Pelo terceiro dia, pipocaram em Teerã e outras cidades manifestações de protesto após o reconhecimento do governo iraniano, de que foi sua defesa antiaérea que abateu por engano o Boeing ucraniano com 176 pessoas a bordo no dia 8, sendo 145 iranianos (entre residentes no país e cidadãos iranianos com dupla nacionalidade canadense), todos mortos, ao confundi-lo com um míssil de cruzeiro.
O erro se deu numa situação de guerra iminente criada pelo assassinato, por Trump, do principal comandante militar, general Suleimani, A queda do avião ocorreu quatro horas após a retaliação do Irã a duas bases dos EUA no Iraque.
Conforme o El País, as manifestações começaram no sábado “sob a forma de vigílias” pelas 176 vítimas, mas logo se transformaram em protestos “contra as autoridades iranianas”, acusadas de “mentir” sobre a derrubada do avião civil.
O reconhecimento de que fora um míssil terra-ar iraniano que atingiu por erro o avião ucraniano ocorreu na sexta-feira (10), após conclusão da investigação dos militares iranianos e a ordem do líder máximo iraniano, Ali Khamenei, para que tudo fosse devidamente informado ao público e aos governos estrangeiros.
“Um erro desastroso”, reiterou o presidente Hassan Rouhani, que pediu desculpas em nome do Irã e anunciou nesta terça-feira (14), que “alguns indivíduos” envolvidos na queda do avião foram presos.
AUTENTICIDADE
Quanto à amplitude dos protestos, a Reuters afirmou que vídeos enviados à internet mostraram “dezenas de manifestantes, possivelmente centenas,” na segunda-feira, em locais em Teerã e Isfahã, cidade ao sul da capital. No sábado, teriam sido “milhares”, com muitos cantando “morte ao ditador” – em referência a Khamenei.
Já as manifestações em homenagem a Suleimani e contra Trump reuniram milhões de pessoas.
A agência de notícias britânica disse ainda que os vídeos mostraram “pessoas feridas sendo carregadas e poças de sangue no chão” e “tiros”, mas que não tinha como comprovar a autenticidade. O governo do Irã negou que tivesse reprimido as manifestações contra o derrube do avião.
O correspondente do portal iraniano PressTV em Paris, Ramin Mazaherii, considerou “natural” os protestos nas universidades: “muitos estudantes estavam a bordo e portanto muitos manifestantes tinham ligações pessoais com os que morreram”.
O pesquisador do Centro de Estudos Estratégicos sobre o Oriente Médio de Teerã, Abbas Aslani, disse ao El País que o ambiente na capital está “emocionalmente muito pesado” e há pessoas irritadas por acharem que o governo “ocultou informações”. Para ele, ainda é cedo para dizer se os protestos continuarão.
Aslani concluiu dizendo que os protestos, “embora tenham certo impacto na unidade criada durante os funerais de Suleimani, isso não muda o fato de que a maioria da sociedade iraniana continua considerando [a ação militar dos EUA] um assassinato contra uma figura muito popular”.
ÁGUAS TURVAS
O jornalista alertou para a intervenção dos grupos pró-americanos buscando sequestrar os protestos para seus objetivos. Como o vídeo de um black block arrancando e pisoteando uma foto de Suleimani. Ou o vídeo com supostos manifestantes gritando que “eles estão mentindo que o nosso inimigo é a América, o nosso inimigo está bem aqui”.
A intromissão de potências agressoras nas manifestações levou o embaixador britânico, Robert Macaire, a ser detido no sábado para explicar participação em protestos dentro do país.
A declaração de Trump de que apoia os “corajosos iranianos” foi classificada por Teerã como “lágrimas e crocodilo” e uma “desonra ao idioma”. O governo americano vem há quase dois anos submetendo o Irã e seu povo – como apontou um Relator Especial da ONU sobre direitos – a “um cerco medieval”.
Foi Trump que rasgou o acordo nuclear e reimpôs as mais drásticas sanções que fazem o povo iraniano amargar situação tão penosa.
VOO 655 DA IRAN AIR
A postura do Irã após derrubar por engano o voo PS 752 da Ukranian Airlines foi de reconhecer o grave erro e não está impedindo as investigações.
Já os EUA, que em 1988 abateu o voo 655 da Iran Air, matando 290 pessoas a bordo, sendo 66 crianças, com dois mísseis disparados pelo USS Vincennes, sob alegação de ter confundido um Airbus com um pequeno caça F-14, jamais pediu desculpas ou reconheceu a culpa.
É conhecida a arrogante declaração de Bush Pai de que “os fatos não importavam” e que “jamais iria pedir desculpas ao Irã”. O comandante do navio de guerra que matou os 290 civis e sua tripulação foram condecorados pelo governo dos EUA. Só anos mais tarde, Washington admitiu indenizar as vítimas em cerca de US$ 61,8 milhões em um acordo para que o Irã retirasse ação movida na Corte Internacional de Haia.