Bolsonaro fracassa ao tentar entregar pré-sal às multinacionais

O “megaleilão” da área excedente da Cessão Onerosa do Pré-Sal, badalado como “grande acontecimento” pelo ministro Paulo Guedes e pelo presidente Jair Bolsonaro, fracassou. A expectativa do governo era arrecadar R$ 106 bilhões com a venda dos quatro campos de petróleo: Búzios, Itapu, Sépia e Atapu. Contudo, apenas os dois primeiros foram adquiridos.
O governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), comemorou o fracasso e afirmou, por meio das redes sociais que “a Petrobras salvou o leilão.” Ainda segundo o comunista, “Deveria servir de reflexão para quem acredita que o setor privado puxará investimentos.”
A Petrobras, tão atacada pelos entreguistas que se disfarçam de verde e amarelo, salvou o “megaleilão” hoje. Deveria servir de reflexão para quem acredita que o setor privado puxará investimentos. Isso NUNCA aconteceu no mundo. Sem setor público forte não há investimentos.
— Flávio Dino ?? (@FlavioDino) 6 de novembro de 2019
A deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ) ressaltou que o leilão frustrou as expectativas de Bolsonaro. Apesar disso, a arrecadação ainda representa muito menos do que o povo brasileiro poderia ter.
Ninguém se interessou pelo leilão das áreas de petróleo e quem levou, levou a preço de banana. E o Governo arrecadou 2/3 do que era previsto, mostrando que é um desastre completo no cuidado com o patrimônio do povo.
— Jandira Feghali (@jandira_feghali) 6 de novembro de 2019
O deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), ironizou:
E o mega leilão virou um mega micão para o governo. Viva a @petrobras!
— Orlando Silva (@orlandosilva) 6 de novembro de 2019
Búzios foi adquirido pelo consórcio formado pela Petrobras, com 90% das ações, e duas empresas chinesas, CNOOC e CNODC, cada uma com 5% de participação, e o segundo, pela Petrobras sozinha. Sépia e Atapu nem receberam ofertas.
Das 14 petroleiras inscritas no “megaleilão”, apenas sete apareceram nesta quarta-feira. Nenhuma apresentou lance. O valor final arrecadado ficou em apenas R$ 69,96 bilhões. A Petrobras será responsável por quase todo o valor arrecadado. Os chineses, que têm 10% do consórcio vencedor em Búzios, contribuirão com R$ 6,8 bilhões.
Localizada na Bacia de Santos, Búzios é considerada a maior descoberta brasileira de petróleo, com reservas que podem chegar a 13 bilhões de barris. É quantidade praticamente equivalente ao Campo de Libra, leiloado no governo Dilma. E quase o mesmo volume que o Brasil tem hoje em reservas provadas.
Dos cerca de R$ 70 bilhões, R$ 34,2 bilhões serão repassados à Petrobras como ressarcimento por mudanças no preço do petróleo após a assinatura do contrato de cessão onerosa. A União ficará com apenas R$ 23 bilhões e estados e municípios dividirão outra parte, ficando cada um com R$ 5,3 bilhões. O Rio receberá somente R$ 1,1 bilhão.
Causas do Fracasso
Já há toda uma discussão sobre as causas do rotundo fracasso. Uns dizem que o Brasil deveria ser mais gentil e baixar ainda mais os preços. Chegam até a reclamar que os compradores estrangeiros não apareceram porque teriam que ressarcir a Petrobras pelos investimentos já feitos pela estatal na área leiloada.
Outros observadores mais realistas percebem que ninguém sente firmeza num governo protofascista como o de Bolsonaro. Ao contrário do que ele apregoou na solenidade de 300 dias de governo, ocorrida na véspera, o mundo desconfia seriamente da longevidade desse desgoverno de lunáticos, milicianos e terraplanistas.
Os que defendem baixar ainda mais os preços e abrir mão da indenização à Petrobras não têm a menor cerimônia em prejudicar ainda mais a estatal brasileira. Aliás, esses não queriam nem que ela participasse do leilão. A Petrobras fez investimentos pesados na região e já produz 600 mil barris diários de óleo equivalente na área.
Ela tem 40 anos para produzir os 5 bilhões de barris da cessão onerosa. Como as petroleiras que entrassem, teriam que aguardar o fim do prazo, o governo propôs que elas comprassem da estatal o direito de antecipar a produção. As múltis não quiseram, afinal seu plano era enfiar o canudo e começar imediatamente a levar o petróleo.
Nota técnica
Como informaram Ildo Sauer, professor da USP, e Guilherme Estrella, ambos ex-diretores da Petrobras, em Nota Técnica do Instituto de Energia e Ambiente da USP, divulgada na semana passada, a venda prevista dos blocos do Pré-Sal pelo sistema de partilha de produção, comparado a uma contratação direta da Petrobras para explorar o petróleo da região, significaria uma perda de R$ 1,2 a R$ 1,6 trilhão por parte dos cofres públicos.
Ou seja, as petroleiras multinacionais ganhariam muito dinheiro no lugar da Petrobras. Mas, nem esse “negócio da China” superou a desconfiança que toma conta do mundo, e dos investidores, sobre a capacidade política de Bolsonaro seguir por muito tempo à frente do governo brasileiro.
No sistema defendido por Ildo Sauer, e que é permitido por lei, a Petrobras, empresa líder na tecnologia de exploração de petróleo em águas profundas, seria contratada pela União para a exploração de toda a Cessão Onerosa e não apenas os 5 bilhões de barris inicialmente negociados. A União pagaria os custos de produção e acertaria a obtenção pela estatal de uma taxa de lucro satisfatória.
Com isso, todo o restante seria revertido em lucro para a nação. Esse excedente poderia abastecer, por exemplo, fundos de investimentos em infraestrutura, Educação, Saúde, Ciência e Tecnologia, Meio Ambiente e transição energética para matrizes limpas. Com o sistema de partilha de produção e o sistema de concessão, o valor recebido pela União é muito menor.
Reação no governo
Os integrantes do governo Bolsonaro estão desconsolados pelo fato das multinacionais não terem aparecido. O próprio Bolsonaro tinha dito na véspera que os investidores estavam acreditando mais no Brasil, depois que ele assumiu o governo. Chegou a comemorar que o príncipe da Arábia Saudita, Mohammad bin Salman (aquele que esquartejou o jornalista saudita que fazia críticas ao governo), teria dito pessoalmente a ele que os brasileiros “não voltariam de mãos abanando” da viagem que fizeram àquele país. Bolsonaro ficou feliz da vida com a promessa do príncipe de arranjar US$ 10 bilhões.
“O mundo está olhando para nós e acreditando em nosso governo”, disse Bolsonaro. O desastre do leilão foi uma ducha de água fria nesse discurso.
O presidente da Petrobras, Roberto Castello Branco, um privatista colocado no comando da empresa para sabotá-la, também reclamou da baixa participação das tão esperadas petroleiras multinacionais. “O Brasil tem muitas complexidades na questão da regulação da indústria do petróleo que devem ser discutidas. O país tem que ser mais simples. Menos instabilidade, mais desenvolvimento econômico”, acrescentou o entreguista de plantão.
O ministro das Minas e Energia, Bento Albuquerque, tentou minimizar a ausência das esperadíssimas empresas estrangeiras e prometeu fazer novas concessões para tentar atraí-las. Ele acha que as áreas encalhadas podem ser oferecidas novamente ao mercado. O ministro acenou que com “o novo leilão de cinco campos do pré-sal nesta quinta-feira (7/11), o governo vai avaliar a participação de empresas estrangeiras, para verificar se será necessário ‘rever a metodologia’ para as próximas ofertas”.
O presidente da Agência Nacional do Petróleo (ANP), Décio Oddone, disse que a participação da Petrobras no leilão teve impacto na decisão de outras empresas participarem. “O fato da Petrobras ser a companhia que tem prioridade para escolher operação inibe a concorrência”, reclamou ele, em entrevista coletiva.
Estavam presentes, além dele e do ministro Albuquerque, o ministro da Infraestrutura, Tarcísio Freitas, a secretaria especial do PPI (Programa de Parcerias e Investimentos), Martha Seiller, o ministro do TCU (Tribunal de Contas da União), Raimundo Carreira, e o senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ).
(Sérgio Cruz)