Os Despejados (1934), Portinari

SP-1: Tucanistão e a decadência de São Paulo

O Estado de São Paulo, que já foi conhecido como a “locomotiva do Brasil”, atualmente é chamado pejorativamente de “tucanistão”. Desde janeiro de 1995, quando Mario Covas tomou posse como governador, o PSDB manda e desmanda na principal unidade da federação – revezando-se no poder com Geraldo Alckmin, José Serra e, hoje, João Doria.

Por Altamiro Borges*

Nesse longo período de 26 anos, São Paulo empacou e colecionou dados alarmantes sobre baixo crescimento econômico, quebradeira de empresas, desindustrialização, desemprego e informalidade, miséria social, redução do papel indutor do Estado, entre outras várias chagas. Os tais “modernizadores tucanos”, adeptos do receituário neoliberal, mostraram-se incompetentes e afundaram São Paulo.

Com uma população que representa 22% dos 211 milhões de brasileiros e uma extensão de 2,9% do território nacional, o Estado ainda possui o maior PIB per capita do país, mas 1/3 da sua força de trabalho recebe até meio salário mínimo e a economia sofre declínio acelerado ano após ano. Em um extremo, a residual minoria dos ricaços da Faria Lima, dos rentistas e do agronegócio; no outro extremo, os milhões de excluídos e de jovens sem perspectiva.

Pandemia e o discurso marqueteiro de Doria

A pandemia da Covid-19, que teve o seu primeiro registro de óbito em março de 2020 na capital paulista, só agravou esse cenário devastador. Apesar do discurso marqueteiro do governador João Doria, as medidas de isolamento social e de amparo aos mais necessitados foram tímidas.

Graças ao Instituto Butantan, que o novato tucano planejava privatizar no início da sua gestão, a parceira com a indústria chinesa Sinovac resultou na vacina, a Coronavac, que já salvou milhões de vidas no Brasil. Mas esse mérito não pode ser usurpado oportunisticamente pelo gestor do PSDB e nem pode esconder os graves erros cometidos nesta pandemia.

Segundo levantamento da Confederação Nacional do Comércio (CNC), no ano passado, 20 mil lojas foram à falência em São Paulo. Diante do genocídio protagonizado por Jair Bolsonaro, que reduziu o valor do auxílio emergencial e empurrou milhões de trabalhadores para os transportes lotados e para as concentrações públicas, João Doria anunciou o seu “Bolsa do Povo” prometendo R$ 1 bilhão em ajuda às famílias mais necessitadas.

Na prática, porém, era mais uma peça de publicidade. Cerca de R$ 600 milhões provinham de programas sociais já existentes e outros R$ 400 milhões foram realocados da área da educação, sobretudo do Centro Paula Souza. A miséria tomou conta das ruas da capital e dos centros urbanos no interior, elevando o número de moradores de rua e despejados.

BolsoDoria não engana mais a população

Apesar de todo o esforço e gastos marqueteiros, o governador do PSDB não conseguiu ludibriar a população paulista. Pesquisa Datafolha divulgada em setembro último mostra que apenas 8% dos moradores de São Paulo afirmam “sempre confiar nas declarações de João Doria” – índice pior dos que ainda acreditam no genocida Jair Bolsonaro (que é de apenas 15%).

Segundo a sondagem, 48% dizem acreditar “às vezes” no gestor paulista, enquanto 44% nunca dão credibilidade às falas do tucano. A mesma pesquisa apontou que a reprovação do seu governo atinge 38% no Estado, enquanto somente 24% o aprovam e 38% consideram a gestão regular.

A total desconfiança é plenamente justificável, já que João Doria mentiu inúmeras vezes durante a pandemia e, inclusive, adotou posturas elitistas que indignaram a sociedade – como quando viajou a passeio para Miami, nos EUA, ou foi flagrado sem máscara tomando sol na piscina de um luxuoso hotel no Rio de Janeiro.

Antes do novo coronavírus, o velhaco tucano já havia demonstrado todo o seu oportunismo político ao descumprir a promessa de exercer a função de prefeito da capital paulista por quatro anos (ficou no cargo por apenas um ano e três meses) e ao trair seu criador, o ex-governador Geraldo Alckmin, e vestir a camiseta do “BolsoDoria” na disputa pelo Palácio dos Bandeirantes em 2018.

Vaidoso, ambicioso e desleal, o ricaço João Doria sempre foi um carreirista, com suas posições de direita e totalmente avessas ao povo. Ele é um típico representante da oligarquia paulista, ávida e sem escrúpulos. Por razões eleitoreiras, ele hoje faz oposição ao “capetão” Jair Bolsonaro, mas tem o fascismo no seu DNA.

SP-2: PSDB pode perder hegemonia no Estado

Mas o “tucanistão” de São Paulo parece estar com os seus dias contados. As pesquisas apontam para as enormes dificuldades do PSDB em 2022. Após o fiasco de Geraldo Alckmin em 2018, a fartura de tempo na TV e de recursos na campanha resultou em apenas 4,76% dos votos no Brasil, agora é João Doria que não decola na disputa presidencial.

Nas prévias internas da sigla, asbicadas são sangrentas. Nessa crise no ninho, o tucanato finalmente pode perder a hegemonia também em São Paulo. É uma fadiga visível de material com o PSDB no Estado. O candidato do atual governadormo à sua sucessão, Rodrigo Garcia, o ex-demo, está empacado nas pesquisas. Ele não conseguiu sequer empolgar o próprio partido, que está rachado e sofre defecções – como o ex-governador Geraldo Alckmin, que hoje se vinga do filhote que o traiu.

Há chances concretas de São Paulo iniciar uma nova fase na sua história, superando o período de trevas e retrocessos imposto pelos neoliberais na mais rica unidade da federação. Não dá para se omitir nessa batalha eleitoral que definirá o destino de milhões de trabalhadores. O sindicalismo terá papel decisivo nessa disputa estratégica.

A redução dos investimentos na saúde

É preciso superar a desgraceira do tempo de reinado tucano. Ela está presente em várias questões. Vale destrinchar alguns setores. Na saúde, por exemplo, a pandemia da Covid-19 só escancarou os graves problemas já existentes. Não é para menos doenças que poderiam estar extintas seguindo como a leptospirose, que matou 43 pessoas no ano reativas. Já a dengue teve um crescimento legendado de quase 3.000% em 2019 – antes do coronavírus.

Apesar dessa anomalia, o governo quadro os investimentos na saúde. Reportagem de 13 de setembro da Folha S.Paulo de 13 de setembro mostra que os gastos de equipamentos outros complementos que não incluem as despesas fixas – como pagamento de obras e aposentadorias e de gastos com gastos de obras e de aposentadorias e de gastos com gastos de obras – como pagamento de obras e de aposentadorias – foram cortados durante a gestão de João Doria.

Entre 2011 e 2018, nas gestões de Geraldo Alckmin, “a média anual de investimentos feitos pela Secretaria da Saúde foi de R$ 1,05 bilhões, em valores corrigidos. Nos dois anos primeiros do governo Doria, essa média caiu para R$ 811 milhões – quantia 23% menor”, ​​informa o jornal.

O Sindicato dos Médicos de São Paulo (Simesp) alerta para as consequências danosas dessa redução. “Se a gente está assim agora, imagine com uma incorporação progressiva de mais pessoas dependentes do SUS. Com aumento de sequelas pós-pandemia, a demanda represada, como cirurgias eletivas. A gente atualizou o conceito de entrega”, enfatiza o presidente da entidade.

O quadro desolador na educação

Já na área da educação, o cenário é desolador. O autoritário João Doria nunca respeita os trabalhadores do setor e as entidades sindicais da categoria. Em pleno repique da pandemia, no início de 2021, governador impôs a volta aos reais, o que gerou um aumento acelerado de infectados, hospitalizados e mortos – inclusive de menores de idade.

Segundo a Associação dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp), o desmonte no setor é antigo. A categoria não tem aumento salarial há 12 anos. Ela que já teve o quarto melhor salário do país, atualmente está na 16ª posição . A terceirização é hoje uma triste realidade em todos os níveis de ensino – desde o programa Primeira Infância, que destina verba pública a 37 mil vagas em creches privadas.

O governo também promoveu mudanças curriculares que destroem o projeto de escolas de conteúdo, determinando a escola de direitos dos cívico-militares e incentivando o modelo autoritário da escola cívico-militar. Além disso, ele tem contratos milionários firmados com iniciativa privada, como plataformas digitais, editoras e ONGs mercantilistas.

SP-3: O desastre do longo reinado tucano

Mesmo no setor da segurança pública, tão papagaiado pelo tucano-fake como uma vitrine do seu governo, a situação é trágica. Assaltos e homicídios seguem em alta. O Estado tem o maior contingente policial do país, mas convive com cenas cruéis de violência – como na chacina que matou nove jovens em Paraisópolis, na Zona Sul da capital.

A morte já faz parte da rotina do trabalhador pobre, preto e periférico. Segundo dados da própria Ouvidoria das Polícias, a PM paulista mata, em média, uma pessoa a cada 12 horas. De acordo com a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo (SSP/SP), 33,1% dos assassinatos que acontecem no Estado são cometidos pela Polícia Militar.

Saldo negativo em todas as áreas

Em outras áreas, o saldo do longo reinado tucano também é negativo. Nas obras contra as enchentes no Estado, entre 2010 e 2019, os governantes do PSDB usaram somente R$ 3,6 bilhões dos R$ 6,2 bilhões previstos para serem investidos em ações preventivas.

No transporte público, pouco se avançou na malha metroviária. As obras do Metrô Linha Ouro, da Linha 6-Laranja e Linha 4 foram abandonadas pelos consórcios privados; algumas ficaram paralisadas por mais de ano. O processo criminoso de privatização do Metrô segue em curso, como na entrega das bilheterias da Linha 5. O caos no setor é total. Pesquisa recente feita pelo Senac comprova que 33% dos paulistanos gastam mais de duas horas para se deslocar ao trabalho.

Já o déficit habitacional da unidade mais rica da federação, segundo pesquisa da Fundação Getúlio Vargas, é da ordem de 1,8 milhão de domicílios. A fila da moradia popular na capital ultrapassa 1 milhão de inscritos. João Doria, dono de várias mansões – algumas delas inclusive denunciadas por atraso no pagamento do IPTU –, cortou pela metade o orçamento da habitação e em 13% do orçamento de assistência social.

Doria tem aversão aos trabalhadores

Na prática, o governador elitista de São Paulo, que fez fortuna como lobista de ricaços, têm aversão aos trabalhadores, às camadas populares. Que o diga o funcionalismo público, tratado com total desprezo. O tucano bancou na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) um projeto de Reforma da Previdência que eleva a idade mínima para 62 anos (mulheres) e 65 anos (homens) – aumentos de sete e cinco anos, respectivamente –, e amplia a alíquota previdenciária de 11% para 14%.

Na reta final do seu mandato, João Doria ainda enviou à Alesp o Projeto de Lei Complementar-26, que enfraquece o serviço público e abre brecha para mais privatizações. Em plena pandemia, a relação do governador com o funcionalismo é de terror, como aponta um balanço produzido pela Rede Brasil Atual no final de setembro:

“Professores, profissionais da saúde e outros servidores públicos vivem há um ano e meio uma rotina de medos, desafios e muita coragem para enfrentar a Covid-19. O reconhecimento vem de todos os lados, mas não do governo do Estado de São Paulo, que retira direitos de quem está na linha de frente do sistema de saúde, nas escolas tentando fazer a educação chegar aos alunos, ou encarando os problemas agravados pelo coronavírus no sistema prisional”.

De acordo com o Sindicato dos Servidores da Saúde (Sindsaúde-SP), o PLC-26 prevê inclusive acabar com o reajuste do adicional de insalubridade dos profissionais da área – que estão na linha de frente do combate ao coronavírus. “Entre diversos pontos prejudiciais, o PLC acabará com a estabilidade, os concursos públicos e os direitos dos servidores. O que está em curso é a destruição do funcionalismo no Estado de São Paulo. Desta forma, poderá haver uma evasão de servidores, prejudicando a população”, alerta a Apeoesp.

SP-4: Doria é um neoliberal radical

O projeto de desmonte dos serviços públicos, do Estado-Mínimo, faz parte do ideário neoliberal do PSDB desde a sua fundação em 1988. As privatizações – também apelidadas de “privatarias” – são uma marca do tucanato, desde FHC até os governadores e prefeitos da sigla.

Antes mesmo de ingressar no partido, João Doria já era um privatista radical, um ultraneoliberal. Ao se apossar do Palácio dos Bandeirantes, ele anunciou 220 projetos de privatizações, incluindo setores essenciais para a infraestrutura, como o Metrô, estradas e aeroportos, até áreas de administração do Estado, como a Prodesp.

O Instituto Butantan, hoje exibido de forma demagógica pelo governador marqueteiro, estava no plano de venda – que ainda previa cortes de investimentos públicos em ciência, com a precarização de universidades, laboratórios e institutos de pesquisa estaduais, como a Fapesp.

Com a aprovação na Alesp do projeto de lei 529, o governo planeja privatizar até maio de 2023, entre outras, a Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos (EMTU) e a Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU). Sancionada em outubro de 2020, a lei oriunda do PL-529 autorizava a demissão de 5 mil funcionários.

O argumento usado para iludir os ingênuos é de que a privatização serviria para melhorar a qualidade dos serviços. Pura falsidade, comprovada pelo péssimo atendimento prestado em várias áreas por empresas privadas. Outra justificativa é de que a venda do patrimônio ajudaria a sanear os cofres do Estado. Outra mentira para enganar os inocentes úteis e inúteis.

Em 1997, a dívida pública era de aproximadamente R$ 100 bilhões, em valores reajustados. Já o orçamento vigente para 2021 apresenta um endividamento bruto de R$ 312 bilhões – sendo que a previsão de arrecadação é de R$ 246 bilhões. Ou seja: o PSDB faliu o Estado!

Isenções de impostos para os ricaços

Além das privatizações, o tucanato acelerou a terceirização dos serviços públicos. Desde a aprovação da Lei das OS’s (Organizações Sociais) na gestão de Mario Covas, em 1998, vários setores essenciais foram terceirizados, como na saúde. A rede hospitalar e ambulatorial de São Paulo está, hoje, com 50% dos seus serviços sob administração das OS’s, com um orçamento de R$ 5,8 bilhões sob comando da avarenta iniciativa privada.

João Doria também iniciou a implantação das chamadas “Escolas Charter”, mantidas com recursos públicos, mas geridas por corporações empresariais. Nesse modelo importado dos EUA, o objetivo é o lucro e a educação vira uma mercadoria, cada vez mais elitizada!

Com o objetivo de favorecer o setor privado, o lobista que governa o Estado abriu mão de arrecadar impostos dos ricaços. Só com isenções do ICMS – um imposto vital para o financiamento da educação, saúde, habitação e outros serviços públicos essenciais –, o Estado deixou de contar no ano passado com R$ 47,9 bilhões – uma redução de 32,1% na arrecadação.

Tucanato sabota investigações de CPIs

Nesse prolongado processo de entrega do patrimônio público, com suas privatizações, terceirizações e outros golpes, a roubalheira costuma correr solta. O tucanato nunca permitiu qualquer investigação sobre as denúncias de corrupção. A falta de transparência é total em São Paulo. Com maioria na Alesp, os governistas sabotam qualquer proposta de criação de Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI). Já o Judiciário paulista mantém um relação umbilical e antiga com o PSDB.

Em meados de setembro último, conforme noticiou sem maior alarde o jornal Folha de S.Paulo, “uma manobra de aliados do ex-governador Geraldo Alckmin e do atual governador, João Doria, ambos do PSDB, travou a instalação de uma CPI na Assembleia Legislativa que investigaria suspeita de corrupção nas gestões tucanas. À espera da instalação desde 2019, quando João Doria assumiu o governo, a CPI da Dersa (estatal paulista de rodovias) estava prevista para ser iniciada no começo deste ano”.

Foi mais uma das incontáveis investigações sabotadas em São Paulo nos últimos 26 anos. O jornal lembra que “outra CPI prejudicial ao governo – que foi instalada, mas não começou a funcionar – é sobre eventuais irregularidades na concessão de benefícios fiscais. A comissão teria o objetivo de fiscalizar a renúncia de receita de R$ 115 bilhões em dez anos. Diversos benefícios fiscais estão sob sigilo”.

Enquanto nada é apurado, o marqueteiro João Doria se apresenta como presidenciável com o disfarce de representante da “ética”. Haja cinismo!

Texto elaborado como contribuição para o 10º Congresso do Sindicato dos Trabalhadores em Água, Esgoto e Meio Ambiente de São Paulo (Sintaema).

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*Jornalista e presidente do Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé e membro do Comitê Central do PCdoB.

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