Bloqueio dos EUA a pagamentos dos títulos russos vai corroer o dólar
Detentores estrangeiros de Eurobonds russos [títulos da dívida] podem levar os norte-americanos e europeus aos tribunais por bloquearem o pagamento de juros russos, um falso “default” criado ilegalmente pelo Federal Reserve dos EUA e usado para propaganda, disse o economista francês Charles Gave ao portal Sputnik.
“Tal bloqueio não é um default e o mundo financeiro sabe disso muito bem. A Rússia está, claro, disposta a pagar. É fundamentalmente ilegal e os detentores de títulos em todo o mundo que são atingidos por essa ‘sanção’ imposta pelos EUA e os europeus podem e devem apresentar queixa nos tribunais internacionais”, disse.
As declarações da mídia norte-americana e europeia sobre “inadimplência” foram descartadas como fake news, já que os pagamentos foram feitos integralmente, segundo o Ministério das Finanças da Rússia, e é público e notório que o país tem dinheiro para pagar e fez as remessas necessárias ao Euroclear Bank.
“A moeda russa está em seu nível mais forte em relação ao dólar desde maio de 2015… Portanto, o valor do rublo não está em questão. O que está em questão são as sanções financeiras ocidentais que terão pesadas repercussões também para o Ocidente”, disse o comunicado russo.
No mês passado, o ministro russo das Finanças, Anton Siluanov, reiterou a disposição da Rússia de pagar a dívida soberana, afirmando que a situação havia sido “criada artificialmente por um país hostil” e que o calote não iria afetar a qualidade de vida dos russos.
Para Gave, tais ações de cunho fraudulento – o bloqueio artificial de títulos russos – acabarão por “corroer o domínio do dólar” nas transações internacionais. “O principal resultado será a relutância em todo o mundo em usar o dólar como moeda para as trocas internacionais. Será o mesmo para o euro”, asseverou.
O economista observou que o bloqueio, que visa impedir o mundo financeiro de fazer negócios com a Rússia, apenas serviu para demonstrar que as moedas domésticas são um meio mais seguro de transações.
“Se grandes acordos forem fechados amanhã entre Taiwan e Coreia, não serão mais em dólares, mas em uma de suas moedas nacionais. O resultado será o fim do domínio do dólar americano”, disse Gave.
“Quanto à Rússia, ela redirecionará sua emissão internacional de títulos por meio de bancos chineses em Xangai, Pequim ou outros lugares do mundo. Isso será, acima de tudo, prejudicial para os mercados financeiros dos EUA e da Europa”, destacou
Ainda segundo o economista, as sanções impostas à Rússia desde fevereiro tiveram um efeito muito limitado em sua economia mas atingiram em cheio a Europa. Para ele, o continente caminha para uma enorme crise econômica neste outono, com um possível retorno à estagflação da década de 1970.
“As sanções ocidentais já estão sendo o bumerangue que pode ser temido: se a Rússia parar completamente de fornecer gás para a Europa, a crise econômica na Europa neste outono será enorme. Pagamos nossa energia em euros para a Rússia? Agora vamos pagar em dólares ao Catar ou aos EUA”, disse ele.
Na semana passada, a Rússia anunciou que estava discutindo com os BRICS a possibilidade de criar uma moeda de reserva internacional com base na cesta de moedas dos países integrantes do grupo.
Em resumo, a Rússia remeteu a um intermediário, o Euroclear, 100 milhões para pagamento – com antecedência ao prazo de vencimento (27 de maio)-, mas este se recusou a repassar o dinheiro recebido a quem de direito, alegando ordens de Washington e Bruxelas.
De forma completamente artificial, após 30 dias de carência, os mesmos que retiveram ilegalmente o dinheiro alheio, passaram a pleitear que a Rússia estaria inadimplente. A agência de rating Moody’s carimbou a fraude, dizendo que, conforme seus ‘padrões’, era ‘default’.
As agências de notícias norte-americanas, querendo dar um ar mais dramático à prevaricação fomentada por Washington e Bruxelas, afirmaram tratar-se do “primeiro calote da Rússia desde a revolução de 1917”.
Por sua vez, o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, disse que “as declarações de default eram absolutamente injustificadas”. Ele acrescentou que um banco intermediário reteve o dinheiro e que as reservas foram bloqueadas “ilegalmente”. O Euroclear confirmou à BBC não ter executado o pagamento, sob o pretexto de que ‘cumpre as sanções”.
O ministro russo das Finanças classificou a situação de “farsa”. Os investidores não podem receber o pagamento por dois motivos, assinalou à agência de notícias Ria Novosti. “O primeiro é que a infraestrutura estrangeira – bancos correspondentes, sistemas de liquidação e compensação, depositários – está proibida de realizar quaisquer operações relacionadas à Rússia”, assinalou Siluanov. O segundo é que os investidores estrangeiros “estão expressamente proibidos de receber nossos pagamentos”, acrescentou.
Para propiciar um mecanismo que permita aos detentores de títulos russos receberem, apesar do Fed e dos ditames do Departamento do Tesouro dos EUA e de Bruxelas, o governo russo introduziu por lei o “pagamento em rublos”, análogo ao sistema criado para os pagamentos do gás russo, só que em sentido inverso. O esquema funciona assim: um detentor de títulos estrangeiro abre uma conta em um banco russo, recebe rublos, converte-os em dólares e os envia para sua conta em um banco estrangeiro.