Homenagem à juíza Ginsburg, diante da Suprema Corte: "Proteja a Corte, defenda o futuro" | Foto: Yuri Gripas/Reuters

Em um movimento que irá agravar a crise que cerca as eleições de 3 de novembro, em entrevista à Fox News o presidente Donald Trump afirmou que anunciará “entre sexta e sábado” o novo nome da Suprema Corte em substituição à recém falecida Ruth Bader Ginsburg, a respeitada juíza de quem milhares de pessoas se despediram no final de semana no Capitólio, se comprometendo com a defesa das liberdades democráticas.

Trump reiterou ainda que a ratificação da nomeação pelo Senado – onde os republicanos têm maioria de 53 a 47 – irá ocorrer “antes das eleições” de 3 de novembro. Ameaça que irá gerar ainda mais indignação, por tudo que significa de reacionário e antidemocrático.

Nos atos em homenagem à “Notória RBG”, como era tratada carinhosamente pela população, havia cartazes como “nenhuma nomeação antes da posse”, que é em janeiro do próximo ano. Uma petição exigindo isso obteve mais de um milhão de adesões em menos de três dias.

Pesquisas de opinião mostraram uma oposição esmagadora – 62% – a que Trump, com seu fiel escudeiro Mitch McConnell, nomeie alguém para um cargo vitalício na Suprema Corte na véspera de uma eleição em que é crescente a possibilidade de que seja defenestrado pelas urnas – depois de 200 mil mortos numa pandemia, economia em frangalhos, milhões de desempregados e desassistidos e um governo com marcado pela inépcia e obscurantismo.

Duas senadoras republicanas, Susan Collins, do Maine, e Lisa Murkowski, do Alasca, já se recusaram a apoiar a nomeação de um juiz para a Suprema Corte tão perto das eleições. Outros dois deram declarações nesse sentido.

McConnell disse na sexta-feira que pretendia encaminhar a votação a jato, embora tenha se recusado, em 2016, a realizar audiência para discussão do nome indicado pelo então presidente, o democrata Barack Obama. A vaga no Supremo havia sido criada pela morte inesperada de Antonin Scalia, o mais proeminente juiz conservador dos EUA, a dez meses da eleição.

A argumentação do líder republicano era, então, exatamente o contrário da atual: o povo norte-americano tinha o direito de decidir sobre o preenchimento da vaga na Suprema Corte por meio dos seus votos na eleição presidencial.

Agora, a apenas seis semanas do dia da eleição, e depois que as eleições pelo correio já começaram, ele quer empurrar goela abaixo da população o nome da preferência de Trump, em um cinismo sem tamanho.

Trata-se, também, de um flagrante desrespeito à vontade manifestada pela juíza Ginsburg à neta, nos seus últimos dias, de que a escolha do novo nome para a Suprema Corte fosse quando o presidente já tivesse sido decidido pelo voto.

Pelos microfones da Fox , Trump troçou dos últimos desejos de Ginsburg. “Não sei se ela disse essas coisas ou se foram escritas por Adam Schiff ou Pelosi”, assinalou, referindo ao presidente do Comitê de Justiça da Câmara e à presidente da casa, Nancy Pelosi. “Eu favoreceria a segunda hipótese”, acrescentou.

Trump asseverou que, “como vencedores [de 2016] temos a obrigação de fazer o que é certo e agir o mais rápido possível”. Não devemos esperar pelo próximo presidente que, acrescentou, “espero que seja eu”, “estamos aqui agora e agora temos a obrigação” de escolher.

A imposição por Trump de um jurista arquiconservador faria com que o atual desequilíbrio na Suprema Corte pendesse ainda para a direita, para 6 a 3. Nas palavras do moderado líder democrata no Senado, Chuck Schumer, “se o líder McConnell e os republicanos do Senado avançarem com isso, nada estará fora da mesa no próximo ano”.

Se Trump puder substituir Ginsburg imediatamente, o Obamacare e uma política de combate à pandemia com base na ciência estarão ameaçados, já alerta o candidato democrata, Joe Biden. A constitucionalidade do Obamacare foi sustentada em 2012 por 5-4, o que poderia ser derrubado. Além disso, apenas duas semanas após a eleição, a Suprema Corte deve ouvir uma contestação ao Obamacare apresentada por um grupo de procuradores-gerais estaduais republicanos

Mas, como disse Schumer, nada ficaria a salvo nessa nova correlação 6-3: direitos civis, direitos de voto, direitos trabalhistas, ação afirmativa, legislação LGBT, direitos reprodutivos e, claro, a descriminalização do aborto.

Com Biden à frente no voto popular, de acordo com as pesquisas, e em vantagem nos estados campos de batalha, que decidem o colégio eleitoral, que é o que vale no sistema norte-americano, além de dificuldades inesperadas de republicanos nas disputas pelo Senado, a morte da juíza Ginsburg está sendo vista como uma tábua da salvação pelas hostes trumpistas.

Uma juíza de ultradireita poderia mobilizar eleitores fundamentalistas evangélicos e inflar a campanha eleitoral republicana, sob o aceno da recriminalização do aborto, anulação do “Roe v. Wade” e sequestro por décadas da Suprema Corte.

Para o senador Ted Cruz, o buraco é mais embaixo: “não podemos deixar o dia da eleição ir e vir e com um tribunal de 4-4”, sob o risco de uma “crise institucional”. Aliás, com Trump ameaçando não reconhecer o resultado e mentindo que voto pelo correio é fraude.

Uma Suprema Corte de maioria retrógrada 6-3 seria tudo que Trump gostaria caso virasse a mesa em relação aos votos pelo correio. Ou, em outra hipótese, caso jogasse para encerrar a contagem de votos e ser declarado vencedor, repetindo a fraude de 2000 Bush v. Gore.

As apostas já estão correndo nesse terreno, com mais de 200 ações judiciais federais movidas sobre vários aspectos da eleição em 45 estados, algumas delas podendo chegar ao Supremo antes do 3 de novembro.

A senadora Elizabeth Warren disse que “McConnell e os republicanos acham que esta luta acabou”, no caso da substituição a jato da juíza Ginsburg. “Deixe-me ser clara: esta luta só começou – e estamos prontos para dar tudo que temos”.

Dentro das fileiras democratas já há quem fale numa ‘opção nuclear’, um segundo julgamento de impeachment contra Trump, como alternativa para paralisar a investida sobre a Suprema Corte.

Trump já reagiu aos rumores, dizendo que, se isso ocorrer, aí que ele ganha a Câmara federal de volta. Os nomes que vêm sendo divulgados das mais cotadas de Trump para a Suprema Corte são Amy Coney Barret, juíza católica e antiaborto, que foi colaboradora de Scalia.

Também Bárbara Lagoa, da Flórida, filha de cubano-americanos, nome cujo atrativo seria atrair votos para Trump num estado onde está dando empate no momento.

A Suprema Corte anunciou na segunda-feira que o caixão da magistrada estará exposto na quarta-feira no Lincoln Catafalque no topo da Suprema Escadaria, na área monumental de Washington, e nos próximos ao ar livre, devido à pandemia. Na sexta-feira, o caixão será levado ao National Statuary Hall no Capitol Hill para uma cerimônia formal aberta apenas para convidados.

Segundo Trump, ele só está esperando o encerramento das cerimônias de despedida da juíza Ginsburg, para dar início ao assédio à Suprema Corte, via Senado. “Acho que será sexta ou sábado, porque queremos prestar nossos respeitos. Parece que teremos serviços [funerais] na quinta ou sexta-feira, pelo que entendi”, disse o chefe da Casa Branca.

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