Autonomia do BC: Para professor, toda decisão econômica é política
O economista Marco Rocha, professor do Instituto de Economia da Unicamp, vê problemas no Projeto de Lei Complementar (PLP) 19/2019, aprovado pelo Senado na semana passada, que prevê autonomia do Banco Central, com mandato de quatro anos para presidente e diretoria e demissão somente mediante análise dos senadores. Para Rocha, a ideia de autonomia ou independência da autarquia, discutida há muitos anos, afasta a política monetária do alcance do escrutínio público.
O economista falou sobre o assunto nesta segunda-feira (9) em live do Portal Vermelho. Segundo Rocha, a noção de independência Banco Central se baseia em dois pressupostos: o de que existem decisões que devem ficar a cargo apenas de um corpo técnico especializado, sem passar pela opinião pública, e o de que a atividade de administração da moeda nacional é neutra.
“São duas ideias falsas. Primeiro, porque não existem decisões que sejam meramente técnicas no campo da economia. Toda decisão vai ter custos e benefícios que vão ser socialmente distribuídos de forma desigual e, portanto, têm que sofrer algum processo de escrutínio da opinião pública. O segundo ponto é que a administração monetária não é neutra, pode ser usada para diversos princípios. Por exemplo, o manuseio da taxa de câmbio e a relação que isso tem com a prática de política industrial”, afirmou.
O economista vê duas questões problemáticas no PLP 19, do senador Plínio Valério (PSDB-AM), que será analisado agora pela Câmara dos Deputados. A primeira é a descoordenação entre o mandato presidencial e o mandato de quatro ano previsto para o presidente do Banco Central. A outra é que as decisões sobre eventuais mudanças na presidência e diretoria da autarquia fiquem a cargo do Senado Federal.
Com relação aos mandatos não-coincidentes, Rocha afirma que um projeto eleito pelas urnas pode ficar inviabilizado a depender da orientação do presidente à frente do BC. “Você pode eleger um presidente com um viés mais desenvolvimentista, por exemplo, que queira aplicar uma política industrial, e essa prerrogativa foi lhe dada pelo exercício das urnas. Portanto, a ideia de se blindar um corpo técnico no exercício de uma política que interfere nas demais políticas sujeitas à opinião pública é uma coisa antidemocrática, para dizer o mínimo”, avaliou.
Ele acredita, ainda, que os mandatos descasados, com o presidente do BC nomeado pelo governo anterior comandando a autarquia por dois anos, seguidos de dois anos de comando do indicado pela gestão atual, pode levar a mudanças bruscas na política econômica.
Com relação ao fato de a decisão sobre eventuais demissões na cadeia de comando do Banco Central ficarem sujeitas ao aval do Senado, Rocha não considera a melhor opção do ponto de vista democrático. “Geralmente, uma certa combinação geral das preferências do eleitorado se expressa no Executivo, no cargo de presidente. A gente está em um sistema presidencialista. Então, tirar essa prerrogativa do presidente também é um processo um tanto questionável. Deveria ser discutido de forma mais ampla”, defendeu.
Apesar das ressalvas ao PLP 19/2019, o economista considera-o menos danoso que o PLP 112/2019, enviado ao Congresso pela equipe econômica do governo Bolsonaro no ano passado. A proposta da equipe de Paulo Guedes concede independência Banco Central, com autonomia técnica, administrativa e financeira, enquanto o outro projeto garante autonomia apenas na implementação da política monetária. No entanto, Rocha disse esperar que o tema seja melhor debatido na Câmara.
“O Senado, em termos econômicos, costuma ser um tanto mais conservador. Então, pode ser que na Câmara [o projeto] encontre mais obstáculos. O andamento foi um tanto corrido. Talvez, passada essa etapa do Senado, tenha mais atenção da sociedade civil à votação desse PL”, comentou.
Assista ao bate-papo na íntegra: