“Bolsonaro está querendo que os índios morram. Só pode ser isso”
Diante do grave teor da denúncia apresentada pela Comissão Especial de Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) à CPI da Covid, não há mais condição jurídica para Bolsonaro exercer o cargo de presidente da República. A opinião é do presidente da comissão, Paulo Machado Guimarães, segundo o qual, uma vez comprovado o crime de genocídio, as providências dependem agora do Congresso ou da Procuradoria Geral da República (PGR). “No meu entendimento, ele já deveria ter saído”, disse o advogado, em entrevista ao Portal Vermelho.
Quais são os possíveis desdobramentos do parecer elaborado pela comissão da OAB?
A questão é que, para além da atuação da própria comissão da OAB, esse parecer serve para as análises que a CPI da Covid está fazendo. Se, da parte do relator da CPI, o senador Renan Calheiros (MDB-AL), houver concordância e for de fato considerado no relatório, o crime comum de genocídio será objeto de análise do Procurador Geral da República, que poderá acolher ou não a denúncia. Acolhendo, ele poderá determinar a abertura de um inquérito policial para apuração dos fatos ou mesmo propor diretamente uma ação penal.
No parecer, a comissão menciona também o Tribunal Penal Internacional. Ele também poderá atuar neste caso?
A CPI também pode encaminhar a denúncia ao Tribunal Penal Internacional, de Roma. No caso da corte, alguns advogados juntamente com a ONG Conectas consideram que há tipificação de crime contra a humanidade.
Qual a probabilidade de a CPI considerar o parecer da OAB no relatório?
O que chegou ao meu conhecimento é que do relatório consta também o crime de genocídio, mas o presidente da CPI, o senador Omar Aziz (PSD-AM) precisaria ser convencido. O parecer auxilia o relator a compreender e explicar como esse caso se materializa. Não é algo simples de perceber, a não ser para quem o está acompanhando minuciosamente, juntando as peças.
Mas o senhor considera que há prova de que houve genocídio?
Há efetiva prova dessa atitude do presidente, no meu entendimento jurídico, sim, de submeter sujeitos ou grupo étnico a condições que inviabilizam a sua sobrevivência. Isso começou ao não ter demarcado as terras indígenas, seguiu-se pela orientação dele de fragilizar a Funai, permitindo o aumento das invasões de garimpeiros e madeireiros; e culminou com a situação da pandemia em que a administração pública não fez nada. O que está acontecendo é que o STF precisou assumir a gestão, determinando o plano de proteção, de vacinação, e mesmo assim o governo não apresentou adequadamente. Bolsonaro está querendo que os índios morram. Só pode ser isso. Isso é o tipo penal do genocídio.
Que ações específicas foram consideradas para que a comissão tipificasse como genocídio o crime?
Desde 2019 a ação dele tem sido orientada com esse propósito, de fragilizar os índios e expô-los a grave risco de morte. A letalidade dos índios no Brasil é superior à da população brasileira. O crime se configura por ações e por omissões. O parecer relata uma sucessão de fatos. A prova é a reunião da sucessão de atos. O presidente desenvolve ações administrativas dentro desse tipo penal quando submete o sujeito a condições de vida que possam acarretar a sua morte. Ele já disse que não tem interesse nos índios, mas as ações mencionadas no parecer são atos da administração do governo dele.
Na semana passada houve a morte duas crianças na área do garimpo na terra indígena Yanomami, em Roraima. O governo federal tem alguma responsabilidade relacionada a esta tragédia?
É só mais um exemplo dramático dessa conduta criminosa. O governo federal já deveria ter cercado a região e tirado os garimpeiros. Por omissão, permitiu que a situação se agravasse.