Jair Bolsonaro (sem partido)

Um estudo feito por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) apontou que o governo Bolsonaro teve um empenho e eficiência em prol da ampla disseminação do coronavírus no Brasil. A pesquisa foi publicada em janeiro de 2021 e atualizada nesta semana a pedido da CPI da Covid do Senado Federal.

“A partir de abril de 2020, o governo federal passou a promover a ‘imunidade de rebanho’ por contágio como meio de resposta à pandemia. Ou seja, optou por favorecer a livre circulação do novo coronavírus, sob o pretexto de que a infecção naturalmente induziria à imunidade dos indivíduos, e a redução da atividade econômica causaria prejuízo maior do que as mortes e sequelas causadas pela doença. Tal opção concretiza-se, para além das declarações, nos atos normativos e de governo”, destaca o estudo.

“A incitação ao contágio tem como principais pilares a disseminação da falsa crença de que existe um tratamento precoce para a doença e o constante estímulo ao desrespeito massivo de medidas sanitárias básicas como o distanciamento físico e o uso de máscaras, agravadas pela também recorrente banalização do sofrimento e da morte, além da desqualificação dos indivíduos que, com razão, temem a doença”.

“A sistematização de dados sobre ações e omissões revela o empenho e a eficiência da atuação da União em prol da ampla disseminação do vírus no território nacional, compreendendo uma expressiva variedade de atores que ocupam elevados cargos na esfera federal”, diz o relatório.

Realizado em parceria com a Conectas Direitos Humanos, o levantamento fez uma linha do tempo da evolução da pandemia no Brasil ao mesmo tempo que coletou ações dos governos federal, estaduais e municipais para o combate à Covid-19.

As fontes utilizadas no estudo foram normas federais, jurisprudência, discursos oficiais, manifestações públicas de autoridades federais e busca em plataformas digitais.

Foram selecionados as seguintes ações do governo que favoreceram o aumento dos casos de Covid-19 no Brasil:

Imunidade de rebanho (ou coletiva) por contágio (ou transmissão);

Incitação constante à exposição da população ao vírus e ao descumprimento de medidas sanitárias preventivas;

“Tratamento precoce” para a Covid-19 que foi convertido em política pública de saúde; Banalização das mortes e das sequelas causadas pela doença;

Obstrução sistemática às medidas de contenção promovidas por governadores e prefeitos, justificada pela suposta oposição entre a proteção da saúde e a proteção da economia;

Foco em medidas de assistência e abstenção de medidas de prevenção;

Ataques a críticos da resposta federal à pandemia e consciência da ilicitude de determinadas condutas Tratamento aos militares.

Na interpretação dos pesquisadores de diversas áreas que assinam o estudo, o governo federal “optou” por deixar o vírus correr livremente pelo país sob a justificativa de que uma alta taxa de infecção seria a solução. “E a redução da atividade econômica causaria prejuízo maior do que as mortes e sequelas causadas pela doença. Tal opção concretiza-se, para além das declarações, nos atos normativos e de governo”, diz o relatório.

A pesquisa ressalta que alguns órgãos nacionais, como o Supremo Tribunal Federal (STF), o Tribunal de Contas da União (TCU) e o Ministério Público Federal (MPF), apontaram que a gestão federal da pandemia constituía “inconformidade à ordem jurídica brasileira de condutas e de omissões conscientes e voluntárias de gestores federais, assim como o fizeram, incansavelmente, entidades científicas e do setor da saúde”.

A conclusão do estudo é de que houve “incitação ao contágio” e que as principais justificativas para tanto foram “disseminação da falsa crença de que existe um tratamento precoce para a doença”. Além disso, o relatório afirmou existir um “constante estímulo ao desrespeito massivo” de medidas sanitárias recomendadas por órgãos de saúde, como uso de máscara e distanciamento social.

“Agravadas pela também recorrente banalização do sofrimento e da morte, além da desqualificação dos indivíduos que, com razão, temem a doença”, indica o texto. Em nota final, o estudo afirma torcer para que a análise das evidências oferecidas para a CPI da Covid faça um precedente para futuras emergências e que “jamais a imunidade de rebanho por contágio volte a ser promovida em nosso país”.

Os pesquisadores também pedem que as políticas públicas “voltem a ser orientadas, independentemente da natural alternância de poder, por evidências científicas”.

Outro ponto que é revelado pelo estudo é o tratamento exemplar oferecido aos militares, que seguiram todos os protocolos apresentados pela Organização Mundial da Saúde.

“Cabe ressaltar, neste ponto, que as estratégias de resposta destinadas à população civil diferem sobremaneira da estratégia de resposta empregada no meio militar, que teria seguido com rigor as recomendações da OMS, com excelentes resultados”, diz o relatório.

Embora tenha sido o primeiro a chamar a atenção para o fato de que centenas de milhares de mortes foram causadas de propósito por Bolsonaro e seus cúmplices (que começam a ser revelados a partir da descoberta do Gabinete Paralelo), o estudo da USP não é o único.

Outra pesquisa, realizada em parceria pela Fundação Getulio Vargas (FGV) e a Universidade de Michigan, nos EUA, concluiu que Bolsonaro usou sua autoridade para estimular a imunidade de rebanho.

“Bolsonaro interferiu no Ministério da Saúde como nunca antes visto no período democrático. Ele interveio em protocolos de tratamento e até no modo de divulgação dos dados da pandemia”, declarou a professora da FGV Elize Massard, uma das autoras.

Além disso, um terceiro estudo, este da Universidade de Harvard, concluiu que a falta de uma coordenação nacional na gestão da pandemia facilitou a propagação do coronavírus no Brasil.

Além de apontar para o cometimento de crime contra a humanidade praticado por Jair Bolsonaro e aqueles que o apoiaram na empreitada, estudos como esse ajudarão o Brasil a não viver novamente um capítulo tão tenebroso de sua história quanto o atual.

Como afirmam os pesquisadores da USP no levantamento atualizado para a CPI, o trabalho da CPI da Covid “será decisivo para que, em futuras emergências, jamais a imunidade de rebanho por contágio volte a ser promovida em nosso país, e as políticas públicas de saúde voltem a ser orientadas, independentemente da natural alternância de poder, por evidências científicas, no estrito cumprimento do dever constitucional de proteção e defesa da saúde pública”.