Argentinos denunciam “terrorismo econômico” de Macri
Um dia depois do resultado eleitoral desastroso para o presidente Macri nas primárias argentinas (a derrota foi de 49% a 33%), com o câmbio desfavorável ao peso disparando e a moeda argentina perdendo 15% em relação ao dólar, o presidente – fugindo de sua responsabilidade na crise instalada na Argentina – ameaçou: “Isso é só uma amostra do que pode acontecer” com a previsível vitória da oposição, como apontam os resultados de domingo.
Imediatamente, milhares de cientistas e personalidades ligadas à produção cultural na Argentina divulgaram uma declaração pública onde expressaram sua preocupação com a fala irresponsável de Macri, assim como com a real situação econômica do país e exigiram ao governo que “assuma sua responsabilidade na crise a que nos conduziu”.
“Preocupam-nos esse tipo de manifestações que implicam, de fato, um ataque à democracia e ao direito soberano dos povos de escolher seus representantes e o rumo das políticas públicas”, esclarecem as lideranças no texto publicado na segunda-feira, 12.
Na tentativa de embaralhar os fatos para justificar a derrota que sua política sofreu, no domingo, 11, nas eleições Primárias, Abertas, Simultâneas e Obrigatórias (PASO), Macri disse em entrevista que a culpa pela depreciação da moeda e das ações seria do movimento oposicionista Frente de Todos (FT).
“Precisamos entender que o maior problema é que a alternativa kirchnerista não tem credibilidade no mundo, não gera confiança para que as pessoas venham investir. Eles deveriam fazer uma autocrítica. Isso é só uma amostra do que pode acontecer, o mundo vê isso como o fim da Argentina”, verberou, em entrevista coletiva, sem reconhecer que a chapa vencedora, encabeçada por Alberto Fernández, compunha, além de todos os setores do peronismo, outras forças políticas do país e que sua votação expressa um desejo claro de mudança dos argentinos.
Os argentinos realizaram uma eleição primária, que serve de termômetro para a votação que ocorrerá em outubro. As PASO foram criadas pelo ex-presidente Néstor Kirchner em 2009. Nelas se definem basicamente duas questões: quais partidos estão habilitados a disputar as eleições nacionais, que segundo a lei são aqueles que obtenham pelo menos 1,5 % dos votos. A ideia inicial é que ela também seja o momento de escolha do candidato de cada chapa. Mas, como neste ano não houve concorrência interna em nenhuma coligação, a votação valeu como antecipação eleitoral.
Entre os assinantes da Declaração se encontram a escritora e cineasta Lucía Puenzo, o antropólogo Alejandro Grimson, o diretor do Conselho Nacional de Pesquisas Científicas e Técnicas, Conicet, Mario Pecheny; o reitor da Faculdade de Ciências Sociais da Universidade de Buenos Aires, Federico Schuster, o dramaturgo Rafael Spregelburd e a pesquisadora Mabel Thwaites Rey, entre quase 10 mil pessoas mais.
“Exigimos que o Governo atue responsavelmente, que assuma sua responsabilidade na crise a que nos conduziu e deixe de convalidar uma violenta depreciação do peso que liquidifica nossos salários e aposentadorias”, ressaltaram no texto, apoiado também por atores como Pablo Echarri, Pilar Gamboa, Jean Pierre Noher e Alejandra Darín.
Na segunda-feira, 12, o dólar disparou e a bolsa teve uma queda de quase 40%. Para segurar a desvalorização do peso, o governo elevou a taxa básica de juros a 75% e fez um leilão de mais de US$ 100 milhões, com o objetivo de segurar o capital especulativo e os supostos investidores. Mesmo assim, o valor da moeda argentina despencou 15% em um único dia. Chegou a atingir 60 pesos e, no fim do dia, um dólar valia 53,5 pesos.
Alberto Fernández, candidato opositor que tem Cristina Kirchner como vice na chapa, teve 49,2% dos votos – para vencer as eleições no primeiro turno, em outubro, ele precisará ter 45%. O texto completo da Declaração
Não ao terrorismo financeiro. Que Macri respeite a democracia e a decisão das urnas
Os/as abaixo assinantes repudiamos as declarações do presidente Mauricio Macri, que em conferência de imprensa culpou os votantes e a oposição pelo descalabro a que suas políticas vêm conduzindo. “O de hoje mostra o que pode aconteceu” se lê como uma extorsão de cara às próximas eleições. Como se a subida do dólar estivesse nos forçando a optar entre Macri e o caos económico. “Não é o que quer o mundo” deixa ver que sua gestão não respeita a vontade popular e responde aos desejos e expectativas dos especuladores financeiros e do FMI. Preocupam-nos esse tipo de manifestações, que implicam, de fato, em um ataque à democracia e ao direito soberano dos povos de escolher seus representantes e o rumo das políticas públicas.
Frente a esta chantagem, exigimos que o Governo atue responsavelmente, que assuma sua responsabilidade na crise à que nos conduziu e deixe de convalidar uma violenta depreciação do peso que liquidifica nossos salários e aposentadorias. Exigimos que se respeite a vontade popular e não se busque chantagear mediante o pânico financeiro aos votantes que escolheram outras opções.
Chamamos todas as forças sociais e políticas, a cidadania em geral, a pronunciar-se contra este inaceitável avassalamento da democracia.