Bruno e Dom desapareceram na Amazônia

O mundo cobrou mais empenho do governo brasileiro nas buscas de Bruno Pereira e Dom Phillips achando que a demora nas operações de busca era apenas um problema de ineficiência ou mesmo descaso. Mas, a entrevista do delegado Alexandre Saraiva, ex-superintendente da Polícia Federal na Amazônia, na terça-feira (14), revelou que o conluio do atual governo brasileiro com os criminosos da região é muito mais grave. As relações entre governistas e garimpeiros e madeireiros são intensas.

Bruno Pereira, ainda como dirigente da Funai local, tinha participado junto com o delegado Alexandre Saraiva da Operação Handroanthus, da PF, que fez a apreensão de 43 mil toras de madeira ilegal contrabandeada na Amazônia. Foi a maior apreensão já ocorrida em toda a história do Ibama.

Na ocasião, o então ministro do Meio Ambiente de Bolsonaro, Ricardo Salles, bateu de frente com o delegado, acobertou e deu total apoio aos criminosos. Chegou a fazer uma visita oficial às madeireiras ilegais. Por ordem sua, Bruno Pereira foi exonerado do cargo que ocupava. Nesta época Bolsonaro também exonerou Saraiva do cargo de superintendente da PF na região.

Agora, Jair Bolsonaro deixa ainda mais evidente o seu envolvimento direto com essas atividades ilegais. Ele mostra extrema má vontade nas buscas pelos desaparecidos. Chegou a afirmar, como fez nesta quarta-feira (15), que o jornalista inglês Dom Phillips era “malvisto” na região amazônica devido à cobertura que ele fazia de questões ambientais e a denúncias de irregularidades envolvendo garimpo ilegal. As “bases” de Bolsonaro reclamavam muito como ele do trabalho de denúncia que o jornalista inglês vinha fazendo.

O jornalista e o indigenista eram personas non gratas para estes grupos. Os dois estavam incomodando muito as atividades “econômicas” dos bolsonaristas na região amazônica, ou seja, garimpo ilegal, desmatamento, etc.

Bolsonaro já havia afastado servidores do Ibama que fiscalizavam e muitas vezes queimaram balsas de garimpeiros ilegais e máquinas usadas no desmatamento na Amazônia. Foram divulgados vídeos na época, pelos defensores dos criminosos, – isto por volta de 2020 e 2021 – onde Bolsonaro aparece recriminando os fiscais e determinando que não se queimasse mais os equipamentos ilegais. Muitas cabeças rolaram. O Ibama foi desmantelado.

O delegado Saraiva detalhou na entrevista à Globonews, o que ele chamou de ampla cobertura política dos criminosos. “Esses criminosos têm muito respaldo político”, disse. “Boa parte dos políticos do centrão vieram desta região. Eles são financiados por esses grupos. Telmário Mota, Messias de Jesus, até Jorginho Mello, de Santa Catarina, mandou ofício”, acrescentou. “A deputada Carla Zambelli foi lá defender madeireiros, junto com Ricardo Salles. Ou seja, nós temos uma bancada do crime”, denunciou Saraiva.

“No dia que eu fui a uma audiência pública na Comissão de Legislação Participativa na Câmara, me deparei com uma bancada agressiva defendendo os criminosos. E olhe que eu já participei de muitas audiências criminais, na presença de bandidos que ficavam na minha frente, mas eu nunca fui tão desrespeitado pelos criminosos ali presos, como naquele dia na Câmara Federal. Os deputados estavam fazendo uma nítida defesa do crime”, acrescentou o policial.

Alexandre Saraiva contou ainda que os criminosos que atuam na Amazônia têm boa parte dos políticos da Região Norte no bolso e grande respaldo nas bancadas governistas. Entre os nomes citados pelo ex-superintendente da Polícia Federal do Amazonas está o do senador Zequinha Marinho, do PL, mesmo partido de Bolsonaro.

Saraiva prosseguiu dizendo que há uma coleção de ofícios de senadores de diversos estados da Amazônia enviados para seus superiores como forma de pressão. “Tem ofício dizendo que eu estava ultrapassando os limites da lei, que estava cometendo abuso de autoridade. Teve senador junto com madeireiros me ameaçando”, declarou. A declaração de Alexandre Saraiva foi dada durante entrevista para o programa Estúdio I, da GloboNews, com Andréia Sadi.

O delegado fez questão de destacar que o senador Zequinha Marinho (PL-PA) estava junto com Ricardo Salles no dia da Handroanthus”, em referência à operação da PF que investigou madeireiras ilegais no Pará e Amazonas. Alexandre Saraiva conclui dizendo: “Ou seja, nós temos uma bancada do crime. Na minha opinião, de marginais, de bandidos.”

Bolsonaro já demonstrou o seu desprezo pelo trabalho de denúncia de Dom Phillips ao insinuar que o jornalista foi culpado pelo próprio desaparecimento. “Esse inglês era malvisto na região porque ele fazia muita matéria contra garimpeiro, questão ambiental. Aquela região lá, região bastante isolada, muita gente não gostava dele. Tinha que ter mais do que redobrado a atenção para consigo próprio. E resolveu fazer uma excursão”, afirmou o presidente. Esse tipo de declaração, praticamente justificando a violência, já tinha causado indignação nos familiares dos dois desaparecidos.

“A gente não sabe se quando saiu do porto, só os dois, alguém viu e foi atrás dele. Lá tem pirata no rio, tem tudo o que se possa imaginar. É muito temerário você andar naquela região sem estar devidamente preparado fisicamente e também com armamento, devidamente autorizado pela Funai. Pelo que parece, não estavam”, prosseguiu Bolsonaro. Em resumo, ele quer dizer que eles não deviam estar fazendo o seu trabalho jornalístico e que, se quisessem fazer, deveriam estar armados para se defenderem. Essa é a visão de Bolsonaro para a região. Um região sem lei. Cada um por si e a violência comendo solta.