Imagem de satélite feita na segunda-feira (23) mostra a área do portão Abadia do aeroporto internacional de Cabul. As explosões ocorreram perto do portão, segundo o Pentágono.

Não se pode deixar de considerar trágicos os atentados do Estado Islâmico (ISIS-K), força dissidente no Afeganistão agora sob controle do Taleban. Aquele valente povo acaba de expulsar os invasores do país, sob comando dos EUA e arrastando a OTAN, iniciado em 2001. É a terceira guerra vencida contra a colonização e neocolonização, antes contra a Inglaterra em 1838-1842, e novamente entre 1878-1880, depois contra a invasão soviética de 1979.

Por Walter Sorrentino*

Os mortos e feridos são um alto preço cobrado pela vitória e não jogam a favor do povo. Somam-se aos resultados desastrosos da invasão.

A Guerra ao Terror do então governo Bush filho provocou destruição pelo mundo. Foi cruenta e causou a morte de mais de 170 mil pessoas. O mundo está vendo o que resultou da prometida “paz e prosperidade” após 20 anos de ocupação: um país empobrecido, política e socialmente desestruturado, com 70% de sua população em condição de insegurança alimentar.

Ela promoveu mais uma das imensas ofensivas culturais imperialistas no mundo, por meio de “narrativas”, principalmente no meio cinematográfico, realmente nauseantes.

Isso acabou. Os EUA foram derrotados na guerra ao terror. E desmoralizados. A saída de suas tropas do Afeganistão evidencia o fracasso de Biden. Não havia saídas boas e era necessário aos EUA tirar consequências de sua agenda estratégica de Estado, para pôr no alvo impedir a ascensão da China e conter militarmente a Rússia. Tempo ruim para os desígnios imperialistas, até porque esses dois países serão, provavelmente, os mais demandados na reconstrução do Afeganistão.

É de espantar, portanto, a voz do conservadorismo reacionário que assistimos. O jornal O Estado de São Paulo, em editorial, afirma que “o fiasco da retirada americana deixou o mundo mais perigoso. Para os milhares de estrangeiros e afegãos à mercê do Taleban, este perigo é imediato e letal”.

Triplo erro: o mundo fica mais seguro no ambiente multilateral promovido pela tendência à multipolaridade. As nações querem desenvolvimento soberano e autoafirmação, não guerras. Depois, os atentados ocorridos não foram dos Talibãs, mas do EI.

O jornalão foi mais longe: questiona a própria medida de Biden pela retirada das tropas. Diz que “mesmo admitindo, contrariamente a muitos estrategistas (grifo meu) que a retirada era a melhor opção ante as pressões da opinião pública americana e de autoridades democratas e republicanas, não havia nenhum fato determinante para que ela fosse tão precipitada.” Quer dizer, o Estadão opôs-se à retirada. Haja sabujice e pretensão, mentes colonizadas pelo ocidentalismo do Norte.

Os acontecimentos em curso eram previsíveis. Foi-se a fugaz Pax Americana unipolar, instalada ao término da vitória dos EUA na guerra fria. O país sucumbe ao desenvolvimento desigual da ordem capitalista-imperialista, tendo que arcar com a custosa manutenção de sua hegemonia como única superpotência, entrando em declínio relativo na economia e atraso na esfera tecnológica. O povo norte-americano acusou o golpe e aquela nação conheceu áreas de autoritarismo, desmoralização de seu sistema liberal. Permanece polarizado até hoje.

A mudança do alvo estratégico tornou-se imperativa para Biden, incluindo o desmonte da ortodoxia neoliberal para injetar 6 trilhões de dólares na economia nos próximos dez anos, buscando reverter a desvantagem.

Palavras do conservadorismo no Brasil, como as referidas, revelam uma vez mais onde querem situar o lugar do país no mundo, hoje em avançada deterioração. São avestruzes com a cabeça enterrada no chão para não ver a nova realidade de um mundo em transição de forças, que abre uma fresta para as nações em desenvolvimento pela sua autoafirmação nacional e soberania.

Aos perdedores, as batatas! O povo afegão merece toda a solidariedade mundial pela sua luta e anseios. Cabe apenas a ele decidir, agora, o governo que desejam e o destino da nação.

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*Vice-presidente e Secretário de Relações Internacionais do Partido Comunista do Brasil.