A resistência da capitã Carola fez com que todos os holofotes na União Europeia tenham sido acesos sobre o caso

A Alemanha exigiu que a Itália liberte a capitã do navio humanitário Sea-Watch 3, presa por ter atracado na ilha de Lampedusa no último sábado (29) para desembarcar 40 imigrantes que resgatara há duas semanas no Mediterrâneo. “Do nosso ponto de vista, seguindo o procedimento legal, só a libertação de Carola Rackete pode acontecer, que é o que eu vou deixar claro para a Itália”, declarou o ministro das Relações Exteriores alemão, Heiko Maas.

“Nós nos opomos à criminalização do resgate marítimo”, acrescentou Maas, apontando que “resgatar vidas é uma obrigação humanitária”.  Na segunda-feira (1º), a capitã Carola, de 31 anos, compareceu a uma audiência em um tribunal italiano em que foi acusada de “ajudar no tráfico de pessoas” e de “resistência ou violência contra um navio de guerra” – esta última, uma ofensa pela qual ela poderia ser sentenciada a até 10 anos de prisão na Itália.

Também o presidente alemão, Frank-Walter Steimemeier, condenou a detenção da capitã Carola. “A Itália não é um país qualquer, a Itália está no centro da União Européia e, portanto, podemos esperar que um país como a Itália cuide do caso de uma maneira diferente”, declarou.

Segundo a capitã, a situação dentro do navio estava “extremamente tensa, com “pessoas exaustas e desesperadas”, após aguardar 16 dias por uma decisão do governo italiano. O resgate ocorrera nas costas da Líbia no dia 12 de junho. Para poder entrar no porto de Lampedusa, o Sea-Watch 3 precisou fazer uma manobra arriscada, na madrugada de sexta-feira para sábado, atropelando uma lancha da polícia de fronteira italiana que tentava bloquear o caminho.

A xenofobia preconizada pelo vice-primeiro-ministro italiano, Matteo Salvini, de que sua política de portos fechados é o grande marketing, rendeu muitos votos à Liga Norte nas recentes eleições para o parlamento europeu.

Aos jornais italianos, Carola afirmou que “este desembarque deveria ter ocorrido há mais de duas semanas e deveria ter sido coordenado em vez de dificultado pelas autoridades”.

A capitã denunciou ainda que “os governos europeus em seus escritórios com ar condicionado jogaram com a vida dessas pessoas por mais de 16 dias. Isso é desumano, inaceitável e provavelmente contra todas as constituições que essas pessoas afirmam representar”. Ela se declarou, ainda, “disposta a enfrentar as conseqüências de minhas decisões, como é de se esperar de um capitão”. “E o senhor Salvini?”, questionou.

EMPURRA-EMPURRA

A resistência da capitã Carola fez com que todos os holofotes na União Europeia tenham sido acesos sobre o caso, fazendo com que a França se mostrasse disposta a receber 13 refugiados, a Alemanha se responsabilizasse por 10 e a Finlândia, por oito. Os demais irão para Luxemburgo e Portugal.

A questão também foi discutida pela primeira-ministra Angela Merkel, na cúpula europeia, com o primeiro-ministro italiano Giuseppe Comte, cujo governo de composição Cinco Estrelas-Liga está dividido sobre a crueza na política anti-imigração. O vice-primeiro-ministro Salvini diz que seu decreto expulsando a capitã já está pronto.

Por sua parte, o ministro do Interior francês, Christophe Castaner, declarou que “o fechamento dos portos é uma violação do Direito do Mar”. O chefe da diplomacia de Luxemburgo, Jean Asselborn, em mensagem em uma rede social para seu homologo italiano, Enzo Moavero Milanesi, registrou que “salvar vidas é um dever e não pode ser nunca um delito ou um crime”.

Mas todas essas declarações bem intencionadas não têm como calar a denúncia de Carlota sobre a verdadeira política cometida pela União Europeia com os imigrantes: “é uma vergonha para ambas as palavras – ‘Europa’ e ‘união’, como todos culparam os outros pelo bloqueio, enquanto nenhuma instituição européia estava disposta a assumir responsabilidade até que eu fosse forçado a fazê-lo”.

OPEN ARMS RESGATA MAIS 40

Enquanto o caso do Sea-Watch se aproxima de um desfecho, nas águas do Mediterrâneo outros dramas se repetem. Na segunda-feira, o barco espanhol Open Arms socorreu outros 40 náufragos – inclusive quatro bebês e três mulheres grávidas -, com sintomas claro de desidratação depois de três dias à deriva em uma embarcação de madeira.

A tripulação cuidou deles, forneceu-lhes água e alertou as autoridades maltesas. Seguindo suas instruções o Open Arms vem monitorando a embarcação até que entre em águas italianas, explicou o chefe da missão, Ricardo Gatti.

Horas antes, as autoridades líbias anunciaram a interceptação de vários barcos com 391 migrantes no Mediterrâneo nas últimas 72 horas. Os migrantes foram levados para centros de detenção em Khoms e na vizinha Zintan.

Segundo a Organização Internacional para as Migrações (OIM), ligada à ONU, um total de 597 imigrantes morreu no mar enquanto tentavam chegar às costas da Europa desde o início de 2019. Destas, 343 foram na chamada “rota central”, a mais letal das três principais rotas, e que começa nas costas da Líbia. Ainda segundo a OIM, nos primeiros seis meses deste ano houve uma redução de 35% na entrada de imigrantes ilegais na Europa em relação a igual período do ano passado. Foram 27.834.