Rogério Caboclo, presidente da CBF, é acusado de assédio

Afastado por 30 dias por decisão do Conselho de Ética, da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), pela acusação formal de assédio moral e sexual por uma funcionária da entidade, a defesa de Rogério Caboclo ofertou um montante de R$ 12 milhões pelo silêncio da vítima, mas o acordo foi negado e a denúncia se tornou pública, na noite de domingo (6), após a TV Globo exibir uma reportagem no Fantástico.

A funcionária, cuja identidade é mantida sob sigilo como forma de proteção, gravou uma conversa entre ela e Caboclo no dia 16 de março, na sala do então presidente da CBF, no Rio de Janeiro.

Rogério Caboclo chamou a funcionária à sua sala e então sugeriu que ela tirasse a máscara. Ele insistiu para ela aceitasse uma taça de vinho, mas desconfortável com a situação, a mulher pegou o celular e enviou mensagens para dois diretores da CBF pedindo ajuda. Um deles já havia deixado o prédio – e até perguntou se era o caso de voltar – mas o outro foi em seu socorro e inventou um pretexto para entrar na sala. A funcionária então aproveitou para deixar o ambiente.

Depois que o diretor foi embora, Rogério Caboclo chamou a funcionária novamente e foi aí ela que resolveu gravar a conversa. A Globo teve acesso a essa gravação, que fez parte da denúncia de assédio sexual apresentada por essa funcionária ao Comitê de Ética da CBF na última sexta-feira.

O que aconteceu naquela sala já vinha se repetindo, segundo a funcionária. Na denúncia que fez ao Comitê de Ética da CBF, ela detalha diversas situações constrangedoras a que foi submetida por Rogério Caboclo. O presidente da entidade com frequência a insultava e a humilhava na frente de outros diretores – todos homens.

Veja a transcrição do diálogo gravado pela funcionária:

Rogério Caboclo: Seu coração tá no cabeção ou no pilotão?

Funcionária: Em nenhum dos dois

RC: Em quem tá?

Funcionária: Não tá em ninguém, é verdade. Mulher consegue ficar bem sozinha.

RC: Eu conheço minha mulher há 26 anos… Já apaixonei, pirei por amor.

[…]

RC: Eu tinha te jurado que eu não ia falar sobre assuntos particulares. Ela tem a buceta dela e eu tenho o meu pau […] Eu sou horroroso?

Funcionária: Chefe, eu não vou entrar no assunto da vida sexual de vocês [ri constrangida].

RC: […] Ela vai fazer ginástica, vai voltar tesuda […]

Funcionária: Então, todo mundo… deixa ela ser feliz.

RC: Sabe o que eu sou contra? Nada […] Você quer uma taça de vinho? […] Não… se não parece que eu tô louco […] Posso te fazer uma pergunta?

Funcionária: Chefe, não vou me meter na sua vida sexual seu e da […]. Não vou, não vou.

RC: Não é isso. É na sua [vida pessoal].

Funcionária: Deixa a minha [vida pessoal] quietinha.

RC: Você consegue resistir ao […] todo dia dando em cima de você?

Funcionária: Consigo, nós somos amigos. Acabei de falar, consigo, ponto, nós somos amigos. E tá tudo bem, tá tudo certo, nós somos amigos, a gente se dá bem, ele no sofá, eu no quarto e tá tudo bem. (Nota da Redação: aqui, a funcionária fala sobre um colega de trabalho com quem divide apartamento)

RC: Eu não acredito.

Funcionária: Eu não tenho por que mentir, não.

RC: Tá bom. Segunda pergunta. Posso?

Funcionária: Fala.

[…]

RC: Você se masturba?

Funcionária: Chefe, tchau.

RC: Ei…

Funcionária: Não quero falar disso, não quero. Eu vou avisar ao […] que você tá lá embaixo.

“Cadelinha” e oferta de biscoitos para cachorros

Este diálogo ocorreu uma semana depois da funcionária ter sido insultada durante uma “jornada de trabalho na casa de Rogério Caboclo”, em São Paulo, segundo a denuncia. Após consumir bebida alcoólica, o dirigente da CBF teria chamado a funcionária de “cadelinha”, e em seguida ofereceu biscoitos de cachorro para ela. Ele foi repreendido pela mulher e então passou a simular latidos.

No dia seguinte, a funcionária confrontou Caboclo e deixou claro para ele que nunca tinha se sentido tão humilhada e ridicularizada. Ele então disse que não se intrometeria mais na vida pessoal dela, mas exigiu que ela não tivesse mais nenhuma relação pessoal ou de amizade ou com ninguém da CBF.

Nesta mesma conversa, Caboclo teria afirmado para a funcionária que as roupas de trabalho dela não eram compatíveis com a função e exigido que ela mudasse a maneira de se vestir. Ele ainda teria afirmado que providenciaria até o dinheiro para a compra de novas roupas, segundo a denúncia.

No dia 9 de abril deste ano, a funcionaria pediu licença da entidade por motivos de saúde. Logo após seu afastamento, teve início a negociação entre Caboclo e a funcionária para abafar o caso. De acordo com a denúncia feita ao Conselho de Ética da CBF, o cartola exigiu que ela desse declarações falsas a jornalistas e assinasse um documento desmentindo os ocorridos denunciados por ela. Ela recusou.

Pela TV Globo, a gravação da funcionária foi enviada ao perito Wanderson Castilho, especialista em crimes digitais que trabalha para a polícia americana e segundo ele: “Da análise do áudio completo desde o início até o final existe a continuidade. Sem qualquer edição, corte ou inserção. A outra etapa é a filtragem de frequência de voz. E de uma entrevista que o senhor Rogério Caboclo fez. Eu fiz essa comparação. Fiz a limpeza, tirei os ruídos e comparei com o arquivo analisado. Deu um match. Deu uma confirmação de que eram as mesmas pessoas. ou seja, a confirmação de que a voz pertencia sim ao senhor Rogério Caboclo”.

A denúncia contra Caboclo coincide com o momento de enorme crise política e esportiva na CBF. Em acordo costurado com a Conmebol e com o governo Bolsonaro, a entidade trouxe para o Brasil a Copa América, depois que as sedes originais, Colômbia e Argentina, desistiram devido ao aumento dos casos de Covid-19.

A forma como a mudança foi feita, sem consultar os atletas que se viram expostos a um debate sobre calamidade pública, milhares de mortes no atual momento da pandemia no Brasil, gerou enorme repercussão nas redes sociais, levou os jogadores e a comissão técnica e se posicionar contrários à participação na Copa América.

Após o afastamento de Caboclo, os jogadores aceitaram disputar o torneio.