O Secretário Geral do Partido Comunista do Vietnã, Nguyen Phu Trong, publicou no último mês de maio deste ano, um artigo esclarecedor sob o título: “Algumas questões teóricas e práticas sobre o socialismo e o caminho para o socialismo no Vietnã”.

Por Walter Sorrentino*

Na verdade, este artigo dá sequência às decisões do XIII Congresso Nacional do PCV realizado no início deste ano, em Hanói. No evento, o Partido que dirige o país desde 1945 – quando foi proclamada a República Democrática do Vietnã – estabeleceu algumas metas significativas para o povo vietnamita: “Até 2025, 50 anos da libertação total do Vietnã do Sul e da reunificação do país: o Vietnã será um país em desenvolvimento, com industrialização voltada para a modernidade, superando a renda média-baixa. Em 2030, centenário da fundação do Partido Comunista do Vietnã, o país será um país em desenvolvimento com indústrias modernas e renda média-alta. Em 2045, centenário da fundação da República Democrática do Vietnã, agora República Socialista do Vietnã, ela se tornará um país desenvolvido de renda alta.”

Assim como era a prática do líder Ho Chi Minh, fundador e dirigente do Partido Comunista do Vietnã, Phu Trong utiliza linguagem simples e compreensível para tratar de um assunto complexo como a construção do socialismo em um país em vias de desenvolvimento. Ele se pergunta: “O que é o Socialismo? Por que o Vietnã escolheu o caminho socialista no país? O que significa na realidade a política de Renovação e o caminho para o Socialismo?

Ele faz uma síntese superior da teoria e prática subjacente à noção consagrada como caminho imutável de absolutizar a propriedade estatal, o planejamento centralizado, o monopólio Estatal do comércio exterior, a distribuição baseada apenas no trabalho de cada um, sem a mediação de instâncias do mercado.

Em meados de 1980, o governo unificado do Vietnã implementou um conjunto de Reformas consistentes (Doi Moi) que levou o país a um patamar de rápido crescimento econômico. Graças às orientações do processo de Renovação, a economia vietnamita começou a crescer e a desenvolver-se continuamente a uma taxa relativamente alta durante os últimos 35 anos — em média de 7% ao ano.

É considerada a quarta economia da ASEAN (uma aliança econômica dos países do sudeste asiático). Foi assegurada a segurança alimentar, segundo o artigo do presidente Phu Trong, e hoje é grande exportador de arroz e outros produtos agrícolas. A indústria tem se desenvolvido com bastante rapidez e a proporção da indústria e do setor de serviços aumentou continuamente representando hoje cerca de 85% do PIB nacional. As reservas do país se situam no patamar de 100 bilhões de dólares em 2020.

O texto também assinala que o analfabetismo foi completamente erradicado e a universalização da educação primária foi conquistada em 2000. O número de estudantes universitários se multiplicou por 17 vezes nestes últimos 35 anos. Na esfera da saúde se fortaleceu a medicina preventiva e o controle de epidemias, sendo que a esperança de vida aumentou de 62,0 anos em 1990 para 73,7 em 2020. Atualmente 70% das pessoas têm acesso à internet no Vietnã e o IDH do país atingiu o índice de 0,704 – fazendo com que o país esteja participando do grupo de países com o IDH mais alto do mundo.

Assim, no XIII Congresso do PC do Vietnã, se afirma: “Depois de 35 anos de implementação do processo de Renovação e 30 anos do cumprimento da Plataforma para a Construção Nacional no Período de Transição ao Socialismo, as teorias sobre o Caminho da Renovação, sobre o Socialismo e o caminho do socialismo do Vietnã, foram aperfeiçoados cada vez mais e gradualmente se materializado”.

As palavras de Nguyen Phu Trong são brilhantes e seminais, expressando o reconhecimento de que isso representa um tema teórico e prático da maior importância.

De fato, nossas forças precisam se voltar para uma Nova Luta pelo Socialismo. O socialismo viveu sua infância no século 20, dando contribuições inestimáveis à civilização humana. Durante 70 anos, pensava-se, não apenas no Vietnã, que o caminho ao socialismo era uma questão implicitamente resolvida, segundo um modelo único.

O curso do processo no Vietnã demonstra, pois, esse aprendizado fundamental, provindo do colapso do campo socialista que levou as lutas revolucionárias a um quadro de defensiva estratégica. A teoria socialista nos exige ver o socialismo enquanto forma histórica concreta no tempo. A exequibilidade do socialismo não se assenta em abstrações, dogmas ou fé, mas sim de uma abordagem racional, segundo uma teoria científica em permanente desenvolvimento, no espírito do tempo contemporâneo. Temos para isso, desde Marx e Lênin, além de uma plêiade de revolucionários comunistas, numerosos pontos de partida comprovados pela história; do que se trata é de desenvolvê-los criativamente.

Os caminhos ao socialismo se assentam em estratégias singulares e maduras em cada situação nacional, no contexto de forças estabelecido nas relações internacionais, a partir das condições herdadas no seio de singulares formações econômico-sociais, suas tradições de lutas de classes, o caráter de seu Estado nacional, a cultura e características de seus povos. Isso se estabelece segundo sucessivos processos de transição entre a ordem política, econômica e social capitalistas e o socialismo, a partir da concretude da situação em cada nação.

O socialismo precisa dar esperanças às nossas nações, a todo o povo e às pessoas. Esperança provinda da demonstração de que há, sim, alternativas ao neoliberalismo e imperialismo, à neocolonização e guerras, opressão e retrocessos civilizatórios em que vive a maioria da Humanidade. De que os imensos desenvolvimentos das forças produtivas devem emancipar o trabalho, não condenar o crescente número de milhões de pessoas proletarizadas, que não tem hoje sequer direito a ser exploradas mediante um salário.

O socialismo é, como demonstra a experiência do Vietnã, um regime social e governo para servir ao povo, focar nas pessoas. Mais do que palavras, a redução da pobreza é sua expressão mais imediata. Isso é o que se verifica no país e foi bem demonstrado no enfrentamento da terrível pandemia da COVID-19, que mostrou ao mundo a superioridade da resposta de governos sob orientação socialista.

Isso deriva de que o socialismo é humanização, impulso civilizatório a uma sociedade próspera, pela elevação contínua do nível material e espiritual do povo, solidariedade, indissoluvelmente ligados à soberania nacional e à defesa da natureza. Solicita um Estado de direito socialista na gestão da sociedade, fazendo do povo o senhor de um Estado que administra e um Partido Comunista que o dirige.

Só se pode alcançar e sustentar esses desígnios pelo desenvolvimento das forças produtivas para galgar novos padrões do desenvolvimento, utilizando as grandes aquisições científicas e tecnológicas como inovações que permitam patamares superiores do planejamento econômico e do sistema de governança participativa democrática. Sem isso, o socialismo será sempre um experimento primário.

A transição ao socialismo enseja novos padrões da formação econômico-social, em convívio com padrões pré-existentes, mas todos, agora, subsumidos a uma orientação socialista, com o predomínio da propriedade pública dos meios de produção fundamentais.

O Estado nacional conquista, por esses meios, condições de assegurar os investimentos públicos indutores do desenvolvimento, o que retira do setor privado o poder sobre o investimento e lhe permite coordenar o que existe de propriedade e investimentos privados, as formas cooperativas e as pequenas propriedades. Garante altos investimentos sobretudo em educação, ciência, tecnologia e inovação, e nas áreas sociais como saúde, habitação, valorização da cultura, segurança pública e proteção ambiental, livre das amarras financeiras que, no mundo, capturam os Estados nacionais para servir aos seus propósitos mediante a dívida pública que os estrangula.

Por evidente, isso não constitui um novo “modelo socialista”, isso seria a-histórico. É preciso descortinar caminhos próprios de transição ao socialismo em cada situação nacional, compreendendo que o terreno por excelência da estratégia transformadora para a orientação socialista se assenta no solo das realidades nacionais e do Estado-nação.

As lições do PC do Vietnã são instigantes para formular, nessas bases, rupturas e transições entre propriedade pública e as modalidades de propriedades privadas, Estado e Mercado, liberalismo político e democracia popular, capitalismo e socialismo.

A análise feita na intervenção do líder Nguyen Phu Trong demonstra a maturidade da estratégia do Vietnã nesse rumo. Aponta que a transição ao socialismo é uma obra extensa, muito difícil e complexa, porque deve gerar profundas transformações qualitativas em todos os âmbitos da vida social, sem desconhecer as conquistas e valores civilizados que a humanidade logrou no período de desenvolvimento do capitalismo, embora sua herança deva ser seletiva desde um ponto de vista científico e do desenvolvimento.

À frente desse grande experimento está a força revolucionária, materializando a consciência mais profunda e completa da consciência de classe dos trabalhadores, que são os portadores do projeto de nação – o Partido Comunista do Vietnã. A elaboração sistematizada de Nguyen Phu Trong dá confiança e enriquece o patrimônio teórico e prático dos comunistas e progressistas de todo o mundo. Ela nos fala de ressignificações de aspectos essenciais da teoria marxista e as desenvolve com o critério da prática, atendendo ao espírito da época, nos termos da trajetória nacional, com mente aberta e confiança nos arcabouços teóricos fundamentais.

O desenvolvimento do marxismo é uma obra que exige coragem, a coragem teórica, pois a luta de ideias também é escarpada e as acomodações destroem nosso ideário. O “intelectual coletivo” que a promove e a leva à prática como critério da verdade é o Partido Comunista do Vietnã, com ousadia para dar novas respostas aos problemas.

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O PC do Brasil pensa que a grande questão para os povos que vivem sob o sistema capitalista-imperialista é a do desenvolvimento soberano, a autonomia estratégica que têm essas nações em autodeterminar-se, afirmar o projeto nacional e atender aos anseios seculares de seus povos por liberdade, bem estar material e desenvolvimento espiritual. O neoliberalismo é a negação disso.

Neoliberalismo é neocolonialismo, negação do desenvolvimento soberano. Do que se trata é de assegurar a independência nacional. Hoje, no mundo, são maiores as margens de manobra estratégicas para uma grande nação como a brasileira trilhar esse caminho, pela realidade de um mundo em transição à multipolaridade, regido por relações multilaterais, sem ingerências e em espírito cooperativo entre si.

Da parte do PCdoB, com seu Programa Socialista para o Brasil, estamos convictos de que no transcorrer das primeiras décadas do século XXI, o Brasil tem condições para se tornar uma das nações mais fortes e influentes do mundo. Uma nação desenvolvida, cultural e socialmente avançada. O objetivo essencial de seu Programa é a transição do capitalismo ao socialismo nas condições do Brasil e do mundo contemporâneo. O caminho é a luta por um Novo Projeto Nacional de Desenvolvimento, que deve responder a um conjunto de tarefas fundamentais: construção de uma nação democrática, próspera e solidária, de um Estado democrático e inovador de suas instituições; um país de alta tecnologia, avançado na indústria do conhecimento e grande produtor de alimentos e energia.

Vida digna para o povo, iguais oportunidades e universalização dos direitos básicos; desenvolvimento contínuo e ambientalmente sustentável; afirmação e florescimento da cultura brasileira e da consciência nacional; aprofundamento e consolidação da integração da América do Sul e das parcerias estratégicas em âmbito mundial.

Estudamos e aproveitamos em profundidade as experiências de transição ao socialismo no mundo; Também mobilizamos nossa energia teórica, política e prática para ressignificar o conteúdo de nosso Programa, avançar em novos aportes demandados pelo sentido de nacional no mundo globalizado e interdependente, e pelas exigências do sentido de desenvolvimento em um marco histórico de disruptivas inovações técnicas, quando a ciência e tecnologia se transformam em força produtiva direta.

Enfim, nos esforçamos em ressignificar a própria noção de socialismo como sistema alternativo ao capitalismo, sua teoria e experiência histórica, os modos de abrir-lhe caminho em cada situação, as etapas e fases de transição necessárias.

Do mesmo modo, buscamos o descortino para ressignificar o que são os comunistas, pelo que lutam, como são vistos e compreendidos pela sociedade, tornar tangível aos olhos dos trabalhadores e do povo o Programa que apresentam à nação, adequar sua identidade ao espírito do tempo – essas são exigências concretas para constituir uma poderosa corrente de massas e eleitoral em nosso país e superar, nas lutas culturais e ideológicas, os estigmas anticomunistas que se constituíram, promovidos pelas forças reacionárias.

O horizonte histórico é de que só o socialismo pode assegurar os desígnios que os são comuns. A luta pela constituição de alternativas é a questão nodal do nosso tempo. Na perspectiva de um mundo em transição, novos horizontes de avanços táticos e estratégicos poderão se abrir para os povos, com nossas lutas.

O futuro socialista nos exige desenvolvimentos teóricos e científicos para as ressignificações necessárias, ao lado de elevar a consciência política dos trabalhadores e todo o povo, para formular projetos, caminhos e estratégias políticas dessa natureza.

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Saudamos o povo vietnamita, o governo, o Partido Comunista do Vietnã por meio de calorosa saudação e agradecimento a Nguyen Phu Trong pelas suas contribuições a esse novo ciclo de lutas pelo socialismo.

Para um brasileiro, que fez a opção pelo comunismo aos 18 anos em 1972, pelo PCdoB, essa é uma questão perante a qual inclino nossas bandeiras, tamanha a importância da luta revolucionária anticolonial no Vietnã, a valentia e diligência de seu povo, o exemplo destacado de Ho Chi Minh na liderança do PC do Vietnã, que marcou nossas gerações desde então. Nós brindamos as derrotas do colonialismo francês e norte-americano, as vitórias dos vietcongues, a conquista da unidade nacional e da República Democrática do Vietnã.

Do mesmo modo, nos alegramos com os êxitos do povo vietnamita sob a condução de seu partido, liderado por Nguyen Phu Trong, a quem desejamos sucesso.

Consideramos fundamental reforçar os laços de amizade fraterna entre o Brasil e o Vietnã, entre o PC do Vietnã e o PCdoB, para nos enriquecermos mutuamente na abordagem dos desafios próprios às nossas nações e nossos povos.

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* Vice-presidente Nacional do PCdoB, Secretário de Relações Internacionais do PCdoB, Presidente do Conselho Curador da Fundação Maurício Grabois