Bolsonaro ameaça a democracia: qual é a surpresa?
Depois que Trump orientou seus asseclas a invadirem o parlamento americano para impedir a oficialização do candidato eleito por voto indireto (lá o voto ainda é de “cabresto”), Bolsonaro se animou e voltou a REPETIR que “sem voto impresso em 2022 vamos ter problema pior que EUA, diz Bolsonaro” (Folha de S.Paulo, 08.01.2021).
Por Eron Bezerra*
O chilique foi geral. Declarações enfurecidas contra a “ameaça golpista” e juras de amor à democracia eclodiram por toda parte, lamentavelmente com bastante atraso. Sim, porque o que nó estamos assistindo é apenas a execução de um roteiro – com algumas correções de rumo – elaborado pelo departamento de estado americano para ser executado por asseclas brasileiros que se prestaram a isso, dentre eles Moro e Bolsonaro.
O roteiro incluía criminalizar a política como um todo e a esquerda em particular; desmoralizar as instituições para que não tivessem condições de reagir; e destruir as empresas nacionais para facilitar o lobby das empresas estrangeiras. A primeira medida era afastar a presidenta eleita e em seguida eleger alguém bronco o suficiente que fingisse que governava e entregasse a economia a um “Chicago boy” (os amestrados na escola americana de Chicago) para retomar o processo de desmonte nacional iniciado no auge da política neoliberal e parcialmente interrompido nos governos petistas. Mas tinha um detalhe: havia um Lula com muito voto para dificultar a execução do roteiro. Encarcera, e pronto!
Esses fatos são públicos e notórios.
É preciso, portanto, parar com o cinismo, especialmente por parte dos que pavimentaram o caminho para que ele chegasse à presidência da república, seja tramando e participando ativamente do golpe que depôs a presidenta eleita Dilma Rousseff – porque Aécio Neves, também, não aceitava a derrota – ou fingindo que não ouviam, durante a campanha, ele dizer repetidas vezes que não reconheceria outro resultado que não fosse a sua vitória.
Para a classe dominante eleição é apenas uma mera formalidade, que ela respeita desde que o resultado lhe seja favorável. Se não for, ela recorre à violência para impor a sua vontade e viabilizar seus interesses, como demonstram os golpes de 1964, 2016, as ameaças explícitas em 2018 (não efetivadas porque ganharam as eleições), a patuscada promovida por Trump contra o parlamento americano e as ameaças que Bolsonaro volta a fazer abertamente.
Para quem tem memória seletiva (ou finge ter) eu selecionei algumas passagens, todas ditas no processo eleitoral de 2018, sem que a maioria desses revoltados de hoje emitissem qualquer juízo de valor, com o agravante de que tinham poderes e obrigações legais para agir em defesa da constituição e das leis do país.
Vejamos algumas dessas declarações intimidatórias, amplamente divulgadas, a partir de uma entrevista que Bolsonaro concedeu a TV Bandeirantes, ainda no hospital.
- ‘Não aceito resultado diferente da minha eleição’, afirma Bolsonaro (FSP 28 de set. de 2018)
- Bolsonaro: não aceito resultado diferente que minha vitória (TERRA, 28 de set. de 2018)
- Se Bolsonaro não aceitar resultado, vai fazer o quê? (O POVO, 29 de set de 2018)
- Na primeira entrevista após ter sido alvo de atentado, Jair Bolsonaro (PSL) brindou o eleitor com um desaforo. Disse que não aceita resultado das urnas que não sua vitória. Muito bonito isso. “Não aceito resultado diferente da minha eleição”, desafia Bolsonaro na TV (El País, 29 de set. de 2018)
- Bolsonaro diz que não vai reconhecer resultado se perder presidenciais (Correio da Manhã, 29 de set. de 2018)
É preciso dizer mais? Creio que não. As ameaças presentes são as mesmas do passado, que se somam a ameaça de fechar o supremo com um Jeep e dois cabos. E não podem ser vistas como meras bravatas na medida em que elas expressam um conteúdo reacionário amplamente conhecido. Se ele não for parado ele vai promover baderna e pessoas morrerão, até porque nem todos ficarão quietos e aceitarão passivamente suas agressões.
O Brasil, uma das maiores economias do mundo, merece mais do que isso.
Mas os dados postos exigem autocritica, à direita e à esquerda. A direita não fará autocrítica porque seus atos correspondem a sua essência de classe: autoritária, exclusivista e exploradora. Mas os que se posicionam no espectro da esquerda e se juntaram ao coro do “fora todos” precisam explicar se, de fato, entendiam ou entendem que o governo Dilma Rousseff ou do Bolsonaro são a mesma coisa.
É preciso aprender a travar cada batalha com as forças reais, aquilo que se pode mobilizar porque estão dispostas a travar o mesmo combate, embora possam ter objetivos estratégicos e até mesmo táticos completamente distintos dos seus. Não se pode condicionar qualquer tipo de luta, muito menos a luta de resistência, à formação de frentes “ideais”. Se luta com o que se tem, não com o que se idealiza.
A classe dominante, embora tenha o mesmo conteúdo de classe, tem contradições secundárias entre si. Dentre essas contradições estão o “papel” do estado na regulação das forças produtivas, na aceitação ou repulsão dos regimes democráticos e na chamada pauta de costumes, dentre outros aspectos.
E é isso que nos permite estabelecer alianças, acordos pontuais, para fazer avançar pautas progressistas e ou impedir, retardar, medidas reacionárias. No momento o centro dessa tática deve ser impedir que Bolsonaro amplie sua influência na Câmara dos Deputados. Se contrapor a isso dizendo que “são todos governo, uns abertos outros disfarçados”, revela uma ignorância teórica primária ou uma vigarice política profunda, ou ambas.
Quem se nega a fazer alianças, portanto, só tem compromisso com seus interesses particulares, jamais com os interesses coletivos, sociais. Ademais, como regra, tem profunda limitação teórica no que diz respeito aos fundamentos do materialismo histórico no que concerne ao desenvolvimento dialético das forças produtivas; ou tem profunda insegurança de suas “convicções”, o que lhe faz temer ser cooptado pelo “aliado”, como evidenciam dezenas de situações dos que “vão e não voltam”; ou simplesmente já são aliados no conteúdo da classe dominante e se prestam a fazer o trabalho de sapa, dividindo as forças populares para que a direita tenha seu trabalho facilitado. Não há muita alternativa.
O futuro, todavia, depende de cada um de nós. Não nos intimidemos e nem nos acovardemos. É preciso ter presente que ninguém, absolutamente ninguém, é maior do que a vontade popular.
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Eron Bezerra* é professor da UFAM, Doutor em Ciências do Ambiente e Sustentabilidade na Amazônia, Coordenador Nacional da Questão Amazônica e Indígena do Comitê Central do PCdoB.
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