Martin Jacques, de Cambridge: “G7 é apenas pálida sombra do que já foi, tornou-se uma facção em declínio”,

A China respondeu na terça-feira sobre as imputações feitas por um comunicado divulgado pela recém concluída cúpula da OTAN, advertindo que não faz nem teme “desafios sistêmicos” e que acompanhará de perto os ajustes estratégicos da OTAN em relação à China.

A China não apresenta nenhum “desafio sistêmico” aos outros, mas não ficará ociosa diante de nenhum desafio sistêmico, disse a missão diplomática da China na União Europeia.

As afirmações da OTAN “caluniaram o desenvolvimento pacífico da China, julgaram mal a situação internacional e seu próprio papel e continuaram a mentalidade da Guerra Fria misturada com política de grupo”, assinalou a missão, respondendo às declarações no comunicado assinado em Bruxelas por líderes dos 30 membros da aliança por pressão do governo Biden.

Os líderes da OTAN disseram no comunicado divulgado após a reunião da Organização na segunda-feira que “as ambições declaradas e o comportamento assertivo da China apresentam desafios sistêmicos à ordem internacional baseada em regras e às áreas relevantes para a segurança da aliança.”

A declaração também acusou a China de expandir rapidamente sua energia nuclear e de ser opaca sobre sua modernização militar.

A Missão acrescentou que a China sempre buscou uma política de defesa nacional defensiva e manteve sua modernização militar legítima, aberta e transparente.

“Em 2021, o orçamento de defesa da China é de 1,35 trilhão de yuans (US$ 209 bilhões), respondendo por 1,3 por cento do PIB do país, que é menos do que a ‘linha de passagem’ da OTAN”, disse o porta-voz da Missão. “Em contraste, a aliança de 30 membros da OTAN tem um gasto militar total de até US$ 1,17 trilhão, representando mais da metade da soma global e 5,6 vezes o da China.”

“Está claro para o mundo [quem são aqueles] cujas bases militares se estendem por todo o mundo e cujos porta-aviões estão vagando para usar sua força militar.”

Quanto às armas nucleares, o número de ogivas nucleares entre os membros da OTAN é quase 20 vezes maior do que a China, segundo estatísticas de think tanks da Suécia e dos Estados Unidos, observou a Missão, questionando se a OTAN poderia assumir o mesmo compromisso que a China que cumpriu pelo princípio de “não primeiro uso” de armas nucleares em qualquer momento ou sob quaisquer circunstâncias, e pelo compromisso incondicional de não usar ou ameaçar usar armas nucleares contra estados ou zonas que não possuam armas nucleares.

“A China está comprometida com o desenvolvimento pacífico, mas nunca se esquecerá da tragédia do bombardeio da Embaixada da China na Iugoslávia, nem dos sacrifícios das casas e vidas de nossos compatriotas”, enfatizou a Missão. “Defenderemos inabalavelmente nossa soberania e interesses de desenvolvimento e ficaremos de olho nos ajustes estratégicos e nas políticas da OTAN em relação à China.”

A Missão exortou a OTAN a manter uma atitude racional na visão do desenvolvimento da China, e parar a propaganda de várias formas da “teoria da ameaça da China” e de usar os direitos legítimos da China como desculpa para manipular a política de grupo, criando confrontos ou estimulando a competição geográfica.

Ao que parece, aquela tradicional anedótica definição da Otan, que é manter os americanos dentro (da Europa), os russos fora, e os alemães por baixo, está sendo adaptada aos novos tempos do soerguimento da China, apesar do país asiático nada ter com o chamado Atlântico Norte.

Em uma declaração anterior, um porta-voz da Embaixada da China na Grã-Bretanha havia dito que “os dias em que as decisões globais eram ditadas por um pequeno grupo de países já se foram. Há apenas um sistema e uma ordem no mundo, ou seja, o internacional sistema com as Nações Unidas no centro e a ordem internacional baseada no direito internacional, não o chamado sistema e ordem defendido por um punhado de países.”

“O que o mundo viu nesta cúpula é a prática da política de camarilha, política de poder e a criação artificial de confronto e divisão”, disse o porta-voz.

“Existe apenas um tipo de multilateralismo, ou seja, o multilateralismo genuíno baseado nos propósitos e princípios da Carta das Nações Unidas e do direito internacional, e caracterizando-se pela igualdade de tratamento, cooperação e

benefícios mútuos, não pseudo-multilateralismo servindo aos interesses de uma pequena camarilha ou bloco político”, acrescentou o porta-voz.

“Roadshow antiChina”

Sobre o comunicado do G-7, que antecedeu o da Otan, o jornal Global Times chamou a peregrinação de Joe Biden pela Europa de um “roadshow antiChina”, e registrou que, embora Washington consiga dar o tom dos comunicados saídos dessas reuniões, não conseguirá enfiar os parceiros europeus em sua cruzada, já que eles têm interesses diferentes em relação à China.

Razão pela qual, segundo o editor-chefe do GT, Hu Xijin, a “frente única ocidental” contra o desenvolvimento da China não prosperará. Como exemplo, o comunicado do G7 insta a China a “respeitar os direitos humanos em Xinjiang”, enquanto Washington prefere a mentira de que se trata de “genocídio”.

Como observou um analista, “sob as prováveis declarações de unidade, Biden terá que lidar com uma realidade incômoda … Ela (a Europa) tem prioridades econômicas e estratégicas diferentes dos EUA e há um risco constante dessas divisões se abrirem”.

No domingo, o presidente francês Emmanuel Macron disse que o G7 não é um clube hostil à China. As discordâncias sobre a relação com a China entre os participantes do G7 – especialmente Alemanha e Itália – forçaram até mesmo a ter de interromper a transmissão da reunião, continuada a portas fechadas.

“Isto não é sobre ser contra alguma coisa, mas a favor de alguma coisa”, já havia declarado a primeira-ministra alemã Angela Merkel a jornalistas assim que chegou ao encontro. Em conversa com o premiê inglês Boris Johnson, ela enfatizou a preferência por uma “agenda positiva focada em questões climáticas e comércio”.

Contradições

Como sinais das contradições em curso entre o que Washington quer e os europeus precisam, o GT citou a ‘bomba’ lançada na véspera da viagem de Biden pela Europa, pela emissora estatal dinamarquesa DR, sobre a espionagem da NSA sobre líderes europeus, como Angela Merkel, com a cumplicidade da unidade de inteligência estrangeira dinamarquesa. Também a oposição dos EUA ao gasoduto Nord Stream 2, imprescindível para a indústria alemã e para a Europa.

Para Lü Xiang, um pesquisador em estudos dos EUA na Academia Chinesa de Ciências Sociais em Pequim, citado pela GT, a questão é que os EUA consideram que sozinhos não são capazes de competir com a China e a Rússia no cenário mundial em uma posição de força, razão pela qual continuam buscando atrair aliados europeus e isolar China e Rússia.

Por sua vez, “a Europa está observando Washington do mesmo ângulo que a China – que sua vontade e capacidade são mais fracas do que costumavam ser”, acrescentou Lü.

Outro fator é a incerteza. Nos últimos quatro anos, a Europa testemunhou oscilações repetidas na política dos EUA. “As pessoas estão se perguntando o que vai acontecer nos EUA no próximo ano, o que vai acontecer nas eleições daqui a três anos e se haverá uma crise constitucional maior do que em 2020”.

Há ainda a questão, apontada por Rajneesh Narula, especialista em relações internacionais da Universidade de Reading, Reino Unido, de que Biden, que não reverteu tudo o que Trump fez, ainda defende ‘America First’, “mas sem usar essas palavras”.

Na véspera dessas cimeiras, o presidente francês Macron – que em 2019 falou da “morte cerebral da Otan” -, instou ao reconhecimento da “autonomia de capacidade estratégica dos europeus”.

A União Europeia precisa construir”a estrutura de sua autonomia estratégica em questões econômicas, industriais e tecnológicas, bem como em valores militares”, sublinhou. Para Macron, “no centro dos dias que virão está a soberania europeia”.

Declínio

Sobre a cúpula do G7, Martin Jacques, um membro sênior da Universidade de Cambridge, disse que “muito será prometido. E pouco será entregue. Há muito tempo é assim. O G7 não é mais adequado. Na década de 1970 o G7 era o

senhor da economia global. Hoje, o G7 é apenas uma pálida sombra do que já foi, reduzido ao papel de uma facção em declínio na economia global”.

“Ainda fala em termos grandiosos sobre suas intenções, mas o mundo aprendeu a desprezá-las. É inteiramente apropriado que a cúpula desta semana seja presidida pelo primeiro-ministro do Reino Unido, Boris Johnson, um grande mestre do exagero verbal e dos gestos vazios”.

“O papel e a importância do G7 diminuíram muito com a ascensão do mundo em desenvolvimento. Este último agora responde por quase dois terços da economia global, em comparação com um terço do Ocidente: na década de 1970, era exatamente o oposto, o Ocidente desfrutando de dois terços da economia e o mundo em desenvolvimento apenas um terço”.

“A ilustração mais dramática da diminuição da autoridade do G7 veio em 2008, quando, no auge da crise financeira, ele foi efetivamente substituído pelo mais representativo G20. Desde então, o G7 tem se tornado cada vez mais uma instituição em busca de um papel”.

Jacques se referiu também à “tentativa contínua de reformular o G7 como representante e campeão do mundo democrático na luta contra a autocracia, abreviação para China”, e se fala até em mudar de sigla. “Isso, no entanto, serviria apenas para enfatizar o declínio da autoridade do G7: de líder global a seita ideológica”.

Rota fake

Como assinalou Martin Jacques, “a melhor ilustração da crescente impotência do G7 diz respeito ao seu relacionamento com o mundo em desenvolvimento. Por oito anos, o Ocidente tem tentado encontrar uma maneira de responder à proposta da China da Belt and Road Initiative (BRI). O assunto deve ser levantado novamente na cúpula do G7 desta semana. Todas as ideias que foram oferecidas como base de uma alternativa ocidental ao BRI deram em nada. Essa falha é extraordinariamente significativa e muito reveladora sobre o Ocidente, por um lado, e a China, por outro”.

“O BRI é uma articulação eloqüente da relação da China com o mundo em desenvolvimento, enraizada em seu próprio passado semicolonial e em sua posição como país em desenvolvimento. O Ocidente, ao contrário, fracassou porque sua história foi exatamente o oposto, de colonização e exploração e subjugação desses países. Não tem experiência, empatia nem motivação necessária. A lacuna existencial entre o rico mundo ocidental e o mundo em desenvolvimento é um abismo multidimensional”, concluiu.

Quanto ao plano de doação de vacinas do G7, a reação do secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, foi dizer que “precisamos de mais do que isso”. “Precisamos de um plano global de vacinação. Precisamos agir com lógica, com senso de urgência e com as prioridades de uma economia de guerra, e ainda estamos longe disso”. O G7 anunciou doar 1 bilhão de vacinas até o final de 2022, quando a Organização Mundial da Saúde estima que pelo menos 11 bilhões de doses são necessárias para ter uma chance de vencer a Covid-19. Países como Grã-Bretanha e Estados Unidos encomendaram doses suficientes de vacinas para imunizar várias vezes toda a sua população.

Comentando sobre a escassez de vacinas contra a Covid-19, o ex-primeiro-ministro do Reino Unido Gordon Brown classificou a cúpula do G7 de “oportunidade perdida” e “um fracasso moral imperdoável” dos países mais ricos do mundo.