Kristinn Hrafnsson (e), editor atual do WikiLeaks, fala ao lado do escritor e cineasta John Pilger após a audiência em Londres. (WS)

O jornalista e preso político Julian Assange, que está encarcerado na prisão de segurança máxima de Belsmarsh por denunciar os crimes de guerra dos EUA no Iraque e Afeganistão pelo WikiLeaks, teve negado na segunda-feira (21) pedido de adiamento por três meses da audiência para extradição para os EUA, marcada para fevereiro do próximo ano.

“Não extradite Assange”, “Liberte Assange”, exigiram manifestantes diante do ‘tribunal-canguru’ de Westminster, enquanto dentro da corte o apoio era prestado por personalidades como o ex-prefeito de Londres, Ken Livingstone, o escritor e cineasta John Pilger e o atual editor do WikiLeaks, Kristinn Hrafnsson.

No momento em que lhe foi permitido fazer uma declaração à corte, Assange denunciou que o processo judicial a que está sendo submetido “não é equitativo”. “Essa superpotência teve 10 anos para se preparar para este caso, com recursos ilimitados. Não me lembro de nada. Não consigo acessar nenhum dos meus trabalhos escritos. É muito difícil fazer algo com recursos tão limitados contra uma intenção de superpotência [inaudível] … Eles têm uma vantagem injusta ao lidar com documentos. Eles [conhecem] a minha vida íntima, com meu psicólogo. Eles roubam o DNA dos meus filhos. Não é justo o que está acontecendo aqui.” “Não consigo pensar direito”, concluiu o jornalista, tentando conter as lágrimas e levando as duas mãos à cabeça.

Ao que juíza Vanessa Balaitser, a mesma que decidiu em setembro mantê-lo preso e, portanto, refém do regime Trump – apesar de cumprida a iníqua pena por se asilar na embaixada do Equador -, respondeu dizendo que as condições de Assange na prisão “não estavam em discussão”.

O pedido de adiamento da audiência de extradição era para dar mais tempo a Assange para preparar sua defesa. De acordo com o pedido de Washington, Assange está sob ameaça de 175 anos de cadeia por “espionagem” e “conspiração com Chelsea Manning”. Antes de entrar no tribunal, Assange ergueu o punho, em agradecimento aos manifestantes, que incluíam dezenas de coletes amarelos que haviam viajado durante a noite de ônibus desde a França.

Em sua defesa do pedido de adiamento da audiência de decisão sobre a extradição, o advogado Mark Summers advertiu que o que está em jogo “é sem precedentes”, uma extradição para os EUA de um não-americano por publicação de informação verídica. O que, como notou – e Assange tem denunciado – trata-se de sinalizar aos jornalistas” em qualquer lugar do mundo que não digam verdades inconvenientes a Washington.

Como assinalou Summers, as ações do governo dos EUA contra Assange e o ex-soldado do Exército dos EUA Chelsea Manning desde 2010 faziam parte do empenho em incluir jornalistas investigativos e publicadores na guerra declarada aos denunciantes. Ele também citou como a acusação partiu do governo democrata de Obama secretamente e foi “revigorada” pelo republicano Trump.

Antes, Summers solicitara que o caso de extradição contra seu cliente fosse julgado improcedente, já que o tratado de 2003 estabeleceu expressamente que “a extradição não será concedida se a ofensa pela qual a extradição for solicitada for uma ofensa política”. Como salientou o advogado, as motivações políticas de Assange “são bem conhecidas”.

Summers também denunciou que os EUA violaram o sigilo das discussões de Assange com seus advogados, copiaram ilegalmente seus telefones e computadores e até invadiram escritórios com homens encapuzados – tornou-se público que a empresa espanhola que cuidava da segurança na embaixada passara a trabalhar para a CIA.

O advogado apontou, ainda, que Assange não tinha qualquer contato telefônico com sua equipe jurídica dos EUA e que as restrições ao correio em Belsmarsh implicaram em que ele só havia recebido documentos judiciais de seus advogados uma semana antes da audiência.

O Relator Especial da ONU para Tortura, Nils Melzer, alertou que não há a mínima possibilidade de que Assange tenha um julgamento justo nos EUA, já que altas autoridades norte-americanas até mesmo pensaram em sua eliminação física, provavelmente uma referência à celebre sugestão da então secretária de Estado Hillary Clinton de silenciá-lo “com um drone”.

A denunciante Manning está há meses em prisão arbitrária por se negar a mentir para incriminar Assange. O secretário de Estado de Trump, Mike Pompeo, chama o WikiLeaks de ‘organização de inteligência não-estatal hostil e não protegida pela primeira Emenda, a da liberdade de expressão”.

Documentos divulgados pelo WikiLeaks e reproduzidos pelos principais jornais do mundo também mostraram o intervencionismo do Departamento de Estado e a vigilância em massa e guerra cibernética da CIA. O WikiLeaks também foi decisivo para evitar que o denunciante Edward Snowden fosse capturado e silenciado pela CIA e para a campanha pela libertação de Manning, que levou ao indulto de Obama.

Em sua participação na corte, chamaram a atenção as sequelas da perseguição ao jornalista, já identificadas pelo Relator especial da ONU Melzer, que denunciou que Assange foi submetido a prolongada “tortura e linchamento público” por parte dos EUA, Inglaterra e Suécia e, desde que Moreno assumiu, o Equador.

O jornalista estava sem barba e de terno. Nos últimos sete meses, perdeu muito peso e chegou a ficar internado na enfermaria do presídio de segurança máxima. O tratamento dispensado a ele na prisão foi descrito por seu pai, John Shipton, como “sórdido”, já que ficava em isolamento por até 23 horas por dia.

Conforme relatos de dentro do tribunal, Assange teve dificuldade até mesmo para dizer seu próprio nome e data de nascimento, mostrava-se cansado e várias vezes sua voz quase foi inaudível.

O que corresponde ao que Melzer relatou na semana passada em entrevista na sede da ONU em Nova Iorque, sobre Assange, a quem visitou na prisão em maio junto com dois especialistas médicos. O jornalista mostrava todos os sintomas típicos de “exposição prolongada e sustentada a estresse psicológico severo, ansiedade e sofrimento mental e emocional relacionado” e sua capacidade cognitiva e sensorial fora “significativamente prejudicada”.

Aos manifestantes que ali estavam em defesa de Asssange e das liberdades democráticas, o cineasta Pilger disse que a coisa toda é “um absurdo grotesco”. “Existe uma lei de extradição entre este país e os Estados Unidos. Afirma especificamente que alguém não pode ser extraditado se as ofensas forem políticas … não é um pouco de agitprop, não é uma opinião, é política. Todas, exceto uma acusação, são baseadas na Lei de Espionagem de 1917, que foi usada para prender objetores de consciência durante a Primeira Guerra Mundial nos Estados Unidos”.

Pilger – que é australiano como Assange e seu amigo –concluiu denunciando que a fonte disso é um estado desonesto – “um estado que ignora suas próprias leis e leis internacionais e as leis deste país”.

Sob protestos da defesa de Assange e em mais uma demonstração da tendenciosidade em favor de Washington, a juíza Baraitser determinou que a decisiva audiência de fevereiro será no Tribunal de Magistrados de Woolwich, perto do presídio de Belmarsh, cuja galeria pública da audiência é de apenas três cadeiras e ao qual faltam até mesmo salas de conferências para imprescindíveis discussões legais confidenciais. Se isso não é um “tribunal-canguru”, o que seria?