"É hora de cicatrizar os Estados Unidos", disse Biden, ao lado da vice Kamala, no discurso da vitória

O presidente eleito Joe Biden, em seu discurso da vitória na noite de sábado, em Wilmington, Delaware, anunciou que chegou a “hora da cura e da cicatrização” nos Estados Unidos: a campanha acabou e “os americanos nos chamaram para que marchemos juntos com a força da justiça, da ciência e da esperança”. Citando a Bíblia, ele lembrou que “para tudo há um tempo, para construir, plantar, colher, curar”. “E este é o tempo da cura na América”, fez questão de registrar.

Biden assumiu o compromisso de “unificar, e não dividir” e chamou todos os norte-americanos a marcharem juntos. “Vou governar para todos os americanos, não apenas os democratas”, afirmou.

Biden, que completa 78 anos este mês, será o presidente mais velho no início de seu mandato, depois de uma campanha que virou um referendo sobre Trump. Nas ruas do país, manifestantes foram às ruas comemorar que “acabou Trump”. A posse será no dia 20 de janeiro e, até lá, Trump pode fazer muito estrago.

“As pessoas desta nação se fizeram ouvir e nos deram 74 milhões de votos”, destacou Biden, confessando que “se surpreendeu” com a festa nas ruas. “O povo desta nação falou. Eles nos deram uma vitória clara. Uma vitória convincente. Uma vitória para ‘Nós, o Povo’”.

“Estou feliz pela confiança depositada em mim. Eu garanto que vou ser um presidente que não quer dividir, mas unificar. Que não vê estados vermelhos [republicanos] ou azuis [democratas], mas que vê os Estados Unidos”, enfatizou.

Biden – cujo lema de campanha era “resgatar a alma da América” – disse que era hora de “baixar a temperatura, de ouvir um ao outro e de fazer progressos para tratar os oponentes não mais como nossos inimigos. Não são nossos inimigos. São americanos”.

Dirigindo-se diretamente aos eleitores de Trump, Biden disse “entender sua decepção esta noite. Eu mesmo perdi algumas eleições. Mas agora, vamos dar uma chance um ao outro. É hora de colocar de lado a retórica dura”.

Declaração que contrasta com as tentativas de Trump de cristalizar a divisão na sociedade norte-americana, sob falsidades como a de que a eleição foi “fraudada” e que foi ele que “venceu por larga margem” nos “votos legais”. Ou conclamações de “Parem o Roubo”.

Biden saudou sua companheira de chapa Kamala Harris, de quem disse que “fará história como a primeira mulher, a primeira mulher negra, a primeira mulher descendente do sul da Ásia e a primeira filha de imigrantes a ser eleita para um cargo nacional neste país” .

COALIZÃO

O presidente eleito se disse “orgulhoso da coalizão que formamos, a mais ampla e diversa da história. Democratas, republicanos e independentes. Progressistas, moderados e conservadores. Jovem e velho. Urbano, suburbano e rural. Gay, hetero, transgênero. Branco. Latino. Asiático. Americano nativo”.

E – destacou – “a comunidade afro-americana”, da qual disse que se levantou em seu apoio “especialmente nos momentos em que a campanha estava em seu ponto mais baixo “.

Vejam vídeo com a celebração da vitória de Biden sobre Trump:

Biden chamou a “derrotar o desespero” e reconstruir a nação. Dizendo-se “um democrata orgulhoso”, ele reiterou que irá governar “como um presidente americano”. “Vamos acabar com essa demonização da América. Vamos fazer com que isso acabe, aqui, e agora”, convocou.

Biden advertiu que “essa recusa” entre democratas e republicanos de não cooperarem “não é uma força misteriosa fora do controle”. É uma “escolha que fazemos”, acrescentando que “se pudemos decidir não cooperar, então podemos decidir cooperar”.

Dar fim à polarização em curso no país “é parte do mandato que nos foi dado pelo povo americano”, sublinhou. “Eles querem que cooperemos no interesse deles”.

INFLEXÃO

Biden assinalou que os EUA sempre foram moldados “por pontos de inflexão – por momentos em que tomamos decisões difíceis sobre quem somos e o que queremos ser”. “Lincoln em 1860 – vindo para salvar a União. FDR [Franklin Delano Roosevelt] em 1932 – prometendo a um país sitiado um New Deal”, destacou. Ainda, “JFK em 1960 – prometendo uma Nova Fronteira. E há doze anos – quando Barack Obama fez história – e nos disse: ‘Sim, nós podemos’.”

“Estamos novamente em um ponto de inflexão. Temos a oportunidade de derrotar o desespero e construir uma nação de prosperidade e propósito. Nós podemos fazer isso”, assinalou. “Devemos restaurar a alma dos Estados Unidos”.

Entre as batalhas à frente, Biden enumerou o controle da Covid. “Não podemos consertar a economia, restaurar nossa vitalidade ou saborear os momentos mais preciosos da vida – abraçar um neto, aniversários, casamentos, formaturas, todos os momentos que mais importam para nós – até que tenhamos esse vírus sob controle”

O presidente eleito anunciou já para esta segunda-feira a nomeação de um grupo de cientistas como Conselheiros de Transição para a questão da Covid. Sob Trump, os EUA se tornaram recordistas mundiais em mortes pela pandemia (232 mil) e contágios (mais de 9 milhões).

KAMALA: “NOSSA DEMOCRACIA ESTEVE EM JOGO”

Em seu pronunciamento, que antecedeu a Biden, a vice Kamala Harris afirmou que “nossa democracia estava em jogo nessa eleição”, acrescentando que a escolha dos norte-americanos foi pela “ciência e verdade” .

Kamala homenageou as mulheres negras, que chamou de “espinha dorsal da nossa democracia”. Disse, ainda, ser “a primeira mulher” a ocupar a função, mas “não a última”, porque cada garotinha “que me vê hoje, vê que esse é um país de possibilidades”.

Kamala é filha de imigrantes, um estudante negro jamaicano e uma estudante indiana, que chegaram aos EUA em meio à luta pelos direitos civis. Lembrando a mãe, que tinha então 19 anos, a vice disse estar pensando “nela e nas gerações de mulheres negras, asiáticas, brancas, latinas e indígenas que, ao longo da história de nossa nação, pavimentaram o caminho para o nosso país nessa noite”.

Ela agradeceu às gerações anteriores: “mulheres que lutaram e que se sacrificaram por igualdade, por liberdade e por justiça para todos”.

Inclusive – salientou – “as mulheres negras que muitas vezes são esquecidas, mas que são a base de nossa democracia. Todas as mulheres que trabalharam para poder votar e mudar a lei do voto”. E completou: “agora, com essa geração de mulheres que depositou seu voto e continuou a lutar pelo direito de votar e serem ouvidas”.

Outras questões urgentes a serem enfrentadas pelo governo Biden será reverter a saída dos EUA do Acordo do Clima de Paris, recém concluída, e da Organização Mundial da Saúde (OMS). Também, o vencimento, em fevereiro do próximo ano, do único tratado de prevenção da guerra nuclear que resta, o Novo Start III. A comemoração foi encerrada com fogos de artifício e manobras aéreas configurando o número 46. Biden será o 46º presidente dos EUA.