Austrália: calor abrasador e os ventos da tarde impulsionaram incêndios em grandes áreas (Brett Hemmings / Correspondente/Getty Images)

No último dia do ano, mais de 120 fogaréus descontrolados seguiam afligindo a Austrália, que vive a maior onda de incêndios florestais de sua história. Na cidade de Mallacoota, cercada pelas chamas, quatro mil habitantes tiveram que fugir para a praia, e correu mundo a imagem de um homem e seus dois filhos de afastando da costa de barco, para escapar do fogo.

Vem crescendo no país a indignação com a incúria e incompetenção do governo liberal-conservador do primeiro-ministro Scott Morrison, mais conhecido como ‘ScoMo’, desde que, sob sigilo, viajou com a família de férias para o Havaí, enquanto grande parte do país ardia e exatamente no dia em que dois bombeiros morreram no combate às chamas. Acabou tendo de voltar às pressas.

Situação que acaba de se repetir no estado de Nova Gales do Sul, um dos mais afetados, e onde fica a maior cidade australiana, Sydney. O ministro estadual dos serviços de emergência do estado saiu de férias na Grã Bretanha e na França.

“Porque é que temos sequer um ministro dos Serviços de Emergência se ele não está aqui há uma emergência?”, desabafou ao jornal Sydney Morning Herald outro integra do governo local, sob anonimato.

Só no estado de Victoria são mais de 200 mil hectares a área esturricada pelas chamas. Outros dois estados mais afetados são Nova Gales do Sul e Austrália do Sul, mas nenhum estado ficou imune. A capital australiana, Camberra, e Merlbourne foram recenemente incluídas na lista dos lugares com pior poluição atmosférica do mundo devido à fumaça dos incêndios.

A atual temporada de incêndios começou no final de agosto – muito antes do normal, com o verão tendo início na Austrália em dezembro.  2019 foi o ano mais quente já registrado na Austrália e o ano com a menor precipitação registrada.

Além da ojeriza da coalizão liberal-conservadora em tomar medidas de defesa do meio ambiente, sua política neoliberal de podar gastos públicos para permitir cortar impostos de ricaços teve como consequência o sucateamento dos serviços de proteção florestal e o número insuficiente de bombeiros.

O que se agrava nas áreas rurais e povoados, onde são as brigadas de bombeiros voluntários que se viram como podem. E os voluntários ainda têm de deixar seus empregos e negócios às vezes por semanas para salvar suas localidades da destruição.

No estado de Victoria, um dos mais atingidos, o financiamento para o corpo de bombeiros foi reduzido pela metade no ano passado e sua frota de combates a incêndios, segundo o Weekly Times, é “a mais antiga do país”, com mais de 20 anos de utilização.

Relatório revelou que nos últimos cinco anos houve uma redução drástica do número de bombeiros voluntários em todo o país, com quase 17 mil demissões.

O que só agrava recomendação, feita pelo Conselho do Clima em 2015, de que o número de bombeiros profissionais deveria dobrar para pelo menos 22 mil até 2030, para poder dar conta das temporadas mais severas de incêndios florestais previstas em função do aumento das temperaturas registradas.

O órgão, na época, também solicitou o aumento do investimento em equipamentos mais sofisticados de combate aos grandes incêndios.

O ex-comissário das brigadas de incêndio e resgate de Nova Gales do Sul, Greg Mullins, responsabilizou o primeiro-ministro Morrison pela atual crise, por não ter preparado adequadamente o governo para a temporada de incêndios prevista: “Foi isso que 28 outros chefes de bombeiros e eu tentamos alertá-lo em abril ou maio”. “Não nos ouviram”, relatou à rádio ABC. “Me lembra o presidente Trump quando há vários tiroteios em seu país. Ele não diz nada sobre armas. Temos que falar sobre mudanças climáticas”.

O resultado são as cenas dantescas, com regiões mais parecendo zonas de guerra, dezenas de milhares de pessoas acuadas em vilarejos ameaçados, estradas engarrafadas de veículos em fuga e até mesmo pessoas aglomeradas nas praias e se jogando na água, para escapar dos fogaréus. E bombeiros desaparelhados tentando conter as paredes de chamas.

Em número de vítimas, a atual temporada de incêndios ainda é menos letal do que a do sábado negro de 2009, em que morreram 176 pessoas. Mas em termos da biodiversidade, trata-se de um dano monstruoso. São cenas de impacto, de coalas sabe-se lá como sobreviventes do inferno, ou cangurus em meio à paisagem devastada. Fala-se em espécimes que podem ter sido extintas.

“É provável que muitos dos animais afetados tenham morrido diretamente nos incêndios, enquanto outros sucumbiram mais tarde devido ao esgotamento de alimentos e falta de abrigo, além da predação por outros animais selvagens”, disse ao The Sydney Morning Herald um porta-voz acadêmico.

Apesar dos fogos não andarem longe de Sydney e das temperaturas rondarem os 40ºC na cidade, atualmente em alerta máximo de risco de incêndio, as autoridades decidiram manter o tradicional fogo de artifício, um dos maiores do mundo, para marcar a entrada em 2020. A decisão contraria a vontade de uma petição que juntou 275 mil pessoas a apelar ao cancelamento do evento e que os milhões gastos no fogo de artifício fossem dirigidos para o combate aos fogos.