Pelo menos um milhão de pessoas foi às ruas nesta sexta-feira em Bagdá, com bandeiras iraquianas, para exigir a imediata retirada das tropas norte-americanas do país. “Fora, América!”, bradou a multidão, na qual podiam ser vistos cartazes como: “às famílias dos soldados americanos – insistam na retirada de seus filhos de nosso país ou preparem seus caixões”.

No início da manhã, os manifestantes – homens e mulheres, jovens e idosos – começaram a se reunir na Praça al Hurriya, no centro de Bagdá, perto da principal universidade da cidade. “Saia, saia, ocupante! Sim à soberania!”, clamaram ainda os manifestantes.Também se viam cartazes com “Não, não, América/ não, não, Israel/ não, não, colonialistas”.

As forças de segurança isolaram as principais estradas da capital, enquanto a Zona Verde – onde fica o palácio de governo, os ministérios e também as representações diplomáticas, inclusive a embaixada gigante dos EUA – foi barricada com barreiras de concreto.

Por sua vez, o principal líder espiritual do Iraque, o aiatolá Ali al Sistani, em mensagem lida durante as orações de sexta-feira na cidade santa de Karbala, convocou os grupos políticos iraquianos a fazerem “o que for necessário” para salvaguardar a soberania do país.

“A soberania do Iraque deve ser respeitada … e os cidadãos devem ter o direito a protestos pacíficos”, acrescentou. Nos últimos meses do ano passado, fortes protestos contra a corrupção e os apagões haviam levado manifestantes às ruas na capital e no sul de maioria xiita.

Sistani pediu ainda que os iraquianos se mantenham unidos, longe de qualquer influência estrangeira na luta contra os perigos que ameaçam o país, e convocou os diferentes grupos iraquianos a aprovarem um novo governo o quanto antes.

Outro dirigente iraquiano descreveu as manifestações desta sexta-feira como uma “segunda revolução” um século após a Grande Revolução Iraquiana de 1920 contra a ocupação britânica.

 

O coro de vozes “nós não queremos a América aqui!” retumbou pelas avenidas de Bagdá, como relatou a Al Jazeera. A enorme marcha acontece menos de um mês após o assassinato, em solo iraquiano, por drone e mísseis norte-americanos, do principal líder militar iraniano, general Qassem Suleimani, e de um vice-chefe de uma milícia iraquiana que teve destacado papel no combate ao Estado Islâmico.

Uma mãe entrevistada pela Reuters no protesto, Aliya al Ajeel, que mora na imensa favela de Sadr City, afirmou que “a ocupação americana nos tirou tudo de nós. Não temos mais nada”.

“Desde 2003, fomos destituídos de nossa dignidade básica e direito de viver uma vida normal. Estamos vivendo em casas decrépitas; não temos emprego, nem salários. Não queremos a América aqui”, completou, expressando o ânimo que move tanta gente às ruas no Iraque.

Foi a invasão, pelo governo de W. Bush, sob a mentira das “armas de destruição em massa” e à revelia da ONU, que levou à devastação do país rico em petróleo, à ocupação que persiste sob diversas formas desde 2003, à imposição de uma constituição sectária escrita em Washington e à corrupção desenfreada.

No momento, há oficialmente cerca de 5 mil soldados, mas um número muito maior de mercenários a soldo do Pentágono (que operam sob “contrato”). A brutal violação da soberania iraquiana cometida com o assassinato de Suleimani levou o parlamento iraquiano a aprovar uma resolução não vinculativa pela retirada das tropas norte-americanas.

 

PETRÓLEO

 

No entanto, os EUA dizem que “não saem” porque suas tropas “são do bem” – embora Trump viva tuitando que o que interessa mesmo “é o petróleo”. O presidente dos EUA também ameaçou confiscar US$ 35 bilhões em reservas do Iraque em uma conta do Fed e exigiu que os iraquianos paguem pelos gastos com as bases, isto é, pela ocupação.

Na manifestação, o líder de um dos dois principais blocos xiitas no parlamento, o clérigo Al Sadr, propôs um cronograma de retirada das forças norte-americanas do Iraque e fechamento de todas as bases dos EUA no país.

Entre as medidas, estão a saída das “empresas de segurança” norte-americanas e o fechamento do espaço aéreo iraquiano aos voos de guerra e inteligência dos EUA. Ele também exigiu o cancelamento de todos os acordos de segurança com Washington “por causa da ausência de equilíbrio internacional neles porque foram aprovados na presença da ocupação”.

O discurso também repudiou a arrogância de Trump ao se referir ao Iraque e instou os países vizinhos a não interferirem nas negociações do Iraque com Washington.

O clérigo também defendeu que o Iraque conclua acordos de não agressão com todos os países vizinhos, recuse a interferência de qualquer parte nos assuntos internos iraquianos e adote o princípio da reciprocidade nas relações externas.

 

 

Em paralelo à manifestação, está repercutindo em Bagdá denúncia, revelada pelo Middle East Eye (MEE), de plano de Washington para se manter no Iraque, por meio da criação de um ‘sunistão’ no oeste do Iraque, na província de Anbar, requentando uma antiga ideia de Joe Biden, de 2007. Plano que levaria às últimas consequências a divisão sectária imposta pela ocupação, agora levando ao desmembramento do Iraque.

Segundo o portal, o projeto está sendo tirado da gaveta e colocado sobre a mesa. “A criação de uma região sunita sempre foi uma opção para os EUA”, acrescentou uma fonte norte-americana a par dos planos. “A unidade do Iraque não é mais uma prioridade para os EUA agora”.

Um deputado de Anbar, Faisal al-Issawi, disse que já começaram “medidas práticas” para formar uma província autônoma nos moldes do Curdistão iraquiano, depois de reuniões em que participaram sauditas, norte-americanos, israelenses e colaboracionistas iraquianos.

Com 31% da área do Iraque,  Anbar tem reservas inexploradas de petróleo, gás e minerais e quatro bases americanas. Se as tropas norte-americanas forem forçadas a deixar o Iraque, teriam que sair também dos campos de petróleo do norte da Síria, porque é das bases em Anbar que essa operação é sustentada.