O secretário de Meio Ambiente e Sustentabilidade de Pernambuco e dirigente do PCdoB, José Bertotti, concedeu entrevista à revista online INSID Magazine, de dezembro, editada pelos Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia  e pelo Instituto Nacional de Sistemas de Informação e Decisão  (INCT-INSID), na qual ele analisa os desafios da gestão pública e as políticas ambientais do governo de Pernambuco.

“Na área pública, você tem que ter a noção da quantificação de custos e da sua limitação de recursos. Eles não são ilimitados. Nem os recursos públicos, nem os recursos naturais. A tomada de decisão no setor público envolve diferentes fatores e deve ser alicerçada por informações adequadas. Os modelos de apoio à decisão são extremamente úteis para auxiliar a investigação e proposição de boas políticas”, explicou José Bertotti.

 

Leia a íntegra:

 

INSID Magazine: Faça um breve resumo da sua formação e da sua carreira

José Bertotti: Sou José Bertotti, nascido em Caxias do Sul (RS), nas Serras Gaúchas. Sou graduado em Química Industrial pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRS) e mestre em Engenharia de Produção pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Atualmente, estou fazendo o doutorado profissional em Engenharia de Produção, também pela UFPE.

Em 1997 eu passei a morar no Recife e militar politicamente na região. Em 2008 assumi o comando da Secretaria Municipal da Assistência Social e na sequência a Secretaria de Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento Econômico da Prefeitura do Recife. Em 2013 assumi a Secretaria Executiva de Ciência e Tecnologia de Pernambuco. Nesse período à frente desta Secretaria, eu me titulei mestre em Engenharia de Produção pela UFPE. Entre 2015 e 2016, eu saí da administração estadual para coordenar a representação regional do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação no Nordeste.

Em janeiro de 2019, aceitei um novo desafio proposto pelo governador de Pernambuco, Paulo Câmara: comandar a Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas). Desde então, venho imprimindo uma forte marca na estruturação das políticas climáticas do Estado, na criação de novas Unidades de Conservação, na defesa do patrimônio natural dos pernambucanos, na ampliação dos espaços de participação da sociedade civil e no desenvolvimento econômico do Estado em bases sustentáveis.

Você pode nos falar um pouco sobre as pesquisas que você desenvolveu na temática de Sistema de Informação e Decisão?

A primeira pesquisa que eu tive a oportunidade de trabalhar no tema de sistema de informação e apoio a decisão, foi quando iniciei meu trabalho de mestrado onde propus um modelo para a estruturação de um sistema estadual de parques tecnológicos. Não foi estruturada formalmente como política pública do sistema estadual, mas na prática o Governo do Estado de Pernambuco articulou a academia, o setor produtivo e as nossas universidades, direcionando políticas públicas apoiadas nesses ambientes, que são os chamados parques tecnológicos.

Uma outra pesquisa que foi desenvolvida também dentro da academia, sob orientação do professor Abraham Sicsú, foi o estudo do nível de inovação tecnológico dos países, focando na necessidade da constituição de um ranking de inovação que pudesse levar em consideração os países e a comparação entre o nível de maturidade dessa inovação, e que não levasse em consideração somente o volume de recursos investidos para o país. A partir daí ficou claro que há uma complexidade nas cadeias produtivas, que leva a uma relação profícua com o processo de inovação, mas também a um conjunto de fatores base, a formação de nível superior e o estoque de profissionais formados que atuam nas cadeias produtivas inovadoras. Isso me motivou a voltar para a academia para desenvolver um doutorado profissional.

Como você começou a se envolver com a estruturação de problemas com uso de ferramentas formais de apoio à decisão?

Na realidade eu comecei a me envolver com ferramentas de apoio a decisão de uma maneira inicialmente, posso até dizer empírica, quando eu comecei a trabalhar na gestão pública. Na gestão pública você tem que trabalhar com prazos, com orçamentos e com programas definidos e previamente autorizados em lei. Eu aprendi que na gestão pública você só pode fazer aquilo que está autorizado; se não está autorizado, você tem que criar uma política pública que seja formalmente votada pelo legislativo e lhe autorize. Portanto, ao trabalhar com planos plurianuais, com leis de diretrizes orçamentárias e com leis orçamentárias, é necessário que haja uma melhor estruturação dos órgãos de governo quanto a implementação das políticas públicas. Hoje percebo que os métodos formais de estruturação de problemas são fundamentais para alcançar bons resultados.

Uma experiência que eu considero bastante exitosa está em andamento na secretaria Estadual de Meio Ambiente e Sustentabilidade, é o plano estadual de descarbonização e a gestão de todo o patrimônio ambiental e o trabalho de licenciamento e de fiscalização das cadeias produtivas de Pernambuco. O Fórum Pernambucano de Mudança do Clima funciona de forma permanente há 12 anos, mas foi reestruturado em 2019 quando iniciamos, em parceria com a União Europeia, a construção de um plano de descarbonização da economia de Pernambuco que vai ser entregue em março de 2022. Estamos adotando modelos já propostos pela academia para constituir as metas de redução dos gases de efeito estufa como o criado pela UFRJ, com adaptações e com o apoio das Universidades Federais de São Paulo e de Minas; nos estudos do Plano de Descarbonização, estamos com o apoio das importantes universidades daqui de Pernambuco como a UFPE, UPE, UNICAP e o IFPE, além da iniciativa privada e das entidades da sociedade civil.

Esse plano tem que, a partir da análise de quais são as emissões que a gente tem, e quais são as alternativas tecnológicas, propor uma política pública de descarbonização e incentivo ao desenvolvimento econômico, com a geração de empregos sustentáveis e mais valorizados. O próximo desafio será constituir também um plano de implementação dessas metas de descarbonização, que rume para o carbono neutro em 2050.

De forma geral, cite exemplos de algumas complexidades de processos decisórios típicos do setor público.

De maneira geral, na área pública a primeira questão é que você não pode fazer nada que não esteja autorizado em lei. É diferente da iniciativa privada. Na área pública você não pode fazer nada que não esteja previsto. Assim, há necessidade de planejamento de estruturação de políticas públicas que sejam previamente debatidas na sociedade e tenham um mínimo de consenso para terem maioria e serem aprovadas. São ações complexas, pois determinadas questões precisam ser resolvidas de maneira urgente e se o planejamento não acontece, o problema efetivamente surge. Se um problema não for devidamente analisado do ponto de vista do risco e da ameaça, danos à sociedade podem ser gerados e teremos muita mais dificuldade para enfrentar o problema.

Acho que um desafio para o Brasil hoje é a questão da Indústria 4.0 e a mudança de paradigma que essa nova indústria impõe a todos os eixos da sociedade. Também não posso deixar de comentar a questão do enfrentamento à pandemia da SARS-CoV-2. No que tange os processos decisórios, vi várias falhas no enfrentamento à pandemia por falta de uma coordenação política e central mais adequada. Porém, vi também excelentes iniciativas como o SIDTriagem, um sistema de informação desenvolvido com participação de docentes do PPGEP/UFPE e médicos para alocação de leitos.

Na área pública, você tem que ter a noção da quantificação de custos e da sua limitação de recursos. Eles não são ilimitados. Nem os recursos públicos, nem os recursos naturais. A tomada de decisão no setor público envolve diferentes fatores e deve ser alicerçada por informações adequadas. Os modelos de apoio à decisão são extremamente úteis para auxiliar a investigação e proposição de boas políticas. As experiências acadêmicas têm me enriquecido, tanto na área de pesquisa, quanto na área de ensino. Sou professor na área de engenharia de produção, e tenho procurado falar da importância de se ter sistemas de informação e apoio à decisão.

Que potenciais desafios de pesquisa você indicaria como relevantes para a área de meio ambiente e sustentabilidade para os próximos anos?

Nossa expectativa é que possamos chegar aos grandes acordos para o enfrentamento das mudanças climáticas, pois 80% das emissões de gases poluentes estão concentradas em 20 países, exatamente aqueles países do G20, que se reuniram um pouco antes da COP-26. Não vimos, efetivamente, como esses países se comprometeram com a redução, por exemplo, do uso de carvão, com a redução do uso de combustíveis fósseis. Na realidade, muitos desses países, inclusive o Brasil, ainda fazem subsídios para este tipo de energia que contribui para o aquecimento global. É neste sentido que precisamos firmar compromissos. Não é tão somente o mercado de carbono que vai resolver, não é a troca de emissões de países desenvolvidos por países que ainda estão em desenvolvimento que solucionará a questão climática no planeta, e sim um novo modelo de desenvolvimento que utilize energias limpas, trate os resíduos sólidos, que possa recuperar a imensa camada de proteção do nosso planeta, que são as nossas florestas.

Trata-se de uma série de questões complexas que certamente os estudos desenvolvidos pelo INCT-INSID e aplicações de ferramentas de apoio à negociação e decisão poderão ser extremamente úteis. O Governo de Pernambuco, através das ações que nós que fazemos a Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade de Pernambuco, assumiu compromissos concretos, mas é necessário que todos os países se envolvam.

 

(PL)