Governo russo considera três vacinas com maior chance: a russa, a britânica e a chinesa - Anton Vaganov/Reuters

24 horas após a reconfortante notícia de que pesquisadores russos haviam realizado com êxito a fase 1 dos testes de uma vacina contra o coronavírus que poderia vir a ser a primeira do mundo a ficar pronta, a central de fake news Londres/CIA, coadjuvada pelos canadenses, anunciou em comunicado que hakers russos “quase certamente ligados ao Kremlin” haviam invadido pesquisas de universidades inglesas para “roubar dados sobre vacinas da Covid”.

Declaração prontamente refutada como “sem fundamento” e sem evidências pelo porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov. “A Rússia não tem nada a ver com isso”, enfatizou.

Por sua vez, o russo que chefia o Fundo Russo de Investimento Direto, Kirill Dmitriev, que está financiando o desenvolvimento da vacina que pode ficar pronta em setembro, disse que roubar dados da vacina inglesa “não faria sentido”.

Na opinião dele, as três vacinas mais perto de sucesso, todas com o mesmo enfoque, com base em adenovírus, são a russa do Instituto Gamalei, a sueco-britânica da Oxford/AstraZeneca e a chinesa da CanSino. Ele acrescentou que é um enorme desafio, já que “nenhuma vacina no mundo recebeu aprovação regular mais rápido do que quatro anos”.

Dimitriev relatou, também, que o Fundo que dirige está investindo nas três alternativas. Ele destacou que a empresa russa, a R-Pharm, tem acordo com a Oxford/AstraZeneca para fabricar sua vacina na Rússia. “Nenhum segredo é necessário. Tudo já foi concedido à R-Pharm”.

“Outros logo serão capazes de fazer o mesmo”, ressaltou. “Produzindo esta vacina através de parcerias de manufatura em vários países, seremos capazes de elevar a produção a 200 milhões de doses até o fim do ano”, avaliou. No próximo ano, até 3 bilhões de doses.

Dmitriev contestou, ainda, a tese do pouco conhecido desenvolvimento tecnológico russo na questão. 1/3 dos testes do coronavírus em uso nos EUA são de procedência russa e também é russo o segundo antiviral aprovado no mundo para uso contra a Covid, Avifavir.

PROVOCAÇÃO

O NYT observa ainda que as acusações contra a Rússia são o “último exemplo de uma crescente disposição nos meses recentes dos EUA e seus aliados de inteligência mais próximos para publicamente acusarem adversários estrangeiros de vazamentos e ciberataques” e que o governo Trump já advertiu previamente contra “esforços da China e do Irã para roubar pesquisa da vacina”.

“A Rússia não está sozinha”, disse John Hultquist, diretor sênior de análise de inteligência no Silicon Valley. Mais realista sobre a corrida em curso à vacina que pode trazer o mundo um pouco mais perto da volta à normalidade, ele disse que “um monte de gente está nesse jogo” mesmo não hajam falado neles ainda. “A epidemia inteira está absolutamente coalhada de espiões”.

Pelo estardalhaço feito pela mídia ocidental, é tudo culpa da Rússia – mesmo sem apresentar qualquer prova – e até os hackers seriam justamente os mesmos que, segundo a CIA, teriam invadido os computadores do Diretório Nacional Democrata (DNC) em 2016, episódio marcante na derrota de Hillary Clinton para um desclassificado como Trump.

Como a moda são as franquias, “Cozy Bear” [Urso Acolhedor], que frequentou por tantos dias o imaginário do Capitólio e de Wall Street, está de volta às postagens nas redes sociais. Formalmente, a ‘denúncia’ partiu do Centro Nacional Britânico de Cibersegurança.

Os ingleses são sempre muito solícitos em agradar Washington, pelo bem da prataria da rainha e dos especuladores da City londrina. Como em 2003, quando, para ajudar W. Bush na invasão do Iraque, forjaram que laboratórios ambulantes de guerra bacteriológica de Sadam estariam prontos para atuar em 45 minutos. Ou o dossiê Steele, que não salvou Hillary.

HIPERSÔNICOS, MAS VACINA NÃO

A Rússia foi capaz, nos últimos tempos, de sair na frente nos mísseis hipersônicos, mas não, se está prestes a chegar a uma vacina – há mais de 150 em pesquisa no mundo, segundo a OMS – só pode estar roubando a tecnologia britânica ou norte-americana, de acordo com essa gente.

A propósito, a fake news da vacina roubada sequer afirma que alguma coisa foi efetivamente subtraída digitalmente, inclusive dá a entender que não, mas garante que desde fevereiro “aumentou muito a atividade” de hackers contra centros de pesquisa de vacina.

Já que tiveram a cara de pau de tirar da cartola essa acusação contra a Rússia, sem qualquer evidência, quando se trata deles o que não falta – como mostrou Edward Snowden – são provas e mais provas de grampeamento em massa das pessoas, instituições e governos, sob a paranoica teoria de “criar o palheiro, para achar a agulha quando quiser”.

Também o vazamentos dos arquivos “Cofre Forte Sete” da CIA, pelo WikiLeaks, revelou que a agência de sabotagem e assassinato norte-americana desenvolveu uma tecnologia para fraudar registros digitais para atribuir a outros países pirataria que ela própria comete.

“FIVE EYES”

A fake news tem a chancela de três dos cinco integrantes da maior rede de grampeamento do planeta, os “Five Eyes” [Cinco Olhos]: EUA, Grã Bretanha e Canadá. Nos próximos dias, os outros dois, Austrália e Nova Zelândia, devem aderir alegremente.

Quanto às denúncias propriamente ditas, como na matemática elementar, noves fora, nada. Descobertas notáveis: uma tropa de elite de hackers teria usado “phishing” e “malware”, os ataques são “contínuos” e “eles buscam questões de inteligência ligadas à pandemia”.

Não precisa provar nada, basta postar e ecoar nas redes, usando frases tão vazias como “acredita-se que façam parte da inteligência russa”, para que sirva de pretexto para a enésima repetição da “ameaça russa”. “Acredita-se?”. É isso mesmo?

“COZY BEAR”

Adiante, o comunicado atribui, sem provar nada, ao “grupo de hackers APT29, também conhecido como Cozy Bear [Urso Acolhedor]” os ataques às “instituições de pesquisa acadêmica e farmacêutica que tentam criar uma vacina contra o coronavírus”.

Assim, além de piratas cibernéticos, os russos também teriam se tornado burros, para apelarem para um esquema totalmente torrado e manjado, a grife “Urso Acolhedor”, na hora em que todos os olhos no mundo estão voltados para a pandemia.

Chama também a atenção a alta produtividade recente do Centro Nacional Britânico de Cibersegurança. Esta semana, partiu dele o parecer de que, com a proibição de Trump de fornecimento à Huawei de chips de fabricação norte-americana, o órgão inglês não teria mais como assegurar a integridade do funcionamento das redes de 5G, pretexto que o primeiro-ministro Boris Johnson usou para mais uma genuflexão diante de Trump.

O ministro das Relações Exteriores inglês, Dominic Raab, também faz o que pode e se saiu com “enquanto outros perseguem seus interesses egoístas com comportamento imprudente, o Reino Unido e seus aliados trabalham duramente para encontrar uma vacina e proteger a saúde global”. Fala sério. O país vai buscar “a responsabilização dos culpados”, declarou.

REQUENTA

Raab requentou ainda as fábulas da “interferência russa” nas eleições britânicas do ano passado, o que exemplificou com o vazamento das negociações secretas entre Boris Johnson e o governo Trump para um acordo comercial pós-Brexit.

Na interpretação do jornal Guardian, o vazamento “parece ter sido projetado para semear o caos” nas eleições de 2019. Curioso como nesses tempos de decadência acelerando, a palavra caos passou a frequentar o cotidiano dos apologistas do status quo.

Na verdade, foi a boca grande de Trump, sobre privatizar o Serviço Nacional de Saúde, que fez a coisa gorar. E talvez a súbita lembrança de Raab da “ameaça russa” seja explicada pelo fato de que a retomada dessas negociações parece estar próxima.

SEM DEPENDÊNCIA

Sobre tais questões, o tom do New York Times é bastante menos maniqueísta que a maior parte da cobertura a respeito. Assim, o Times registra que “autoridades americanas da inteligência disseram que os russos tinham como alvo roubar pesquisa para desenvolver sua própria vacina mais rapidamente, não para sabotar os esforços de outros países”.

Outro executivo em uma empresa norte-americana de cibersegurança, Robert Hannigan, e ex-chefe da cibersegurança britânica, assinalou que “a Rússia claramente não quer frustrar a produção da vacina, mas eles não querem ficar dependentes dos EUA ou do Reino Unido para a produção e descoberta da vacina”.

O próprio NYT chega a uma conclusão semelhante, ao registrar que embora a Rússia “pudesse estar procurando roubar dados sobre a vacina para acelerar sua própria pesquisa, ela poderia também estar tentando evitar depender dos países ocidentais para qualquer eventual vacina contra o coronavírus”.

O jornal nova-iorquino assevera que cientistas da Oxford disseram na quinta-feira que eles tinham “notado a surpreendente semelhança entre o enfoque da vacina deles e o trabalho que os cientistas russos reportaram”.

Outra questão que Moscou estaria tentando evitar, mesmo tendo acesso à vacina da AstraZeneca, seria ficar quase no fim da fila caso a vacina se mostre um sucesso, segundo o NYT.

O Times aponta que, embora a corporação farmacêutica tenha anunciando que a vacina estaria disponível ao custo, “governos e fundações filantrópicas têm pago grandes somas para assegurar seu lugar na fila, mesmo sem qualquer garantia de que funcionará”. Só os EUA iriam pagar até US$ 1,2 bilhão para financiar o teste clínico e assegurar 300 milhões de doses.