Em março, o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central aumentou a Selic, taxa básica de juros, em 0,75 ponto percentual, para 2,75% ao ano. Na ata do encontro, o Copom sinalizou que deve promover novos aumentos. No mais recente boletim Focus, analistas do mercado financeiro projetam a Selic em 5,50% ao ano no fim de 2021 e 6,13% ao ano no final de 2022.

O motivo alegado para a elevação no momento em que a economia está em risco de se retrair novamente é a pressão inflacionária. A taxa básica de juros é o principal instrumento do Banco Central para controlar a inflação, um dos objetivos a serem perseguidos pela autoridade monetária. Mas será que a elevação dos juros, que deve dificultar ainda mais a recuperação econômica, é a melhor solução?

Para responder a esta pergunta, é preciso entender como funciona a dinâmica entre juros e inflação e, ainda, o que está causando a aceleração da inflação sobre os alimentos e outros bens.

O economista Gilliad de Souza Silva, professor da Universidade Federal do Sudeste do Pará (Unifesspa) e membro da Rede de Economistas Pretas e Pretos (Repp), explica que, embora o senso comum veja a inflação como um aumento generalizado de preços, a definição é mais complexa.

“É a perda do poder de compra da moeda. O aumento generalizado de preços é o modo como a inflação aparece para as pessoas. Não é o aumento do preço da gasolina, do medicamento. É a moeda desvalorizada”, diz. O aumento dos juros a fim de conter a inflação está relacionado justamente ao efeito que a elevação pode ter para reverter o processo, isto é, valorizar a moeda.

“A taxa básica [Selic] é a taxa de referência que o governo utiliza para pagar suas dívidas. Assim, quando a taxa básica aumenta, significa dizer que os papéis da dívida pública ficam mais atrativos. Significa que uma parte do dinheiro vai migrar para a dívida pública. Assim como vai migrar para os papéis e ativos referenciados na Selic. Significa que você vai retirar reais do mercado”, afirma.

A taxa Selic também serve de referência para as transações interbancárias, outro fator envolvido na retirada de dinheiro de circulação. “Significa que fica mais caro para os bancos fazerem transferências. Quando você compra a débito e a crédito, está negociando em real. Se os custos das transações interbancárias aumentam, é um desestímulo às compras. Tudo fica mais caro: comprar no crédito, pagar no débito, transações entre empresas, empréstimos”, exemplifica o economista.

Estagflação

Como tudo isso diminui a circulação da moeda, o dinheiro torna-se mais escasso e a expectativa é que assim ele se valorize. No entanto, Gilliad de Souza Silva faz uma ressalva: a solução de aumentar os juros é efetiva se a inflação for causada por desvalorização da moeda. A desvalorização pode ocorrer devido a um aumento da demanda por produtos, por exemplo. Não é o caso no atual cenário, que tem características de estagflação.

Segundo o economista, a alta dos preços está relacionada a custos de insumos. “No acumulado dos últimos 12 meses, as mercadorias com precificação internacional, incluindo as commodities, tiveram um aumento de quase 13%. Quando você pega produtos com precificação interna, por exemplo, o serviço no salão de beleza, o aumento foi de menos de 3%”, afirma Gilliad, citando dados do Índice de Preços ao Consumidor Amplo 15 (IPCA-15), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Segundo o economista, uma das razões para o aumento dos preços externos foi a recuperação da economia chinesa nos últimos dois trimestres do ano passado. “Isso puxou uma parte considerável da demanda. A China lidera a compra de soja, que serve de ração para o porco, principal proteína consumida pelos chineses. O aquecimento da economia chinesa também aumenta a demanda por trigo, para produzir pão, assim como a pressão sobre o minério de ferro para a construção”, comenta.

Diante deste cenário, ele acredita que o Brasil poderia buscar alternativas à alta da Selic. “Você teria que ter um Estado que tivesse condições não de controlar os preços diretamente, mas indiretamente, garantindo estoques sobretudo de produtos da agroindústria. Você coloca esse estoque no mercado, é um mecanismo para controlar o preço. Infelizmente, essa política de estoques foi desmobilizada”, diz.

Ele lembra ainda que o governo não tem nenhum plano de estímulo à economia e ao emprego por meio de investimento público. Com isso, os efeitos da elevação de juros tendem a piorar um cenário já difícil.

“Todas as alternativas possíveis na atual conjuntura não são praticáveis porque o Brasil desconstruiu seus instrumentos de controle. Sobram as políticas convencionais, como o aumento de juros, e com isso você vai provocar mais desestímulo”, conclui.