Acampamento Luta pela Vida, na capital federal, reúne representações dos povos indígenas de todo o país

Mais de seis mil indígenas de 173 povos vindos de 20 estados estão mobilizados na capital federal pela garantia de seus direitos originários e contra o marco temporal, que será votado nesta quarta-feira (25), pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Para as lideranças, essa é a maior mobilização indígena pós-constituinte, após a chegada de caravanas de todas as regiões.

Centralizada no acampamento Luta pela Vida, previsto para durar sete dias, de 22 a 28 de agosto, a mobilização tem como bandeira principal a pauta do julgamento do marco temporal pelo Supremo, considerada pelo movimento indígena o processo mais importante do século sobre a vida dos povos indígenas.

Os povos também denunciam os projetos anti-indígenas em trâmite no Congresso Nacional e o agravamento das violências contra os povos originários dentro e fora dos territórios tradicionais.

Os ministros do STF irão analisar a ação de reintegração de posse movida pelo governo de Santa Catarina contra o povo Xokleng, referente à Terra Indígena (TI) Ibirama-Laklãnõ, onde também vivem os povos Guarani e Kaingang. Com status de “repercussão geral”, a decisão tomada neste julgamento servirá de diretriz para a gestão federal e todas as instâncias da Justiça, também como referência a todos os processos, procedimentos administrativos e projetos legislativos no que diz respeito aos procedimentos demarcatórios.

“Estamos realizando a maior mobilização de nossas vidas, em Brasília, porque é o nosso futuro e de toda humanidade que está em jogo. Falar de demarcação de terras indígenas, no Brasil, é falar da garantia do futuro do planeta com as soluções para a crise climática”, reforça Sonia Guajajara, coordenadora executiva da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib).

“O acampamento ‘Luta pela Vida’ já diz no nome os motivos que fazem os povos indígenas estarem, em Brasília, em plena pandemia. Estamos trabalhando todas as medidas sanitárias, incluindo a testagem dos participantes e reforçando a vinda de pessoas já vacinadas”, enfatiza Dinamam Tuxá, coordenador executivo da Apib.

De acordo com a Apib, foram desenvolvidos para o acampamento protocolos sanitários dedicados a reforçar todas as normas já existentes e recomendadas para o combate à Covid-19. A equipe de saúde do acampamento conta com profissionais indígenas de saúde em parceria com a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), com a Fundação Oswaldo Cruz de Brasília e do Rio de Janeiro (Fiocruz DF e RJ), com o Ambulatório de Saúde Indígena da Universidade de Brasília (Asi/UNB) e com o Hospital Universitário de Brasília (HUB).

O coordenador da Articulação dos Povos Indígenas da Região Sul (Apib Sul), Kretã Kaingang, afirma que a expectativa é grande em relação à votação do marco temporal no STF.

“É um momento histórico para os povos indígenas. O Estado sempre fala que cometeu crimes contra os indígenas e cometeu de fato, em relação à usurpação dos nossos territórios em todo o Brasil e principalmente aqui na Região Sul, onde de donos da terra viramos acampados em beira de estrada. Se o Estado quer reparar o erro que cometeu nesses 521 anos, precisa reparar principalmente a questão fundiária, as nossas terras tradicionais, onde nossos avós, nossos bisavós moraram e que foram utilizadas pelos governos de estados nos anos 1960 para reforma agrária da colonização quando chegou no Sul do Brasil”.

Ele ressalta que a votação do marco temporal pelo STF joga com o futuro dos povos indígenas no país. “É necessário que seja votado e aprovado em favor dos povos indígenas para que a gente tenha tranquilidade e possa pensar o futuro dos nossos filhos e das futuras gerações”.

Kretã acrescenta que essa votação também põe um fim à tramitação de projetos anti-indígenas no Congresso. “A gente sabe que a ideia deles é criar um marco temporal via projeto de lei, mexendo na Constituição de 1988, nos artigos 231 e 232, por isso que está ali o PL 490, que paralisa as demarcações ao envolver o estado e o municípios na demarcação junto com os requerentes. A gente sabe também que o estado e os municípios no Sul são muito racistas, então dificilmente nós conseguiríamos demarcar. Além disso, a questão envolve a Câmara dos Deputados que tem uma bancada de 300 deputados que são contrários aos direitos indígenas”, avalia.

O coordenador regional da Apib aponta também o PL 191, da mineração, “que abre os territórios indígenas para legalizar o garimpo que acontece em terras indígenas”; e o PL 2751, do licenciamento ambiental para empreendimentos em terras indígenas “sem consulta aos povos indígenas se eles querem ou não aquele empreendimento e sem direito a indenização também”.

“Esse licenciamento ambiental é muito perigoso para os povos indígenas, principalmente aquelas terras que estão passando por processo de demarcação”, alerta. “Outro projeto é o PL 2633, que nós chamamos PL da grilagem de terras, que é grilar a terra indígena e grilar a terra pública da União e terras que são reivindicadas para demarcação”. Esses quatro projetos de lei que tramitam hoje no Congresso Nacional seriam um marco legal em nível legislativo, aponta.

“Por isso é muito importante que o marco temporal que está no Supremo seja votado favorável a nós porque elimina pelo menos essas chances desses projetos de lei. O restante nós vamos ter que brigar no Supremo. Nós temos um Congresso que eu não digo conservador, mas é contrário aos direitos indígenas e a gente vai ter que levar para instâncias maiores que são o STF e se necessário levar até os tribunais internacionais também”, explica.

“Acredito que o Supremo não pode mais ficar empurrando com a barriga, mesmo que tenha um pedido de destaque do ministro que foi indicado pelo governo Bolsonaro (Nunes Marques), nada impede os demais ministros votarem a favor dos povos indígenas”, diz Kretã.

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