Crescimento médio do PIB dos EUA entre 2010 e 2019 ficou em 1,9%. Entre 2020 e 2021 o crescimento médio é de 2,3%

Em 2021, a economia dos Estados Unidos cresceu 5,7%, anunciou o Bureau de Análise Econômica (BEA) do Departamento do Comércio, o melhor resultado do PIB desde 1984, em uma breve reversão do que havia sido, sob a pandemia, a maior queda do PIB em 74 anos (-3,4%), em 2020.

O resultado – divulgado na quinta-feira (27) – é ligeiramente menor do que a previsão do FMI de outubro do ano passado para o PIB dos EUA em 2021, de 6%, e próximo à estimativa do Fundo para o crescimento da economia global, de 5,9%.

Economistas ouvidos pela Reuters previam 5,5%. Na década de 2010 a 2019, o crescimento real anual do PIB dos EUA foi em média de 1,9% e nunca chegou a 3% em um único ano.

Assim, em grande medida os “5,7%” expressam uma comparação com uma base muito deprimida no auge da pandemia, e o quadro econômico tende a voltar ao patamar anterior.

Os 5,7% também refletem a guinada para o uso de recursos públicos para apoiar a população desempregada em massa e as empresas, sob a pandemia, assim como a manutenção de juros reais negativos. Suporte que, na maior parte, pelo menos do que diz respeito à população trabalhadora, já foi retirado.

4º trimestre

No quarto trimestre, o PIB dos EUA, principalmente impulsionado pela reconstituição de estoques, cresceu 1,73% sobre o trimestre anterior (julho-setembro) – assinalado pela mídia norte-americana como 6,9% “anualizado” (o resultado de um determinado trimestre, multiplicado por 4, artificialmente). No terceiro trimestre, a alta do PIB fora cerca de um terço disso, quase 0,6% trimestre sobre trimestre.

Sob o impacto da nova variante ômicron, que levou à redução dos gastos dos consumidores e interrompeu a atividade em fábricas e empresas de serviço, além de voltar a lotar hospitais, em dezembro a economia norte-americana já mostrava sinais de perda de fôlego.

Alguns dos ventos contrários que sopram sobre a economia norte-americana são o agravamento da inflação; a “grande demissão” – a busca por condições de salário e trabalho melhores em um país ‘uberizado’ e ‘walmartizado’ ao extremo e onde o salário mínimo está congelado há 12 anos -; e a escassez de carros novos, de chips e as prateleiras vazias, em meio à crise nas cadeias de suprimento globais e caos nos portos e às seqüelas da desindustrialização dos EUA.

E, claro, a especulação nos cornos da lua, de que os índices desvairados de Wall Street são sintoma.

Há ainda o fato de que o programa de gastos sociais e de investimentos, o Build Back Better [Reconstruir Melhor], já cortado pela metade, para US$ 1,75 trilhão ao longo de 10 anos, não consegue ultrapassar a barreira da obstrução no Senado e vai ficando para as calendas. Em compensação, o Congresso não teve a mínima dificuldade em fornecer ao Pentágono e ao complexo industrial-militar o maior orçamento da história, US$ 770 bilhões no ano, mais até do que fora pedido, sustentado à base de expansão monetária.

Os 5,7% de crescimento podem servir de alento ao governo Biden, que já tem índice (33%) de aprovação abaixo do de Trump no mesmo período de mandato, e é visto pela maioria como ruim na política externa, fraco na economia e até um fracasso no combate à Covid, segundo recente pesquisa. Isso a poucos meses das eleições intermediárias em que estará em jogo o controle do Congresso.

Também o déficit na balança comercial de bens e serviços bateu novo recorde anual, de menos US$ 1,34 trilhão – apesar de toda a guerra comercial e tecnológica contra a China ter sido no essencial mantida sob Biden.

Inflação

O quarto trimestre também tornou evidente outro problema, com o PCE, o índice de preços do consumo pessoal, batendo o recorde de 40 anos de 6,5% – bem acima da meta oficial do Federal Reserve de “2%” – e atingindo em cheio o poder de compra das famílias.

Para o ano inteiro, o BEA considerou a inflação em 3,9%. Como disse um analista da cena econômica norte-americana: “alguém acredita que a inflação está em 3,9%?”

Como comparação, no quarto trimestre os preços da energia aumentaram 40,7%, enquanto os preços dos alimentos aumentaram 9,2%.

Excluindo tais “preços voláteis” de coisas tão obviamente acessórias, como energia e comida, sempre se pode concluir que o “núcleo” da carestia, medido pelo PCE, ficou em 3,3% em 2021 e em 4,9% no quarto trimestre.

Registre-se que no trimestre outubro-dezembro a taxa de crescimento dos gastos do consumidor com bens foi de apenas 0,13%, e os gastos com serviços foram de modestos 2,12%, uma queda de 1,45 ponto percentual em relação ao trimestre anterior. Outro dado é que as vendas no varejo caíram inesperadamente 1,9% em dezembro.

Um relatório separado do Departamento do Trabalho na quinta-feira mostrou que os pedidos iniciais de auxílio-desemprego caíram 30.000 para 260.000 ajustados sazonalmente durante a semana encerrada em 22 de janeiro.

O presidente do Fed, Jerome Powell, anunciou na quarta-feira, após a reunião do comitê de política monetária (FOMC) de dois dias, que “em breve será apropriado aumentar” os juros e esboçou um mapa do caminho para mexer no campo minado da “Bolha de Tudo”, com três ou quatro altas de juro este ano, para começar, segundo a mídia, e passos para desfazer o inchaço do portfólio do Fed, que no decorrer da pandemia dobrou de 20% para 40% do PIB.

Com ares de pitonisa, Powell, nomeado por Trump e mantido por Biden, disse que a economia “não precisa mais de níveis altos e sustentados de apoio da política monetária” e que “em breve será apropriado aumentar” os juros, apontando para “março”.

Ele assegurou que o Fed permaneceria “ágil” nessa economia que estava mais quente do que qualquer coisa vista em muitos anos, com inflação muito acima da meta do Fed, e com um “mercado de trabalho muito, muito, muito forte” e um mercado de trabalho “historicamente apertado”.

O comitê de política monetária do Fed também ofereceu mais alguns detalhes sobre “reduzir significativamente” o enorme balanço patrimonial do Fed. Pelo plano, principalmente limitando quanto do principal ele rola dos títulos em vencimento.

Mas não estabeleceu uma data específica para o início do aperto, nem deu nenhuma dica de quanto acabaria por reduzir o balanço patrimonial de US$ 8,8 trilhões.

Respondendo a uma pergunta, Powell disse que o balanço patrimonial do Fed era “substancialmente maior do que precisava ser” e que “há uma quantidade substancial de encolhimento a ser feito”, mas esse encolhimento será “ordenado e previsível”.

Ele não explicou como vai aumentar os juros sem a casa cair. É como se dizia antigamente: se correr, o bicho pega; se ficar, o bicho come.

Treasuries

O FOMC disse ainda que planeja mudar a composição do seu balanço patrimonial, desfazendo-se dos títulos lastreados em hipotecas e incorporando mais títulos do Tesouro dos EUA, os ‘treasuries’.

O que atende às necessidades do governo federal para financiar seus enormes déficits.

A última vez que o Fed tentou executar um “duplo aperto” – aumento das taxas de juros e redução do balanço patrimonial – foi em 2018. Wall Street quase foi à lona e o Fed recuou rápido.

No final de 2019, após nova crise, agora no overnight, o Fed correu a cortar os juros e voltou a comprar títulos a rodo dos bancos e fundos encalacrados.

Na coletiva de imprensa, Powell asseverou que a normalização do balanço do Fed começaria no “momento apropriado”, mas que não havia ainda um cronograma específico, nem a questão havia sido discutida pelo FOMC.

O que levou um conhecido especulador a ironizar: “sobre o que exatamente eles falam quando se encontram, esportes?”