Bolsonaro usou o conflito entre Rússia e Ucrânia como pretexto para justificar liberação da mineração em terras indígenas. Com o conflito internacional, o fertilizante pode faltar ou encarecer. Ele afirmou que o Brasil é dependente da Rússia para obter potássio, matéria-prima de fertilizantes usados na agricultura brasileira. Por isso, regiões como a foz do Rio Madeira, próximo a uma reserva indígena, poderiam suprir essa demanda, defendeu.

De maneira oportunista, Bolsonaro usou as redes sociais esta semana para ressuscitar um discurso proferido por ele na Câmara, defendendo a exploração de potássio em áreas indígenas, quando exercia o mandato de deputado.

“Como deputado, discursei sobre nossa dependência do potássio da Rússia. Citei três problemas: ambiental, indígena e a quem pertencia o direito exploratório na foz do Rio Madeira (existem jazidas também em outras regiões do país)”, disse. Ele defendeu a aprovação do Projeto de Lei 191/2020, em tramitação na Câmara. “Uma vez aprovado, resolve-se um desses problemas”, disse.

Bolsonaro afirmou ainda que “nossa segurança alimentar e agronegócio (Economia) exigem de nós, Executivo e Legislativo, medidas que nos permitam a não dependência externa de algo que temos em abundância”.

O Brasil é o quarto maior produtor de grãos do mundo e o segundo maior exportador. Essa produção necessita do uso de fertilizantes e hoje 85% desses insumos são comprados no mercado internacional. O presidente finge esquecer que, caso se confirme a falta dos insumos para produção de fertilizantes, ele é um dos responsáveis por isso. O Brasil chegou perto de atingir a autossuficiência no setor no passado.

Com o fechamento de uma unidade da Petrobras e da venda de três das fábricas de fertilizantes que operavam no país, no contexto da política de desmonte e privatização da estatal, o Brasil se tornou dependente da importação desses insumos, tendo a Rússia como um dos maiores fornecedores.

A Petrobras foi retirada do mercado de fertilizantes em 2016, quando o então presidente Michel Temer, alegando falta de lucratividade, fechou duas fábricas de fertilizantes nitrogenados no Nordeste. Uma delas, na Bahia (Fafen-BA), localizada no polo petroquímico de Camaçari, inaugurada em 1971, e a outra, de Sergipe (Fafen-SE), em Laranjeiras, ativada em 1982. A decisão fez parte de um “plano de negócios” para desmonte da estatal.

Em novembro de 2019, já no governo de Jair Bolsonaro, a Petrobras arrendou as duas plantas para a Proquigel Química SA. A empresa, entretanto, só conseguiu reativar a produção delas em 2021. Dando continuidade à política privatista e de desmonte do Estado, Bolsonaro vendeu a Unidade de Fertilizantes Nitrogenados (UFN3), em Três Lagoas, no Mato Grosso do Sul, para o grupo empresarial russo Acron.

De 2016 para cá, a estatal também fechou a Fábrica de Fertilizantes Nitrogenadas do Paraná (Fafen-PR), em Araucária. O fechamento ocorreu em fevereiro de 2020 e a desativação da fábrica, que havia sido comprada em 2013, causou a demissão de cerca de mil trabalhadores.

Segundo dados da balança comercial brasileira, da Secretaria de Comércio Exterior (Secex), analisados pela área econômica Fundação Única dos Petroleiros (FUP), o Brasil gastou ano passado US$ 15,2 bilhões em importações de adubos e fertilizantes químicos.

O valor é 90% maior do que o gasto em 2020. Foi o produto mais importado entre os itens da categoria “indústria de transformação”. O país adquiriu no exterior 41,5 milhões de toneladas de fertilizantes – incremento de 22% nas quantidades –, a preço médio de US$ 364,34 por tonelada, 56% acima dos valores pagos em 2020.

Para Suely Araújo, especialista em políticas públicas do Observatório do Clima e ex-diretora do Ibama, Bolsonaro usa a guerra como pretexto para tentar viabilizar o projeto de acabar com as terras indígenas e aniquilar os direitos dos povos originários. “O PL 191, elaborado pelo Executivo, foi redigido de forma a viabilizar exploração mineral em larga escala e sem cuidados ambientais, com prioridade para o garimpo de ouro. Se aprovado, destruirá as terras indígenas”, observou.

O Instituto Socioambiental (ISA) defendeu que a sociedade precisa ser informada, por meio de estudos científicos, sobre o potencial de produção mineral fora das áreas indígenas. “A exploração de jazidas de potássio situadas fora desses territórios deve ser priorizada. O presidente, no entanto, escolhe fomentar o racismo contra os povos indígenas, alimentando o falso antagonismo entre o desenvolvimento nacional e os direitos indígenas”, criticou.

O Ministério Público Federal passou a acompanhar o caso depois de receber denúncias de que a empresa Potássio do Brasil iniciou estudos e procedimentos na região sem qualquer consulta às comunidades. Em julho de 2016, o órgão expediu recomendação ao Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam), para que cancelasse a licença já expedida, e à Potássio do Brasil, para que suspendesse as atividades de pesquisa na região até a realização das consultas nos moldes previstos na legislação, informou o MPF. “Nenhum dos pedidos foi atendido. A concordância em realizar as consultas nos moldes previstos pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) só veio após o MPF levar o caso à Justiça. O processo tramita na 1ª Vara Federal do Amazonas”, explicou em nota o MPF.

De acordo com o órgão, “o estudo de impacto ambiental classificou o porte do empreendimento como excepcional e afirma ser muito alta a interferência nos referenciais socioespaciais e culturais nas comunidades tradicionais e indígenas da região”. “Atualmente, está pendente de análise no processo pela Justiça Federal no Amazonas a definição do Instituto de Meio Ambiente dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) como órgão competente para o licenciamento, considerando que a questão afeta diretamente terras indígenas, posicionamento defendido pelo MPF e pelos próprios indígenas Mura”, completa o texto.