Seção eleitoral em Varsóvia. Votação chegou a ser adiada por quase dois meses por causa da Covid-19 Foto: Wojtek Radwański -AFP - Getty Images

Apesar da forcinha dada por Donald Trump, que o recebeu efusivamente na Casa Branca às vésperas das eleições de domingo (28), o atual presidente de extrema-direita da Polônia, Andrzej Duda, terá de enfrentar o oposicionista Rafal Trzaskowski – atual prefeito de Varsóvia – no segundo turno, que ocorrerá no dia 12 de julho.

O primeiro turno havia sido adiado por sete semanas por causa da pandemia de Covid-19. Com 99,78% das urnas apuradas, Duda, do Partido Lei e Justiça (PiS)/Direita Unida, obteve 43,7% dos votos, anunciou a Comissão Eleitoral (PKW), contra 30,3% de Rafal Trzaskowski, da Plataforma Cívica/Coalizão Cívica (KO).

O ‘independente’ Rafal Holwnia obteve 13,85% e o ‘anti-sistema’ Krzystof Bozak, 6,75%: seus votos serão o fiel da balança. O comparecimento às urnas foi de 64%.

Trzaskowski, que se apresentou como o candidato da mudança, prevaleceu nas grandes cidades e entre os jovens com um programa a favor da democracia e da Europa. O atual presidente venceu nos centros urbanos menores e nas áreas rurais.

Trzakowski ingressou na disputa de última hora, em maio de 2020, substituindo a candidata Malgorzata Kidawa-Blonska, e em seis dias reuniu as 100 mil assinaturas necessárias para oficializar sua candidatura. O que, segundo o Financial Times, evitou que a eleição se transformasse numa “coroação de Duda”.

Nem a ressurgência do coronavírus nos EUA demoveu Duda de apelar para a boca de urna com Trump. A quatro dias da eleição, ele se tornou o primeiro mandatário estrangeiro a ir à Casa Branca após a irrupção da pandemia.

Onde foi receber afagos de Trump, solicitar mais tropas norte-americanas na Polônia, em visita realizada dias após o presidente bilionário ameaçar reduzir as tropas dos EUA na Alemanha pela metade, para punir Berlim por comprar gás russo e não pagar tudo que exige de taxa de ocupação (2% do PIB).

Embora a figura do presidente seja em grande medida simbólica na Polônia, ele detém o poder de veto e, com o PiS tendo perdido a maioria no Senado e com frágil maioria na Câmara, a perda do mandato deixaria o PiS em situação vulnerável.

“Logo decidiremos se teremos um presidente forte capaz de cobrar responsabilidade do governo ou um presidente que não respeita sua própria assinatura”, disse Trzaskowski na noite da eleição em Varsóvia.

Duas pesquisas de opinião realizadas no domingo passado, após a eleição, para a emissora privada TVN e para a tevê estatal, mostraram que Duda está apenas dois pontos à frente de Trzaskowski e, assim, o resultado até agora é imprevisível.

A maior parte dos votos do PiS vem das cidades menores e das áreas rurais, com uma arenga pelos “valores católicos” e pela “família”, além da manutenção de programas sociais.

O governo do PiS/Duda tem vivido às turras com a União Europeia, por motivos que vão da imposição arbitrária de uma reforma do judiciário para cassar juízes, rechaçada pelos órgãos europeus, à política xenófoba contra imigrantes e ao discurso de desprezo pelo meio ambiente.

A Polônia foi o único país do bloco europeu que se recusou a aceitar a meta de zerar a emissão líquida de carbono até 2050. Em janeiro, juízes de todos os países do bloco foram a Varsóvia apoiar os juízes poloneses e a independência da Suprema Corte.

Também houve protestos contra tentativa do PiS de criminalizar qualquer ato de aborto, mesmo em caso de estupro ou risco de vida para a mãe.

Faz parte ainda da cartilha do PiS um anticomunismo feroz e russofobia extremada, a ponto de ter se proposto a pagar para ter um ‘Forte Trump’ no país, além do sistema antimíssil norte-americano já implantado.

É também o governo europeu mais furibundo contra o gasoduto russo-alemão (Nord Stream 2) e busca tornar a Polônia no centro de distribuição do mais caro gás do fracking norte-americano na Europa, tendo construído um terminal portuário com capacidade para importar 5 bilhões de metros cúbicos por ano.

O PiS também tem se dedicado a destruir monumentos dos heróis soviéticos que libertaram o país da opressão hitlerista e incentivado os extremistas, a ponto de a maior marcha de fascistas na Europa desde o fim da II Guerra Mundial ter tido lugar em Varsóvia, capital da Polônia, em 2017.

Duda também tem ojeriza pela máscara facial nesses tempos de Covid-19 e seus adeptos acham que, caso se aglomerem, não faz mal nenhum. A previsão é de que a economia polonesa vá cair quase 8% este ano em decorrência da pandemia.

O governo do PiS também é o baluarte da chamada ‘Iniciativa dos Três Mares’ – Báltico, Adriático e Negro -, que retoma a pretensão do ditador polonês de antes da II Guerra, Jozef Piłsudski, de criar um cordão sanitário contra a União Soviética, agora, contra a Rússia, juntando os países bálticos, alguns pequenos estados dos Bálcãs, Hungria, Romênia e Ucrânia, como uma espécie de enclave pró-americano e anti-russo no leste europeu.

Além de apelar para Trump, em sua campanha o presidente Duda, invocando os “valores católicos”, prometeu impedir que as escolas difundam as concepções LGBT “entre as crianças”, “ideologia” que considerou “pior do que o comunismo”.

A origem do PiS é a junção de alguns dos elementos mais extremistas do entorno do Solidarnosc, sob a batuta dos irmãos gêmeos Lech e Jaroslaw Kaczynski. A ascensão de Lech foi facilitada por sua nomeação para presidente do Tribunal de Contas em 1990, dali a ministro da Justiça e, depois, prefeito de Varsóvia. O irmão cuidava do partido.

Em 2005, Lech foi eleito presidente, mas morreu em um desastre de aviação em uma visita à Rússia em 2010, em final de mandato. Os ajustes neoliberais sob a política da Troika, no governo do primeiro-ministro Donald Tusk e do presidente Borislaw Komorowski, facilitaram a volta do PiS ao poder em 2015.