A disparada da inflação e a queda na renda levam o brasileiro a se endividar ainda mais com os bancos, através do cartão de crédito, que têm os maiores juros de todas as modalidades “oferecidas” pelo sistema financeiro. Segundo pesquisa da Serasa, 69% das compras feitas no cartão de crédito são para compras de alimentos, entre outros itens básicos nos supermercados. Na sequência, 42% são realizadas para aquisição de roupas e eletrodomésticos, ao passo que 41%, para remédios e tratamentos médicos.

A pesquisa trouxe ainda uma informação de ordem emocional, ao constatar que 85% das pessoas em débito têm o sono prejudicado por causa das dívidas, e 76% passaram a ter dificuldade para se concentrar no trabalho.

Tem se tornado cada vez mais comum a caixa no supermercado dispor pelo cartão de crédito o parcelamento da compra. Se for a compra do tipo compras do mês, ao dividi-la em dois pagamentos, o consumidor consegue um adiamento de meia compra na primeira fatura. Vai sobrepor na fatura seguinte duas meias compras, acabando com a pequena vantagem no primeiro pagamento.

Não é incomum, no entanto, o parcelamento em mais de duas vezes o que traz, mais uma vez, um alívio no primeiro pagamento, mas logo adiante no terceiro, quarto parcelamento, a vantagem do adiamento da dívida acaba e fica o pagamento na fatura, somando os parcelamentos feitos ao custo da cesta de compra mensal.

Apesar disso, a prática é corrente e indica obviamente as dificuldades das famílias em fazer frente às despesas mais básicas de alimentação e limpeza, entre as mais representativas das compras domésticas.

Segundo a Confederação Nacional do Comércio, o endividamento das famílias brasileiras em março foi recorde, atingindo 77,5%. Entre os mais pobres, o endividamento é ainda maior: 78,5%. A pesquisa aponta o cenário de inflação, queda na renda, desemprego e juros altos prejudicando o orçamento dos brasileiros. O número de famílias com dívidas ou contas em atraso também cresceu em março: 27,8%, o maior patamar dos últimos 12 anos.

Juros abusivos

Com a carestia, a tendência de alta do endividamento se mantém. Já os bancos continuam elevando os juros na esteira do aumento da taxa Selic do Banco Central, com aval do governo Bolsonaro. As taxas de juros médias nas linhas de crédito com recursos livres às pessoas físicas aumentaram de 39,4%, em janeiro de 2021, para 46,3% em janeiro de 2022, segundo dados recentes disponibilizados pelo BC. Em março, o juro do cartão de crédito atingiu 306,2% ao ano para o chamado “cliente regular”.

Estudo sobre a renda da PUC do Rio grande do Sul calculou que a renda nas regiões metropolitanas caiu a R$ 1.378, menor valor dos últimos dez anos. “Está todo mundo mais pobre”, diz Andre Salata, pesquisador do estudo.

O Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) de março teve alta de 1,62%, 0,61 ponto percentual (p.p.) acima da taxa de 1,01% de fevereiro. É a maior inflação para um mês de março desde 1994, período que antecedeu a implementação do Real. Inflação e carestia comendo solta. No acumulado em doze meses, a taxa chegou a 11,30%.

O pesquisador da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Felipe Queiroz contesta afirmações de alguns analistas de que há gasto “infantil” com cartão de crédito ou que só deve se gastar de acordo com a renda.

“Há uma vertente de senso comum que tenta atribuir o alto endividamento das famílias, sobretudo daquelas de menor renda, a uma falta de planejamento, à falta de controle dos impulsos por consumir. Porém, por trás dessa justificativa, há uma visão distorcida que amplia o estigma sobre as famílias de menor renda e que enfrentam o desemprego – ou quando têm um trabalho, é precarizado e recebe aquém do necessário”, declarou Queiroz em reportagem ao Correio Braziliense.

Com inflação atingindo o mais alto nível em 28 anos, com a renda desabando 10% e o desemprego elevado, não há orçamento que aguente a carestia de Bolsonaro, que continua aumentando os preços dos combustíveis e deixando correr solto os preços dos alimentos.