Argentines protest against Brazil's President Jair Bolsonaro during his visit in Buenos Aires, Argentina June 6, 2019. The signs read: "Not him" and "Out Bolsonaro". REUTERS/Agustin Marcarian

Com cartazes e faixas com “seu ódio não é bem-vindo aqui”, milhares de argentinos foram às ruas de Buenos Aires para repudiar a visita do presidente brasileiro Jair Bolsonaro, apologista da tortura e da ditadura, bem como da discriminação e do neoliberalismo sem peias. Os manifestantes marcharam do centro da cidade até a Praça de Maio, em frente à Casa Rosada, sede do governo, onde o protesto prosseguiu como festival cultural “Argentina rechaça Bolsonaro”, na quinta-feira.

A convocatória do ato registrou, ainda, que o presidente argentino Mauricio Macri “é um dos poucos presidentes no mundo que fariam uma foto” com Bolsonaro. O rechaço repete o fiasco em Nova Iorque, que inclusive levou Bolsonaro a transferir sua ‘visita’ para Dallas, cidade conhecida principalmente por ser onde o presidente Kennedy foi assassinado e por ser tema de série de televisão sobre oligarcas do petróleo.

Apesar de, na manifestação, ter sido decisivo o apoio de entidades progressistas de grande tradição no país irmão, como as Avós da Praça de Maio e a Central dos Trabalhadores Argentinos, o repúdio vai muito além, por se tratar de um país onde 30 mil oposicionistas foram assassinados nas masmorras do regime e um número ainda maior sofreu tortura. E onde até o sequestro de bebês de mulheres mortas pela repressão, e entrega a colaboracionistas para que os criassem, ocorreu.

Para a população argentina, a apologia da tortura, dos assassinatos políticos e da ditadura é uma ofensa imperdoável, o que, certamente, está além das possibilidades de compreensão de Bolsonaro. A ditadura argentina é aquela à qual o então secretário de Estado Kissinger pediu que se “apressassem” porque a oposição nos EUA ia ganhar as eleições e os torturadores ficariam sem retaguarda. E eles se apressaram. Antros da tortura se tornaram símbolos de um passado que nenhum argentino quer ver repetido ou justificado.

Os organizadores ressaltaram que o protesto é “em defesa da soberania, da solidariedade latino-americana, contra as políticas neoliberais de Bolsonaro e Macri” e um “NÃO ao autoritarismo e às várias declarações racistas, machistas, homofóbicas e de apologia à tortura expressa por ambos”.

As entidades advertiram, ainda, que “a violência que [Bolsonaro] emite, negando os crimes contra a humanidade das ditaduras latino-americanas, coloca em perigo a continuidade democrática de um dos países com maior peso na nossa América Latina”.

Desde que a indesejada visita foi anunciada, começaram nas redes sociais os memes contra sua pregação de ódio e obscurantismo. A Anistia Internacional salientou que a “retórica hostil” do inquilino do Palácio do Planalto “estimula a proliferação de discursos de ódio, a polarização, e poderia legitimar violações aos direitos humanos”.

Apesar de há vários anos ter se tornado uma tradição que a primeira visita do presidente eleito seja ao país vizinho, tanto de parte da Argentina quanto do Brasil, não foi essa a preferência de Bolsonaro. Foi primeiro ao Chile, provavelmente em busca dos miasmas de Pinochet e de Milton Friedman, depois foi a Israel para mergulhar nas águas turvas de Netanyahu, e, o auge, aos EUA para o beija-mão a Trump e a indizível recordação do dia em que bateu continência para a bandeira norte-americana, a 300 quilômetros do Disney World.

Nada de pessoal, apenas que Macri e a retomada do neoliberalismo haviam conduzido a Argentina a um desastre tamanho, e de volta ao FMI, que até Bolsonaro achou conveniente retardar o encontro. Acabou, quem sabe, demorando demais, e com a rapidez da desmoralização do seu próprio governo, a coisa ficou parecendo um abraço de afogados. Mas Bolsonaro não se vexou, e conclamou os argentinos a votarem “com a razão”, não com a “emoção” em Macri.