"Não consigo respirar': Biden anuncia medidas iniciais contra o racismo.

Por meio de ordens executivas (decretos presidenciais que não precisam de aval do Congresso), o presidente Joe Biden iniciou o cumprimento de seu compromisso de campanha de enfrentar o racismo institucionalizado nos Estados Unidos, ordenando o fim dos contratos com as prisões privadas ao Departamento de Justiça, a revisão das políticas no sentido da anti-discriminação em todos os níveis federais, o restabelecimento da soberania tribal dos povos originários norte-americanos, tirada por Trump, e o combate à xenofobia contra os americanos de ascendência asiática.

Desigualdades que foram exacerbadas pela devastação trazida pela pandemia de Covid-19, e impulsionadas por medidas assinadas nos quatro anos de mandato tóxico de Trump. “Agora é hora de agir”, disse Biden na terça-feira (26).

“Nós nunca honramos completamente os princípios fundadores deste país – para dizer o óbvio – de que todas as pessoas são criadas iguais e têm o direito de serem tratadas igualmente enquanto viverem”, acrescentou.

“Precisamos fazer da questão da igualdade racial não apenas uma questão de algum departamento do governo. Tem que ser um assunto do governo inteiro”, afiançou.

Ele afirmou, ainda, que reduzir a desigualdade social irá impulsionar a economia para toda a população: “Quando levantamos uns aos outros, somos todos levantados”.

O esforço para cumprir com essa agenda caberá ao Conselho Político Doméstico, liderado pela ex-conselheira de segurança nacional de Obama e ex-embaixadora dos EUA na ONU, Susan Rice.

Além de apoiar as medidas pela igualdade racial, o Conselho atuará junto com o Conselho de Segurança Nacional para conter a ameaça do extremismo doméstico de parte dos supremacistas brancos e grupos análogos. “Estamos levando isso seriamente em conta”, afirmou Rice.

Ao anunciar as medidas, Biden apontou que o assalto ao Capitólio feito por apoiadores de Trump foi conduzido por “bandidos, insurrecionalistas, extremistas políticos e supremacistas brancos”. Mas, enfatizou, a grande maioria dos norte-americanos “acreditam na igualdade”.

“Um grande passo inicial”, saudou Derrick Johnson, presidente da maior entidade de defesa dos direitos dos afroamericanos, a Associação Nacional Para o Progresso das Pessoas de Cor (NAACP, na sigla em inglês). Essa agenda contra a discriminação foi também discutida previamente com os líderes do movimento Black Lives Matter, durante a preparação das ações dos primeiros 100 dias de mandato.

Ao Departamento de Habitação e Desenvolvimento Urbano, o presidente orientou a fortalecer políticas de habitação anti-discriminatórias e a fiscalização, postas de lado pelo ex-presidente Donald Trump.

A ordem executiva que repele a discriminação contra americanos de origem asiática é uma virada de 180 graus em relação ao mandato de Trump, que cunhou, para esconder seu negacionismo e inação diante da pandemia, o termo ofensivo “vírus chinês”. O que resultou em uma escalada da xenofobia contra asiático-americanos de qualquer procedência e até das ilhas do Pacífico.

Sobre George Floyd, Biden disse que a morte dele “abriu os olhos de milhões de americanos e de milhões de pessoas no mundo inteiro”. No ano passado, os EUA viveram os maiores protestos contra o racismo e a injustiça desde Martin Luther King, após o linchamento dele, em custódia, por um policial branco, no meio da rua.

Os negros norte-americanos também foram especialmente penalizados pela pandemia. Não só pela devastação econômica: pacientes negros têm quase três vezes mais chances de morrer de coronavírus, enquanto os últimos a receberem a assistência financeira emergencial do Programa de Proteção da Folha Salarial foram os negócios de propriedade de negros.

Outra chaga é o encarceramento em massa. Estados Unidos é o país de maior número de presos do mundo, desproporcionalmente negros, em razão de legislações absolutamente desiguais e júris teleguiados.

“Para reduzir os níveis de encarceramento, devemos reduzir os incentivos ao encarceramento com base nos lucros, o que deve ser feito descartando a dependência do governo federal de instalações de detenção criminal operadas privadamente”, disse Biden. A ordem executiva retoma a política adotada no final do governo Obama, e revogada imediatamente por Trump.

De acordo com um relatório da Inspeção Geral do Departamento de Justiça, as prisões privadas tiram proveito dos prisioneiros federais e são menos seguras, tanto para os réus quanto para os guardas.

No entanto, a medida terá ainda um alcance limitado, pois só 116.000 dos mais de dois milhões de presos estavam reclusos em estabelecimentos privados em 2019, sendo 7% em prisões estaduais e 16% em federais, segundo o Departamento da Justiça.

Ao assinar as quatro medidas, Biden também reiterou seu apoio à restauração e expansão da Lei John Lewis de Direito de Voto – aprovada na Câmara e bloqueada no Senado pelos republicanos -, que combate a supressão do voto da minoria negra. Em grande parte, essas e outras medidas dependem da aprovação pelo Congresso, cujo controle foi recém retomado pelos democratas.