Após ser chamado de assassino, Putin propõe debate com Biden ao vivo
O presidente russo, Vladimir Putin, desafiou nesta quinta-feira (17), seu homólogo norte-americano, Joe Biden, para uma discussão online transmitida ao vivo, sem demora, para que fossem debatidas as relações bilaterais e questões de importância para o mundo em geral.
Horas antes, um dia após Moscou chamar de volta seu embaixador nos EUA, depois de comentário insultuoso do presidente Joe Biden na ABC News, o presidente Putin, em meio às comemorações do sétimo aniversário do referendo que decidiu pela reunificação da Criméia à Rússia, disse que Biden está projetando sobre os outros o que vê em si próprio.
“Houve muitos acontecimentos difíceis, dramáticos e sangrentos na história de cada nação. Mas quando avaliamos outras pessoas, quando avaliamos outros estados, outros povos, estamos sempre nos olhando no espelho. Sempre nos vemos lá”, assinalou Putin, se referindo ao mecanismo psíquico que a psicanálise estabeleceu como “projeção”.
A classe governante americana foi formada na época da conquista do continente pelos europeus, destacou Putin, “o que estava ligado à eliminação da população local, tratava-se de genocídio direto das tribos indígenas”.
No caso, tratava-se da resposta murmurante “Mmmnn, I do” [mmmnn, sim], à provocação cometida pelo entrevistador, se Biden considerava Putin “um assassino” – a mesma que outro entrevistador fizera anteriormente a Donald Trump, que a descartara com um breve comentário de que os EUA “não eram tão inocentes assim”.
Na mesma entrevista, Biden afiançou ainda já ter olhado de perto Putin e visto que “ele não tinha alma”. Juntando o murmúrio “I do”, com o “ele não tinha alma”, obtém-se a estapafúrdia classificação de “assassino sem alma” a Putin. O “sem alma” talvez haja sido ideia de algum marqueteiro de Biden, já que W. Bush é conhecido por dizer que olhou Putin nos olhos na primeira vez que se encontraram e “sentiu sua alma”.
Putin citou a luta contra a pandemia, a resolução de conflitos regionais e as questões de estabilidade estratégica como possíveis tópicos desse debate ao vivo, observando que ele estaria pronto para falar com Biden na sexta-feira ou segunda-feira em um bate-papo “aberto” .
“Eu gostaria de sugerir ao presidente Biden que continuemos nossa discussão, mas com a condição de que realmente o façamos ao vivo, sem atrasos, diretamente em uma discussão aberta e ao vivo”, disse Putin ao canal de TV Russia 24. “Acho que seria interessante para o povo da Rússia e para o povo dos Estados Unidos e de muitos outros países”, acrescentou.
Anteriormente, Putin já havia abordado a declaração de Biden sobre a suposta interferência da Rússia nas eleições presidenciais de 2020, em que este disse que, se confirmado, a Rússia iria “pagar o preço”.
“Quanto à afirmação do meu homólogo americano, somos mesmo, como ele disse, pessoalmente conhecidos. O que eu responderia a ele? Eu diria a ele: fique saudável! Desejo-lhe boa saúde”, disse Putin, fazendo questão de frisar que não estava brincando ou sendo irônico.
Putin enfatizou que os EUA terão que levar em conta os interesses russos – ou seja, para bom entendedor, que o mundo unipolar dos excepcionalistas finou-se.
“Os EUA e a liderança dos EUA, em geral, procuram ter certas relações conosco, mas apenas em áreas que sejam de seu próprio interesse e apenas em suas condições. Embora pensem que somos iguais, somos pessoas diferentes, diferentes códigos genéticos, culturais e morais … Eles terão que conviver com isso, apesar de todas as tentativas de impedir nosso desenvolvimento. Independentemente de sanções e injúrias, eles terão que conviver com isso”, afirmou Putin.
O embaixador nos Estados Unidos, Anatoly Antonov, voltou à Rússia para “consultas” a fim de “analisar o que precisa ser feito no contexto das relações com os Estados Unidos”. A retirada do embaixador por parte de qualquer país é visto como um dos gestos diplomáticos de maior contrariedade.
Relatório conjunto das agências de inteligência norte-americana atribuiu a Putin “autorização” para “operações de influência” para “minar o então candidato democrata Biden”. Como de costume, sem quaisquer provas, mas que servirá de pretexto para novas sanções.
Para não falar do ridículo de um país com fama de interferir em toda a parte, a ponto de se dizer que não há golpe de Estado nos EUA porque lá não tem embaixada norte-americana, conhecido por suas guerras sem fim em terra alheia e por sanções para matar outros povos de fome, agora se reivindique ‘vítima’ da ‘interferência estrangeira’.
Embora tal vitimização autoassumida, inequivocamente, seja um sintoma da decadência em curso – além da histeria vigente nos altos círculos.
A russofobia tornou-se moeda de troca corrente nos EUA, sempre disponível em qualquer aperto – mesmo que tire da relação entre as duas potências nucleares, capazes de destruir várias vezes o planeta e a humanidade, qualquer veleidade de racionalidade, respeito mútuo e até o mínimo de civilidade.
O que jamais existiu anteriormente nesse patamar, mesmo nos piores momentos da Guerra Fria.
Em nota publicada no Telegram, o porta-voz do parlamento russo (Duma), Vyacheslav Volodin, disse que “Biden insultou os cidadãos de nosso país com sua declaração” sobre Putin. “Este é um acesso de raiva que vem da impotência. Putin é o nosso presidente, atacá-lo é um ataque ao nosso país”, acrescentou.
Em declarações a jornalistas na quinta-feira, o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, disse que não havia precedente para os comentários na história das duas nações. “Essas são declarações muito ruins do presidente dos Estados Unidos”, apontou. “Ele claramente não quer estabelecer uma relação com nosso país, e vamos proceder nessa base.”
A porta-voz do Ministério das Relações Exteriores, Maria Zakharova, disse que a convocação do embaixador Antonov a Moscou para “consultas” era necessária “para analisar o que fazer e para onde ir no contexto das relações com os EUA”.
Uma articulista russa assinalou o absurdo da situação. “Por que Vladimir Putin não chamou Barack Obama e Joe Biden de assassinos em 2009-2017? Essas pessoas têm tanto sangue nas mãos que pode ser transportado em caminhões-tanque. E não é exagero: centenas de milhares de civis sofreram nas mãos dessas pessoas”.
Ao mesmo tempo, salientou, Putin se reuniu com eles, apertou suas mãos e se comportou de maneira extremamente correta.
“É simples: a compostura não pode trair o líder de uma potência nuclear. Nunca”. A cabeça de tal Estado “não pode se dar ao luxo de queimar as pontes ao deixar escapar um insulto direto ao vivo. Atrás dele está o povo e seus interesses e, no caso da Rússia e dos Estados Unidos, também a questão da sobrevivência da raça humana”.
O ex-inspetor do acordo INF de redução de armas nucleares intermediárias na década de 1980 e ex-inspetor da ONU no Iraque, o norte-americano Scott Ritter, considerou a declaração insultuosa de Biden como uma tentativa de fazê-lo “parecer o líder forte que não é”.
“Biden posando de durão e atacando o ‘assassino sem alma’ seria engraçado se as consequências não fossem tão sérias”, frisou.
Para Ritter, qualquer um que haja seguido a carreira de Biden sabe que seu murmúrio “mmmnn, sim”, não significa nada além de “oportunismo político crasso”, com o intuito de criar uma separação entre ele e as posturas do seu antecessor.
O ex-inspetor internacional de armamento notou que há outra diferença entre as declarações de W. Bush e Biden sobre seus primeiros encontros com Putin. “O de Bush fazia parte do registro público, o de Biden não”. Na verdade – Ritter acrescenta -, “a probabilidade de a reunião Biden-Putin ocorrer conforme descrito por Joe Biden é quase nula”.
“Quando Biden fez sua viagem ao Kremlin em 2011, ele estava esperando a ‘reinicialização’ do governo Obama com a Rússia. Não havia oportunidade, ou necessidade, para o falso machismo de Biden. Os dois homens se encontraram, mas como parte das delegações que discutem a possibilidade de melhorar as relações”, destacou Ritter.
“Não apenas a flexão verbal insultuosa de Biden teria sido totalmente inadequada e inconsistente com os objetivos políticos mais amplos de sua visita, mas também contrariava seus próprios sentimentos, expressos na época, sobre a Rússia”.
“A Rússia tem os melhores engenheiros do mundo”, disse Biden em uma entrevista coletiva após essa reunião com Putin (então primeiro-ministro, não presidente). “A Rússia tem capital intelectual. A Rússia é uma grande nação.”
Estas não são palavras proferidas depois de dizer a um líder russo em particular que ele “não tem alma”, observou Ritter.
Conforme ironizou Ritter, “a luta de Biden com a verdade é bem conhecida”, por isso não deve ser surpresa para ninguém que ele “possivelmente ‘marcou um encontro’ com Putin”. Biden foi pego plagiando um discurso do ex-líder trabalhista britânico Neil Kinnock, mentiu sobre seu histórico acadêmico e realizações e fabricou uma narrativa que o faz participar do movimento pelos direitos civis dos anos 1960. “Todas as mentiras de Biden têm um objetivo em comum: fazê-lo parecer o que ele não é”.