Num tom bem diferente da nota do Itamaraty, na qual diz que o governo se compromete em elucidar e punir os possíveis culpados pelo sumiço do jornalista inglês Dom Phillips e do indigenista Bruno Araújo Pereira, Bolsonaro tratou o caso com desprezo. Como de praxe, ele quis culpar as vítimas que estão desaparecidas no Vale do Javari, no Amazonas, desde domingo (5).

“Realmente duas pessoas apenas em um barco, em uma região daquela, completamente selvagem, é uma aventura que não é recomendável que se faça. Tudo pode acontecer. Pode ser um acidente, pode ser que tenham sido executados. A gente espera e pede a Deus que sejam encontrados brevemente. As Forças Armadas estão trabalhando com muito afinco na região”, disse Bolsonaro nesta terça-feira (7).

Além de tratar o caso com desprezo, Bolsonaro está sendo criticado pela morosidade e a falta de iniciativa do governo sobre caso, pois a União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja) já havia alertado que Bruno Ferreira, funcionário licenciado da Fundação Nacional do Índio (Funai), vinha sofrendo ameaças por atuar na fiscalização de atividades ilegais em terras indígenas. Aliás, ele foi exonerado de um cargo de chefia, em 2019, pela sua atuação intensa em defesa da população indígena.

O presidente da Comissão dos Direitos Humanos e Minoria (CDHM) da Câmara dos Deputados, Orlando Silva (PCdoB-SP), criticou a morosidade do governo: “Neste Dia Nacional da Liberdade de Imprensa, o Brasil segue chocado com o desaparecimento de Dom Phillips e Bruno Pereira. O Comando Militar da Amazônia sequer foi acionado para a missão de busca e salvamento. É desumana a omissão do Ministério da Defesa e da Presidência!”

Para a deputada Perpétua Almeida (PCdoB-AC), vice-líder da Oposição na Casa, houve falta de providência de Bolsonaro diante do sumiço do colaborador do The Guadian e do indigenista. “Esperem a repercussão internacional desse fato e a pouca importância que o governo brasileiro está dando”, advertiu.

“Bolsonaro tem responsabilidade neste fato, mesmo que indiretamente. Porque o presidente, quando se refere à Amazônia, é pra dar apoio a madeireiros, que retiram de forma ilegal a madeira das terras indígenas e dos parques nacionais; ele tem dado apoio a garimpeiros, que têm explorado terras indígenas ilegalmente, que têm matado rios e que suas dragas têm levado crianças indígenas”, disse a líder.

A parlamentar ainda adverte que, se alguma coisa acontece a esse jornalista britânico e ao indigenista brasileiro, será impossível não responsabilizar o presidente Bolsonaro. “Porque virou moda: todos aqueles que estão explorando de forma ilegal terras indígenas, seja retirando madeira, seja pro garimpo, eles se sentem com total apoio do presidente da República”, diz.

“Gravíssimo! As autoridades brasileiras negaram um helicóptero para fazer buscas pelo jornalista inglês Dom Phillips e pelo indigenista Bruno Pereira, que estão desaparecidos no Amazonas. De um governo que despreza os direitos humanos, não podemos esperar nada”, disse a deputada Alice Portugal (PCdoB-BA).

Famílias

Os familiares do indigenista e do jornalista distribuíram nota cobrando providências. Beatriz de Almeida Matos, companheira de Bruno, e os irmãos dele Max da Cunha Araújo Pereira e Felipe da Cunha Araújo Pereira, pedem informações. “Durante todo o dia de ontem, tivemos poucas informações sobre a localização deles, o que tem aumentado este sentimento. Mas também temos muita esperança de que tenha sido algum acidente com o barco e que eles estejam à espera de socorro”, dizem.

A família, contudo, pede prioridades na busca em virtude de mais de 48 horas do desaparecimento. “Compreendemos que Bruno possui vasta experiência e conhecimento da região, porém, o tempo é fator chave em operações de resgate, principalmente se estiverem feridos. É fundamental que buscas especializadas sejam realizadas, por via aérea, fluvial e por terra com todos os recursos humanos e materiais que a situação exige. A segurança dos indígenas e equipes de busca também precisa ser garantida”, diz a nota.

Destacam ainda que Bruno é um dedicado servidor público federal pela Funai e muito apaixonado e comprometido com seu trabalho. “Pai amoroso de duas crianças e uma moça lindas, Bruno é filho, marido, irmão e amigo, ele leva essa paixão para sua jornada toda vez que entra na mata com o propósito de ajudar o próximo”, afirmam.

Alessandra Sampaio, esposa de Dom Phillips, jornalista britânico desaparecido no Vale do Javari, na Amazônia, faz um apelo às autoridades brasileiras:

“Quero implorar às autoridades brasileiras que busquem meu marido, Dom Phillips, e seu parceiro de expedição, Bruno Pereira, com urgência. No momento em que faço este apelo, eles já estão desaparecidos há mais de 30 horas no Vale do Javari, uma das regiões mais conflagradas da Amazônia”, escreveu Alessandra Sampaio, companheira do jornalista inglês.

Ela diz que na floresta, cada segundo, pode significar vida ou morte. “Sabemos que, depois que anoitece, se torna muito difícil se mover, quase impossível encontrar pessoas desaparecidas. Uma manhã perdida é um dia perdido, um dia perdido é uma noite perdida. Só posso rezar para que Dom e Bruno estejam bem, em algum lugar, impedidos de seguir por algum motivo mecânico, e tudo isso vire apenas mais uma história numa vida repleta delas”, disse.

Alessandra ressaltou que seu marido ama o Brasil e a Amazônia. “Ele poderia viver em qualquer lugar do mundo, mas escolheu viver aqui. Quinze anos atrás, Dom deixou seu país, a Inglaterra, para viver no Brasil. Autoridades brasileiras, nossas famílias estão desesperadas. Por favor, respondam à urgência do momento com ações urgentes. Governo do Brasil, onde estão Dom Phillips e Bruno Pereira?”, escreveu.

Entidades Indígenas

Em nota conjunta, Univaja, Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato (OPI), Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) e Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) criticaram as ações do governo na região.

“Circularam informações sobre as limitações das forças de segurança para obter, entre outros meios, helicópteros que dessem o necessário suporte às operações de busca, o que é imprescindível para complementar as ações fluviais e terrestres dadas as condições geográficas da região”, diz um trecho da nota.

Para as entidades, “cada hora que passa coloca em risco definitivo a possibilidade de sobrevivência dos dois desaparecidos, ao mesmo tempo em que faz crescer a consolidação de um território sem lei, nas mãos de criminosos confiantes nos seus plenos poderes perante a incapacidade de atuação dos representantes legítimos do Estado de direito.”

 

Por Iram Alfaia

 

(PL)