A liberação de um projeto de exploração mineral na Serra do Curral, na Grande Belo Horizonte em Minas Gerais, no último sábado (30), motivou a reação de ambientalistas, especialistas e comunidades próximas ao empreendimento. Em apenas dois dias, já são pelo menos quatro ações judiciais contra a votação ocorrida no Conselho de Política Ambiental (Copam), órgão ligado ao governo estadual, do empresário Romeu Zema (Novo).

Um dos processos é movido pela Prefeitura da capital mineira, que pede a suspensão da licença à Justiça Federal.

O projeto prevê o desmatamento de 41 hectares de vegetação nativa remanescente de Mata Atlântica, o dobro da área construída do Estádio do Mineirão. Desse total, seis hectares estão em uma Área de Preservação Permanente (APP).

O processo de exploração, da empresa Tamisa, está previsto para duas etapas: na primeira, espera-se extrair 31 milhões de toneladas de minério de ferro ao longo de 13 anos. Na segunda fase, está prevista a extração de 3 milhões de toneladas de itabirito, um tipo de rocha friável rico, com dois anos de implementação e nove de operação. A mineradora diz que o empreendimento segue as normas.

A Prefeitura de Belo Horizonte argumenta que a ação foi protocolada no âmbito federal porque o conjunto paisagístico da Serra do Curral é tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) desde 1960. “A atividade de mineração provocará a alteração do perfil do alinhamento montanhoso objeto do tombamento”, diz.

A ação do município também argumenta que o Estudo de Impacto Ambiental excluiu da área demarcada o território de Belo Horizonte, apesar de o empreendimento de mineração ficar na área limítrofe entre a capital, Sabará e Nova Lima, sendo a última a única consultada no processo.

O governo ressalta ainda, na ação, que o empreendimento está perto de parques municipais, especialmente o das Mangabeiras, inserido da Reserva da Biosfera da Serra do Espinhaço e vê risco grave ao abastecimento de água da região – o Rio das Velhas, que passa pela região da Grande BH, é um dos principais afluentes do Rio São Francisco. Outras ameaças apontadas pela prefeitura, e também por especialistas, são à fauna e à atmosfera.

Outras três ações foram protocoladas pela Rede Sustentabilidade, pelo deputado Rafael Martins (PSD) e pelo mestre em Direito Thales Freire. Ele pede que a Justiça suspenda a autorização dada pelo Copam à mineradora e estabeleça multa de R$ 1 milhão caso haja dano ao patrimônio e ao meio ambiente.

Erro

A Serra do Curral circunda parte de Belo Horizonte e foi eleita símbolo da cidade em 1998 pelos moradores. A importância dela para a capital mineira equivale ao Pão de Açúcar para os moradores do Rio de Janeiro. Com a exploração autorizada por Zema, o patrimônio mineiro corre o risco de desaparecer.

A Serra do Curral tem 14 quilômetros de extensão. O paredão “emoldura” um dos muitos “horizontes” da capital. Além de Belo Horizonte, Sabará e Nova Lima também abrigam a Serra do Curral. A distância do bairro Mangabeiras, o mais próximo, para uma das entradas do Parque da Serra do Curral é de 1,7 km.

O lugar integra o maciço da Serra do Espinhaço. A vegetação é de transição entre Mata Atlântica e Cerrado.

O complexo minerário da Tamisa também coloca em risco a qualidade do ar, segundo a Prefeitura. Na ação que tramita na Justiça Federal, o município alega que a poeira causadapela exploração vai invadir Belo Horizonte.

A tranquilidade dos moradores também será prejudicada. De acordo com a ação, vibrações decorrentes do empreendimento vão provocar barulho para quem mora perto.

Para a capital mineira, o território é importante. Belo Horizonte nasceu aos pés da Serra do Curral. Antes da sua fundação, em 1898, o vilarejo que ficava na região se chamava Curral Del Rey, daí o nome da serra. Ela começou a ser utilizada como trilha dos bandeirantes entre os séculos XIV e XVIII, após a descoberta de ouro em Vila Rica, hoje Ouro Preto.

Patrimônio ameaçado

A Serra do Curral, por exemplo, está representada no brasão de Belo Horizonte. Ela aparece em verde e com um sol nascendo à esquerda.

Da mesma forma, a Adutora do Taquaril, responsável pelo transporte de 70% da água tratada consumida pela população de Belo Horizonte, fica na região da Serra do Curral.

Segundo ação da prefeitura na Justiça Federal, o empreendimento da Tamisa interfere na adutora, o que pode comprometer o abastecimento de água da capital de Minas Gerais.

O ecossistema da Serra do Curral é rico em fauna e flora. Para se ter uma ideia, há 125 espécies de pássaros catalogados na região.

Um dos parques que fazem parte da serra, o Parque das Mangabeiras, em Belo Horizonte, integra a Reserva da Biosfera da Serra do Espinhaço, cujo limite se encontra a cerca de 500 metros da denominada Cava Norte do empreendimento da Tamisa.

Mineradoras como a Vale, Fleurs Global Mineração e Empabra são algumas das empresas que já atuam na Serra do Curral. Apesar do paredão verde se destacar na Região Centro-Sul de Belo Horizonte, por trás dele há uma “casca” marrom metálica, provocada pela ação contínua da extração de minério de ferro ao longo dos anos.

A entrada de mais uma mineradora quando a área estava prestes a ser tombada como patrimônio cultural é um retrocesso, segundo ambientalistas.

A área ainda não foi tombada. No entanto, o estudo de tombamento da Serra do Curral está pronto desde 2020, mas, até agora, não foi aprovado pelo Conselho Estadual do Patrimônio Cultural (Conep). Em novembro do ano passado, o governo de Minas Gerais e o Ministério Público (MP) firmaram um termo de ajustamento de conduta, para que fosse apresentado, até o dia 31 de maio, um novo relatório sobre o processo.

Porém, no último sábado, o Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam) aprovou a licença de instalação da Tamisa. Dos 12 conselheiros, oito votaram a favor do projeto.

Uma proposta de emenda constitucional que também trata do tombamento tramita na Comissão de Constituição e Justiça da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG). Não há previsão de quando ela irá a Plenário.