Biden remarca “invasão russa” da Ucrânia para o “dia 20”
O porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, advertiu que a intempestiva declaração feita pelo presidente norte-americano Joe Biden na quinta-feira (17) – de que “há todas as indicações” de que a Rússia está “preparada para atacar a Ucrânia” – só faz “aumentar as tensões”.
“Todas as indicações que temos são de que eles estão preparados para entrar na Ucrânia, atacar a Ucrânia. [Os EUA têm] motivos para acreditar [que a Rússia está] envolvida em uma operação de bandeira falsa para ter uma desculpa para entrar”, disse Biden.
O presidente norte-americano asseverou que o risco de invasão é “muito alto”. “Minha sensação é que isso acontecerá nos próximos dias”, acrescentou, segundo a Associated Press, que observou que ele “não ofereceu nenhuma evidência para apoiar sua afirmação”.
Na véspera, o estardalhaço promovido por Washington e os jornalões dos EUA – de que a Rússia ia invadir “no dia 16” – virou o maior fiasco, sem acontecer nada, a não ser o início da retirada para suas bases de tropas russas que já haviam concluído seus exercícios militares.
Em socorro do alarmismo, a mídia alistada pela CIA e pelo Pentágono no esforço de guerra, que se vira frustrada nas suas previsões devido à calma observada na véspera, dia 16, já começou a listar novas datas. Segundo o portal “Politico”, será “dia 20”.
Na reunião do Conselho de Segurança (CS) da ONU, convocada a pedido da Rússia, para comemorar os 7 anos dos Acordos de Minsk e sua consagração em resolução do organismo, o secretário de Estado Anthony Blinken repetiu as elocubrações de Biden, também sem apresentar qualquer prova.
Ao reagir à nova escalada do “terrorismo informacional” – termo cunhado pelo ministro russo Sergei Lavrov -, a porta-voz da chancelaria, Maria Zakharova chamou a atenção para o fato de que o governo de Kiev, que há anos lamenta ser vítima da “agressão” russa, desta vez segue dizendo não vê “invasão” e pediu a seus patronos ocidentais que reduzissem sua retórica porque estava arruinando tudo na Ucrânia: da economia e investimentos à ordem pública.
Uma situação inédita, em que o ‘suposto agressor’ e a ‘suposta vítima’ concordam em chamar de histeria ao que a mídia norte-americana e os altos escalões do governo estão fazendo.
O que não impediu Blinken de asseverar que a invasão “começaria com ataques cibernéticos, além de mísseis e bombas em toda a Ucrânia”. Ele descreveu a entrada de tropas russas, avançando sobre Kiev, uma cidade de quase 3 milhões de habitantes, e outros “alvos-chave que já foram identificados e mapeados”. A inteligência dos EUA indicou que a Rússia também teria como alvo “grupos específicos” de ucranianos, acrescentou Blinken, novamente sem dar provas.
“Fontes da inteligência”
“Eles saíram um após o outro – Psaki, Price, Blinken, Sullivan, Nuland – para dizer que têm dados de inteligência. De que tipo de inteligência eles estavam falando?”, assinalou Zakharova, apontando que não havia nada, só essa mentirada geral. “Está prestes a acontecer, mas acontece que não há 100% de certeza de que é inevitável, no entanto eles sabem a data: em 48 horas, em 24 horas”.
“É isso que eles chamam de inteligência? Quem faz isso? É o que pode ser chamado de grande potência, que possui armas nucleares? É o líder do ‘mundo livre’ atual? É uma democracia desenvolvida, que é chamada para iluminar o caminho para todo o resto? Onde eles obtêm esses dados para preparar tais declarações oficiais para seus funcionários?” ela acrescentou.
Anteriormente, a porta-voz desancara a mídia imperial – Bloomberg, New York Times, Washington Post, CNN, The Sun e congêneres por sua sede de sangue: “eles queriam mostrar batalhas”.
Na reunião do CS, o vice-ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergei Vershinin, apelou aos membros do conselho para não transformarem a reunião “em um circo”, com a apresentação de uma “acusação infundada dizendo que a Rússia supostamente atacaria a Ucrânia”.
“Acho que já tivemos especulações suficientes sobre isso”, disse Vershinin. “Há muito tempo esclarecemos tudo e explicamos tudo.”
Na reunião do CS da ONU, antes de expor planos fantasiosos de como os russos iriam tomar o país vizinho, Blinken, sabendo que estava pisando em solo de areia movediça – quem não se lembra da performance de seu antecessor, Colin Powell, ali mesmo, em 2003, com um tubinho com pó branco e invencionices das ‘armas de destruição em massa’? -, asseverou que estava lá no Conselho, não para “causar uma guerra” mas para “evitar uma”.
Na prática, a ida surpresa de Blinken serviu para duas coisas: ecoar o “terrorismo informacional” expressado por Biden pela manhã e para impedir qualquer discussão séria sobre como fazer Kiev cumprir com os acordos de Minsk e respectiva resolução do CS. Desde outubro, diariamente Washington anuncia que a invasão da Ucrânia “é iminente”.
Ao CS, Blinken asseverou que seria com uma operação de bandeira trocada que a Rússia desencadearia a “invasão”. “Nós não sabemos exatamente” o pretexto – um “chamado bombardeio terrorista” dentro da Rússia, um ataque de drone encenado, “um ataque falso, até mesmo real… usando armas químicas”, disse com o maior cinismo.
A bem da verdade, operações de bandeira trocada não são o tipo de ação tipicamente russa, enquanto insistem em aparecer ao longo da história dos Estados Unidos sistematicamente: o “incêndio do Maine” no porto de Havana, no século XIX; o “incidente no Golfo de Tonkin”, na guerra do Vietnã; o tubinho de pó de Powell no CS da ONU.
Ainda, aquele plano mirabolante para explodir cidades nos EUA e até matar um herói astronauta para jogar a culpa nos cubanos, do Estado Maior do Pentágono, a Operação Northwoods, que o presidente Kennedy se recusou a endossar. Talvez só mesmo os nazistas gostem mais desse tipo de operação.
O sempre otimista porta-voz do Kremlin, Peskov, descobriu um aspecto positivo na alucinada peroração de Blinken sobre a “invasão iminente” da Ucrânia, por este ter solicitado uma reunião com seu homólogo, Lavrov.
Também na quinta-feira a Rússia formalizou a entrega da sua reação à resposta dos EUA sobre as propostas russas para restauração da segurança coletiva e indivisível na Europa, cujo teor de 11 páginas já foi divulgado publicamente, para evitar distorções.
Foi tornado público ainda que a Rússia, em reciprocidade à expulsão de um diplomata seu pelos EUA, havia expulsado o vice-embaixador norte-americano, que já está a caminho de casa.
Por trás desse pendor do presidente Biden por açular a guerra na Ucrânia está o velho costume nos EUA de jogar a chamada cartada externa para resolver crises domésticas.
Já funcionou várias vezes, inclusive quando Bill Clinton se safou do escândalo Monica Levinski bombardeando a Iugoslávia e o Iraque. É o que os americanos chamam de “wag the dog”, quando é o rabo que balança o cachorro.
A poucos meses das eleições intermediárias de novembro, cujas expectativas parecem cada vez piores, o vetusto presidente se vê encurralado pela queda recorde na popularidade, pela maior inflação em 40 anos e próxima alta de juros, pela incapacidade de aprovar seu principal pacote econômico no Congresso e com o país a poucos dias de chegar a 1 milhão de mortos pela Covid.
Depois, há os vínculos sentimentais: seu filho, Hunter, foi agraciado depois do golpe CIA-nazis de 2014 com um muito bem remunerado cargo de diretor em uma empresa de um oligarca ladrão do setor do gás.
Como vice de Obama, era ele que regularmente telefonava para o então presidente ucraniano Yanukovich para exigir que não aplastasse os ‘manifestantes’ de Maidan e que ‘o acordo’ estava a caminho. Reza a lenda que, prestes a ser derrubado, em seu último telefonema a Biden, ouviu deste que “você está um dia e um dólar atrasado”.