Iêmen pede que Washington passe às "medidas concretas" contra massacres e bloqueio a portos 

O governo do presidente Joe Biden notificou formalmente o Congresso dos EUA na sexta-feira (5) que removerá o movimento Houthi Ansarullah do Iêmen da “lista de organizações terroristas estrangeiras”, infame designação adotada pelo governo Trump a menos de dez dias de deixar a Casa Branca.

O movimento que governa a região norte do Iêmen com vasto apoio popular tem sido um dos principais esteios da resistência iemenita à guerra de agressão saudita, que já dura cinco anos.

Na véspera, o governo Biden anunciou o fim do apoio de Washington à guerra saudita no Iêmen, incluindo o congelamento das vendas de armas ao regime de Riad. Em um discurso, Biden disse que “a guerra tem que acabar” e chamou o conflito de “catástrofe humanitária e estratégica”.

“O secretário [Antony] Blinken foi claro sobre a realização de uma revisão rápida das designações de Ansarullah, dadas as profundas implicações para o povo do Iêmen, lar da pior catástrofe humanitária do mundo”, confirmou uma fonte do Departamento de Estado.

“Após uma análise abrangente, podemos confirmar que o secretário pretende revogar as designações de Organização Terrorista Estrangeira e Terrorista Global Especialmente Designado de Ansarullah”, acrescentou.

A organização humanitária Oxfam descreveu como as repetidas ameaças de Trump/Pompeo, mesmo que consumadas só nos últimos dias de governo, dificultaram a ajuda à população faminta do Iêmen.

“Essa designação puramente contraproducente causou meses de incerteza, pois organizações de ajuda, bancos e importadores de commodities essenciais como alimentos e combustível foram deixados no limbo”, afirmou o diretor Scott Paul.

Em novembro, diante dos rumores de que a Casa Branca estava na iminência de colocar os Houthis na sua lista negra, o secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, havia advertido contra a ação unilateral e denunciado que o Iêmen estava em “perigo iminente da pior fome que o mundo já viu em décadas”.

Organizações humanitárias do mundo inteiro, em número de 300, dirigiram mensagem ao governo Biden pedindo a mudança de política. As mortes de civis no Iêmen já passam de 90 mil, com milhões sofrendo com a fome e escassez de remédios.

Os sauditas bombardearam hospitais, escolas, estações de tratamento de água, funerais e casamentos. Segundo a ONU, 24 milhões de iemenitas – 80% da população – dependem de ajuda humanitária, dos quais 10 milhões estão à beira da inanição.

Em 2019, Trump havia vetado lei aprovada na Câmara dos Deputados proibindo a venda de armas à Arábia Saudita. Em viagem a Riad dois anos antes, chegou até a participar de uma dança com os príncipes sauditas, comemorando o faturamento recorde dos cartéis bélicos norte-americanos com a carnificina no Iêmen.

O anúncio de reversão dessa política foi saudado pelo dirigente do Conselho Político Supremo do Iêmen, Muhammad Al Bukhaiti, que, no entanto, alertou que Washington precisa entender que “ações falam mais alto que palavras”.

“Se o governo dos EUA for honesto, isso significaria praticamente o fim da agressão [encabeçada pelos sauditas] contra o Iêmen. A guerra no Iêmen termina quando todos os ataques aéreos cessarem e as forças estrangeiras deixarem o país”, salientou Bukhaiti, em declaração à rede de notícias de língua árabe baseada no Líbano, Al Mayadeen.

“Estamos prontos para conversações, mas o mecanismo das conversações anteriores não deu certo”, destacou.

Por sua vez, o líder iemenita Muhammad Ali Al Houthi chamou de “insuficiente” a decisão do governo Biden de retirar o apoio à guerra saudita e pediu que os direitos do povo iemenita sejam “restaurados” e que haja uma “compensação” pelas pesadas repercussões econômicas sofridas por causa do bloqueio e sanções.

“Na esteira da decisão dos EUA de suspender o apoio militar às operações militares ofensivas no Iêmen, os aliados de Washington também devem se comprometer a indenizar as vítimas, decretar um pacote de medidas para garantir a soberania do Iêmen, reconhecer sua independência e legítimo direito à autodefesa , e considerar qualquer ação militar por parte de países árabes ou estrangeiros como um ato criminoso ”, disse ele.

O dirigente acrescentou ainda que “nenhum estrangeiro tem o direito de impor uma decisão à nação iemenita ou de nomear uma pessoa para [governá-la] pela força das armas”. “Por último, mas não menos importante, o povo iemenita não deve ser forçado a obedecer àqueles que não os representam”, concluiu.

No dia 26 de janeiro, manifestações nas principais cidades iemenitas, contra o insulto aos patriotas que enfrentam o invasor, instaram o governo Biden a mudar de política.

Como dissera Bukhaiti nesse protesto, “terrorismo de verdade é bloquear portos e aeroportos como vem fazendo a coalizão americano-saudita” para matar o povo de fome.

Os dirigentes iemenitas também celebraram a decisão da Itália de bloquear as exportações de armas para a Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos.

Por sua vez, o vizinho Irã deu “as boas-vindas a qualquer esforço que busque ajudar o Iêmen”. Teerã voltou a enunciar seu “plano de quatro pontos para acabar com a crise neste país devastado pela guerra”. O plano consiste em “um cessar-fogo total”, entrega de “ajuda humanitária”, “diálogo iemenita-iemenita” e formação de um “governo de base ampla”.