Dimas Covas, diretor do Instituto Butantan

O presidente do Instituto Butantan, Dimas Covas, considerou que não fossem as sabotagens do governo Bolsonaro, o Brasil já teria vacina desde dezembro, e aponta obscurantismo científico das autoridades como responsável direto por nova onda explosiva de Covid-19 no país.

“A negação da gravidade da pandemia, a disseminação de tratamentos sem comprovação científica, o combate deliberado ao uso de máscaras e às medidas de restrição de circulação são os grandes responsáveis, neste momento, pela segunda onda explosiva que o país está sofrendo”, disse Dimas Covas em entrevista ao jornal Deutsche Welle. “A história colocará essa tragédia na conta desses negacionistas”, destacou.

Com a crise gerada pelo governo federal, a vacina teve grandes percalços até a sua aprovação para uso emergencial no país, já que em diversos episódios, o Bolsonaro buscou difamar o imunizante.

O diretor do Butantan, contudo, frisa que a despeito dessa batalha, o instituto paulista “continuará como o principal fornecedor de vacinas ao Ministério da Saúde por muito tempo ainda”.
Na entrevista, Covas explicou o processo do Butantan para procurar um parceiro para a produção de vacinas desde o início da pandemia no país.

“O Instituto Butantan mantém-se alerta para o surgimento de epidemias, inclusive participa de organismos internacionais como a Coalizão para Inovações em Preparação para Epidemias (Cepi) cujo objetivo maior é a preparação para o enfrentamento de epidemias”.

“Com o surgimento da epidemia de Covid-19, imediatamente iniciamos o trabalho de prospecção de vacinas e de rotas tecnológicas para a sua produção. Neste caminho, já tínhamos conhecimento prévio da Sinovac, que visitamos em 2019 e da qual também recebemos uma visita para discutirmos cooperação em vacinas. Já existindo essa aproximação e considerando que a Sinovac já tinha uma vacina em desenvolvimento em cuja tecnologia de vírus inativado temos experiência, nada mais apropriado. A parceria foi firmada preliminarmente em maio e assinada em junho do ano passado. O acordo, amplo, incluía o desenvolvimento de estudo clínico de fase 3 para a vacina no Brasil”.

Covas também falou da parceria com o laboratório chinês Sinovac, dos riscos e do processo que o Instituto acompanhou até ter a certeza de que o imunizante teria o resultado esperado.

“A parceria foi firmada já com o conhecimento dos resultados preliminares das fases pré-clínica e clínica de fase 1 e 2. Os resultados promissores nos animaram para prosseguir para a fase 3, que seria importante para a vacina em termos mundiais. Obviamente, todo estudo científico pode não ter resultados de acordo com o desejado, mas sempre acreditamos e trabalhamos duramente para conseguir realizar o estudo no menor tempo possível e com o maior rigor necessário para demonstrar a utilidade da vacina no combate ao covid-19. Riscos são inerentes a todo processo inovador e o cientista e gestor responsável deve avaliar corretamente e assumir estes riscos, principalmente quando se trata da vida de milhões de pessoas. Assumimos o risco e felizmente hoje temos uma excelente vacina que é a base do programa nacional de imunização nesse momento”.

“No momento em que recebemos os resultados dos estudos pré-clínicos e clínicos de fase 1 e 2 que já demonstravam o grande potencial da vacina. Passou-me pela cabeça a grande oportunidade de contribuirmos de forma positiva para dotar o Brasil de uma alternativa viável e tornar-se autossuficiente nessa vacina no momento do maior desafio que o país enfrentava em termos de saúde pública”, afirmou Covas.

Fake news

O cientista também criticou o movimento “antivacina” que ganhou notoriedade a partir da “postura de autoridades federais” que negaram a importância da vacina.

“O movimento antivacina no Brasil era incipiente até muito recentemente. A postura de autoridades federais negando a sua utilidade e, inclusive, usando de uma campanha subterrânea de fake news e mentiras a respeito da vacina e da própria pandemia vieram a alimentar esse movimento. Recentemente, no entanto, com o início da vacinação, esse movimento sofreu um grande revés e hoje a procura e o apoio à vacina é muito grande”.

Covas também discorreu sobre as pressões e desconversas dos representantes nacionais, que fazem um discurso negacionista, interferem politicamente nas questões da ciência e dos métodos condizentes para frear a pandemia.

“A interferência política na saúde pública tem sido uma grande barreira para o combate adequado à epidemia e explica muito a posição do Brasil como vice-campeão mundial em mortes pelo Covid-19. A negação da gravidade da pandemia, a disseminação de tratamentos sem comprovação científica, o combate deliberado ao uso de máscaras e às medidas de restrição de circulação são os grandes responsáveis, neste momento, pela segunda onda explosiva que o país está sofrendo e que vai se agravar pela presença da chamada variante P1. Esse obscurantismo científico das mais altas autoridades do país causou um dano irreversível ao país, que ultrapassou as 250 mil mortes, uma catástrofe sem precedentes. A história colocará essa tragédia na conta desses negacionistas. Para o cientista preocupado e engajado como eu nessa luta resta, além de apontar esses absurdos, trabalhar em todas as frentes para minorar o sofrimento da população, inclusive na frente da comunicação e na batalha política da ciência”, disse.

Por fim, Covas reafirmou a importância da vacina e das relações firmadas para que a vacina chegue ao povo brasileiro. Mesmo com as negativas, o Ministério da Saúde depende da vacina do Butantan.

“O Instituto Butantan é o principal fornecedor de vacinas e soros para o Ministério da Saúde, e o nosso relacionamento sempre foi excelente. O ponto fora da curva aconteceu nesse governo que vem negando, por motivos políticos e obscurantistas, essa importância. A despeito dessas barreiras que ocorreram esse ano passado e nesse ano, o Instituto Butantan continua cumprindo o seu papel e é o responsável pelo fornecimento das vacinas para covid-19 que permitiram o início da vacinação no Brasil. Sem o Butantan, o Brasil não teria vacinado mais de 7 milhões de pessoas. O Butantan entregou mais de 12 milhões de doses até esse momento ao Ministério e continuará como o principal fornecedor por muito tempo ainda”.

Vacinas próprias

Dimas Covas também destacou que o Instituto possui três vacinas próprias contra o coronavírus em desenvolvimento. Ele ressalta que a Covid-19 pode se tornar endêmica, assim como a gripe, e que com isso, a população deverá ser vacinada frequentemente no futuro contra o coronavírus.

“O Butantan tem três vacinas contra covid em desenvolvimento, mas optou pela parceria inicial para ganhar tempo na incorporação da vacina e permitir o acesso do Brasil mais rapidamente. Não tivéssemos tido os problemas de relacionamento com o governo federal, teríamos vacinas disponíveis desde dezembro de 2020”, afirmou.

“As vacinas que o Butantan desenvolve terão seu papel nesta pandemia visto que se prevê que ela venha a se tornar endêmica e possivelmente sazonal como a influenza. Trabalhamos nessa perspectiva e, em 2022, teremos vacina totalmente feita aqui, adicionalmente à vacina feita em parceria com a Sinovac”, concluiu Dimas Covas.