perca a Presidência, seria preciso que dois terços dos senadores votassem pelo afastamento, o que, no quadro atual, implicaria em que 20 senadores republicanos roessem a corda, coisa muito improvável. Se 34 senadores votarem contra o impeachment, Trump estará safo.

O ex-guru do ex-presidente Obama, David Axelrod, atualmente comentarista da CNN, antecipara que a Câmara julgaria o presidente antes do final do ano, “porque o que ele fez justifica”, e que o Senado em janeiro não o condenaria “apesar das evidências”, porque ele tem “controle absoluto sobre seu partido. E vamos passar para outra coisa.”

Em suma, o processo de impeachment foi se tornando um autêntico turno preliminar das eleições do próximo ano, e Trump e seus robôs já estão operando a pleno vapor, assim como o empreendedorismo das fake news.

Quanto ao Senado, aí é que a porca torce o rabo. O líder da maioria, o republicano Mitch McConnell, disse que não há “chance” de que Trump seja destituído do cargo em qualquer julgamento de impeachment e que “não o surpreenderia” se alguns democratas se separassem de seu partido e votassem a favor do presidente.

O fiel escudeiro de Trump, senador Lindsey Graham, asseverou que com ele não tem essa de parecer um “jurado imparcial”. [O impeachment] “morrerá rapidamente”, prometeu. Segundo Graham, quem não gosta do presidente, “pode votar contra ele em menos de um ano. Não é como se um político ficasse inatingível se você não o afastasse por impeachment. Então, acho que o impeachment terminará rapidamente no Senado. Eu preferiria que terminasse o mais rápido possível”.

O líder da minoria democrata, Chuck Schumer, instou a que se garanta que o Senado “conduza um julgamento justo e honesto que permita que todos os fatos apareçam” – embora poucos acreditem realmente que a consigna de fazer “todos os fatos aparecerem’ seja bem vista em Washington DC e seu pântano, aquele que Trump ia drenar.

Toda a rispidez com que tem se desencadeado o confronto entre democratas e republicanos no país inteiro e no Congresso, não impediu que as duas bancadas se irmanassem para entupir o Pentágono de dinheiro a rodo, US$ 734 bilhões. – para golpes, ameaças, invasões e mais armas nucleares, além da novíssima Força Espacial de Trump e para aprovar sanções em prol do gás do tipo “moléculas da liberdade” para a Europa. Além, claro, daquela merreca – coisa pouca, mas que ajuda – para o muro da xenofobia de Trump na fronteira sul.